SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

História dos Tambores com professor Dr. Salloma Salomão

Veja o vídeo-
http://www.youtube.com/watch?v=d0a7cVDaAE0

Saber sobre as origens e peculiaridades dos tambores é de suma importância, principalmente para os músicos e amantes da cultura musical em geral.

Ao longo da historia, todas as sociedades humanas criaram formas diferenciadas de sonoridade e de música, assim como diferentes suportes materiais para sua execução.

Chamamos estes materiais: Instrumentos Musicais.
 Os tambores utilizados atualmente no Brasil tem influências árabe, portuguesas, indígena principalmente africana, de povos oriundos de diferentes regiões daquele continente.


Alunos e professores participaram  na Casa de Cultura "Espírito de Zumbi" de M' Boi Mirim, no sábado 12/05 da palaestra  " História dos Tambores " , com Saloma Salomão, em seguida, prestigiaram a exposição de tambores e assistiram as apresentações de toque de tambores de diversas etnias.


A Noite dos tambores  realizada pelo SESC Santo Amaro e o grupo Umoja é um evento que reúne diferentes e variadas formas da música percussiva presente em várias culturas.
 A musicalidade, a dança, os conhecimentos relacionados aos sons percussivos são elementos que compõem este encontro, que propõem diferentes momentos  de interação, diálogo e troca entre público, artistas, pesquisadores. A Noite dos Tambores é  celebração coletiva dos toques, batidas, levadas, timbres, pulsos, da diversidade rítmica e de todos os desdobramentos simbólicos que ecoam por meio desta musicalidade.

Caixas de Congo, Congado ou Congada. Os contatos entre africanos da parte centro-ocidental (tronco etnolinguístico Bantu) com outros povos, os levou a incoproração de tambores de duas membranas de origem ibérica. Contudo, tais tambores de guerra haviam sido introduzidos para a europa ocidental pelos norte africanos islamizados e no terrritório que fazia parte do “império das duas margens”, ou Império  Almorávida. As caixas de Congo se inscrevem nos roteiros de intercâmbios cruzados de culturas musicais do grande eixo Oriente-Médio/África/Europa/América.     
Bombo ou Bumbo.  A música-dança negra urbana desenvolvida em São Paulo, indentificada como Samba de Pirapora e Samba de Bumbo, preservou o uso de tambores de cortejos (Congos).  O Bombo ou Bumbo é um espécie de tambor de guerra de sons graves desenvolvidos remotamente da África  e presentes ainda hoje em musicalidades desde o sul da Etiópia até o norte Nigéria, assim como toda Europa, mas ´principalemente em Portugal e Espanha . Designados: Atalaias, Bombos e  Alfaias, provavelmente atravessaram o Mediterrâneo para serem incorporados à cultura musical ibérica e depois  largamente difundidos no Brasil (por escravizados pretos) mediante influência direta portuguesa. Documentos portugueses medievais citam Bombos africanos, como sendo pesados tambores confeccionados em madeira e couro de hipopótamo utilizados para marcar a marcha dos soldados mouros.
Tambores Escoceses. Tambores militares de timbres graves e membranas duplas, denominados Lambeg, foram disseminados no meio militar, no norte do Reino Unido, certamente por volta do século XVI, sob a dinastia Orange. Somente por volta do século XII da era cristã encontramos registro dos tambores de duas membranas (pele) na Inglaterra, Irlanda e Escócia. Até então, os instrumentos de percussão tiveram um papel irrelevante na música européia. As cruzadas colocaram os soldados e religiosos da Europa em contatos com o variado repertório de cultura musical dos povos islamizados. Também são chamados tambores da Caledônia, ou seja, antiga denominação romana da região ao norte da Bretanha.
Tambor tipo Ngomas. Na prática música-dança negra do Maranhão conhecida com Tambor de crioula, os tambores cilíndricos de uma membrana (pele) são testemunhos materiais da presença cultural Angola-Congo na região ao norte do Brasil.  A utilização desses tambores em trio revela a riqueza musical e complexidade rítmica, na qual cada músico toca difrentes desenhos ( polirítmos), mas o papel de “solista” é, em geral, exercido por aquele instrumento de timbre mais grave.    
Bata. As técnicas de construção e execução do Bata foram introduzidas por africanos, Daomeanos e principalmente Iorubanos, no Brasil durante o tráfico negreiro. Temos vários documentos que atestam sua utilização, sobretudo na Bahia no século XIX e os escritos de Manuel Querino (etnólogo baiano, pioneiro no estudo de cultura africana no Brasil) falam deles com ênfase. Sua utilização ainda é preservada na África do Oeste, como também em Cuba. Seu formato de cálice e membrana dupla o diferencia de inúmeros outros tambores africanos de uma só pele, recriados na diáspora e preservados, sobretudo, na práticas religiosas.
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os sons que vêm das ruas

Os sons que vêm  das ruas

A música como lazer e sociabilidade da juventude negra em São Paulo[1].
Amailton Magno Grillu Azevedo
Salloma Salomão Jovino da Silva


... saudações a todos os manos.
Ocupem seus lugares e estejam à vontade
 pra presenciar a manifestação
maior da cultura de rua...[2]

R.Z.O. -Um poder a mais-


Em meio à diversidade de modos de viver que se constituíram na cidade de São Paulo, principalmente após a abolição oficial da escravidão, ou seja do limiar do século XIX em diante, encontra-se aqueles referentes as populações negras.
Aparentemente a rotina da urbanização dominou o cotidiano paulistano. Observa-se que entre as memórias da cidade há uma redundância nas retóricas do desenvolvimento tecnoindustrial e nos projetos arquitetônico e urbanísticos, sinônimos de progresso e desenvolvimento social. Nesses os seres humanos figuram como mero detalhe ou adereço, muitas vezes indesejável.  Tais imagens que se projetaram até mesmo nos habitantes do setores mais excluídos, que agora buscando integração nos processos de usufruto da cidade, tentam legitimar algumas memórias selecionada nos escaninhos oficiais e, apagar outras.
Por  essa razão mesmo os mais avisados especialistas e estudiosos da cidade,  se  surpreendem quando identificam territórios que antes eram apenas cogitados  como espaços privilegiado da gente branca ou de ascendñecia européia. Os primeiros memorias-monmentodos, ficam e balançam as bandeiras do seuro-mamelucos desbravadores, depois do fazendeiros dos cafezais e por fim dos vitoriosos imigrantes mais recentes, entre os quais os italianos aparecem com mais proeminência.
Quando se afina o olhar, no entanto, mesmo no silêncio da escrita, se pode flagrar os indícios dos passos e ecos das vozes  de outras gentes,  entre estas  consta o povo negro e chegando mais de perto, se pode perceber sua ruidosa presença, como teria feito pioneiramente Raquel Rolnik.
Não bastasse a tentativa de construção de uma memória pretensamente homogênea, São Paulo  não a cidade, mas quem nela vive ainda tem que conviver com sua suposta inaptidão musical,  ao carregar o famoso título de Túmulo do Samba.
No entanto, tradições inventadas e resignificadas na cidade, tem encontrado refúgio e apoio político em trabalhos que buscam outras presenças e memórias  múltiplas que também compõem as histórias da capital paulista, como, por exemplo, no “ Nem tudo era italiano”[3] de Carlos José Ferreira dos Santos, quando identificou outros sujeitos, como os trabalhadores nacionais e entre eles os pretos na metrópole. Em “Sonoridades Paulistanas”, José Geraldo Vinci de Moraes[4], nos possibilita notar as  “vocações” musicais dos negros e pobres viventes da cidade na virada do século.
São sonoridades herdadas dos escravizdos,  sobrevivências de práticas musicais africanas, que propiciou a emergência de estilos de música e dança urbanas que podem ser definidos como sambas e batuques paulistas.
Estas formas de cultura musical emergem em contraste  com o expresso desejo dos governantes paulistas de branquear o estado, São Paulo foi o estado que mais levou a fundo as políticas de imigração subsidiada, sabe-se hoje que mais da metade dos imigrantes europeus que entraram no país entre 1888 e 1928 tiveram este estado como destino.[5]
Mergulhadas numa cultura avassaladora metropolitana, os hábitos correntes de preservação e destruição de memórias são faces da mesma moeda e, os pretos paulistanos livres e ex-escravizados, herdeiros somente da sorte e mestres na capacidade de improvisar, de gestar  jeitos  de sobreviver em territórios  e condições adversos, souberam também burlar o esquecimento, grafando seus sonhos e gestos de outras formas.
Tanto antes como depois de maio de 1888, se tem usado muito dos espaços ditos públicos, como ruas, praças e galerias para criar e recriar culturas e tradição musicais, e como as práticas musicais fazem parte da própria vida, estiveram presentes nos momentos mais ordinários, como também naqueles em que se projetaram movimentos,  organizaram-se grupos, associações, partidos, cooperativas, associações e irmandades. Muitas vezes foram projetos silenciados, na relação com os donos da cidade, parte da elite política  e econômica.
“Até essa época , no início do século, a rua era o principal meio de subsistência dos pretos e dos pobres, era também lugar de manifestações culturais, de tensão  e de conflitos sociais latentes. Os defensores da moral, dos bons costumes e da “civilização” passaram a classificar as manifestações culturais e religiosas dos pretos como baderna e algazarra, cobrando das autoridades competentes que pusesse a polícia a cuidar das pequenas concentrações de pretos , sob o argumento que estas quase sempre descambavam para o lado do crime.”[6]
Nas primeiras décadas do século XX, quando passada a euforia dos abolicionistas e assentada a poeira das promessas da proclamação da Repúlica, os pretos de São Paulo rapidamente entenderam a natureza das mudanças, principalmente quando a cidade inchou de imigrantes pobres, trabalhadores excluídos da Europa, ou daquela que tardiamente  buscava uma via rápida para  modernidae. Essa devia ser um estrada sem conflitos sociais.
Tensões e trocas culturais alternadamente se operaram nos espaços comuns de luta pela sobrevivência, do trabalho ao  lazer e até na mendicância. Como as elites preferiam os trabalhadores brancos para todo e qualquer tipo de serviço e os anúncios de jornal não dissimulavam tais preferências, a tensão era constante como dissimulada. No entanto a cidade pôde assistir na década de 30 a formação da mais expressiva experiência política que os pretos brasileiros puderam realizar, a formação da Frente Negra Brasileira.
Inicialmente apenas um grupo político inespressivo, transformou-se em partido, construiu unidade, equalizou diferenças ideológicas, mobilizou pessoas para muito além das fronteiras estaduais. sendonão durou muito e foi cassada pelo governo ditatorial de Vargas, juntamente com os demais em 1937.
As associações negras, eram geralmente organizações de ajuda mútua e haviam muitas delas pela cidade, promoviam bailes e festas em ocasiões pontuais ou especiais, não raro cada uma tinha como obrigatório seu próprio grupo musical, naquela época denominado Regional, que tocava choro , sambas, marchas carnavalesca e sucessos musicais veiculados pelas rádios AM da cidade. Acima de tudo se recriavam canções populares advindas do tempo do império e sustentadas sobre celulas rítmicas seculares, que ecoavam em meio as influências de Rag-time.     
Estes grupos também tomavam parte nos cordões, antes de surgirem as escolas de sambas,   fazendo também serenatas, saraus e animando bailes familiares e de salão. Em uma passagem pela cidade Claude Levistrauss narra um curiosa situação, na qual ele e Mário de Andrade recebem permissão, para  entrar em uma casa de uma família negra. A condição entretanto é que não poderima sair sem antes dançar com a damas, negras. Certamente ele e Màrio não entenderam a mensagem contida em tal condição, mas nós sim.
Aristides Barbosa  professor e jornalista ex-rmilitante da Frente Negra Brasileira na São Paulo dos anos 30,  participou do regional da FNB que reunia instrumentistas das cordas , vocal, percussão e sopro.  Em um livro de memórias de velhos militantes, lembrando-se do ambiente daquela época,  nos relata o seguinte:
“O regional era uma coisa de jovens. A gente tinha essa necessidade de se divertir, ir a bailes. Uma noite fomos tocar em Santana. Um guarda civil chamado fausto deu uma festa e foi buscar a gente de carro na Rua da Consolação. Ele gostava muito de mim, do Abelcio também. A festa deixou todo mundo bastante feliz e, quando saímos de madrugada, descemos a voluntários da Patria todinha cantando um samba. Lembro até hoje: Quero ver o sol nascer/ no meio da batucada/ batucando com você/ quero ver o sol nascer...Descíamos o morro de Santana cantando. O Cásper pegava num cavaquinho e esquecia, aí a gente cantava assim: Branco aqui não mete a cara / quero ver o sol nascer/ o samba é coisa muito rara/ batucando com você(...).[7]     
O depoimento é, portanto, da mesma época em que, de um lado havia a imigração para branquear o país e, São Paulo desesperadamente perseguiu tal objetivo, enquanto que  do outro lado consta os discursos oficiais  dos intelectuais, que tentavam sustentar que no Brasil não havia racismo ou qualquer tipo de discriminação contra as populações descendentes de africanos.
A cidade seguiu seu curso, mas a letra do samba gravada na lembrança do velho militante e, que  aqui fazemos nossa memória, também nos deixa entrever as lutas silenciosas, os conflitos e confrontos enviesados nas ruas,  vielas e becos, de uma cidade cindida, composta de fragmentos de culturas e identidades que ela teima em ocultar.    
Dentre  as  maneiras de tornar a vida possível diante das adversidade, os pretos tem dedicado especial atenção a música, um canal fundamental para criar formas de sobrevivências e sociabilidades, entendida como expressão étnica e ao mesmo tempo diversão, cultura e arte.
São referências vem de longe, como das rodas de pernada e samba do final do século passado, está nos cordões carnavalescos dos primeiros anos deste século,  atravessa as atividades  das sociedades e associações negras,  se fazendo presente na formação das escolas de samba nos anos 60.  Falamos de um acúmulo de experiências socioculturais específicas, que emergem do  viver urbano, determinando-o e sendo determinado por ele,  viver constituído a partir  de uma perspectiva étnica, onde figuram interações entre culturas distintas quando é possível diálogo. Quando não o é, resignifica-se tradições, ideologias e religiosidade para um encontro regido pela comum ancestralidade.
 Enter os estilos musicais mais recentes, movimento o black soul, inesperada e rapidamente aglutinou a juventude negra urbana nos anos setenta,  isso ocorreu também e São Paulo e foi visto com muita desconfiança pelos veículos de comunicação tal como que acontece atualmente em outros níveis com movimento Hip-Hop.
Principalmente porque não havia naquela época, aos menos no início, nenhum grande empresário de espetáculos por trás dos eventos, que começaram nos fundos de quintais, pouco a pouco foram ganhando as ruas e depois os salões de baile dos bairros periféricos, quando de repente  tomaram de assaltos os clubes chiques e ginásios de esporte virando moda.
Os mesmos veículos de comunicação que desdenham dos pequenos eventos e torciam o nariz, para as hordas de jovens negros que, coloridamente enfeitavam as noites da metrópole, na época do movimento Black-soul. Temiam a boca miúda a penetração da ideologia dos Panteras Negras,  que pregava entre outras coisas, a legitimidade do uso da violência contra as atitude racistas.
As equipes de som eletrónico que animavam os bailes dos anos setenta cresceram, algumas se tornaram importantes selos de produção musical, foram fundamentais para a formação do público consumidor, dos grupos jovens de samba paulista como Cravo e Canela, Sem compromisso , Negritude Junior e outros, mas também abriu caminho para a entrada  da geração de sambistas cariocas na ativa desde os anos 60 e setenta , como Martinho da Vila, Dona Ivone Lara,  Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e Leci Brandão.
Os grupos do estilo Rap também se beneficiaram da estruturação destas equipes, que produziram os primeiros discos de rap em produções baratas na forma de  coletâneas, onde se agregavam os participantes dos cansativos festivais competitivos. Tendo sido a Eldorado a única gravadora de médio porte a produzir antes da entrada da década de noventa um disco de rap.
O surgimento do movimento Hip –Hop em São Paulo passa quase obrigatoriamente por esses caminhos, ou descaminhos se pensarmos nas suas dimensões atuais porque sabemos os primeiros contratos entre estes selos e os rappers, eram verdadeiras armadilhas para os grupos, que ficavam enredados numa trama macabra de vampirismo, sem saber quantos anos restavam de contrato,   sem ter o mínimo controle sobre os discos vendidos, sem recibos dos custos de produção etc. Por isso, hoje é saudável  se ouvir falar em produções cooperativadas. 
Atualmente os protagonistas do Hip-Hop paulistano, alguns já notados logo nos  primeiros anos da década de 80, como Nelson Triunfo, Marcelinho, Thaíde, Hélio, Cícero, Marcelo Pinguinha, Luizinho, Dj Hum, demonstram a resignificação de uma tradição entre  os  pretos paulistanos,  tornando a rua como território para se a viver, se  divertir, encontrar os manos,  sobreviver e fazer arte.
 Reivindicam o status de Cultura de Rua para suas práticas, ao passo que muitas outras formas culturais sonham com a nobreza dos salões. Não ligam a mínima para quem inventou a palavra (Kulture),  mas a empregam no seu sentido correto para situar uma opção política e social, anunciam sempre o lugar de onde estão falando, para que o ouvinte não nunca se sinta enganado,  é um diálogo direto, mas traz metáforas surpreendentes e plenas poesias.
O Hip-Hop paulistano praticado por pessoas comuns, com as suas formas artísticas, a dança de rua breack, a pintura mural graffitada e a música rap, tem deixado registros dançando, pintando, compondo e interpretando os raps, uma memória urbana e recente de um grupo específico, que habita um lugar específico na cidade que são os pretos pobres e os pobres residentes nas periferias e favelas paulistanas.
Quando ainda só dançavam, as esquinas das ruas Dom José de Barros com a 24 de Maio no centro serviam de ponto de encontro, apropriado por Nelson Triunfo e o grupo Funk Cia, que se auto-intitularam como os iniciadores da cultura Hip-Hop em São Paulo, e  reconhecidos  na narrativa histórica elaborada sobre o  movimento.
Nelson viveu e testemunhou como muitos, os grupos de dança, que tomavam  as ruas como território preferencial de deixar registrado os passos de breack na cidade, dançando onde achavam  necessário, sem preocupar-se com um lugar fixo nos primeiros anos da década da 80, pelos menos até a ocupação do largo São Bento por volta dos anos de 1984/85.
            Testemunhou também  as experiências vividas  com o lazer durante os anos 70, da geração do black-soul em diversos lugares tornados espaços de gente preta quando se tratava de dança  e diversão, como está registrado com o largo São Francisco, a rua Direita e a Galeria 24 de Maio na rua 24 de Maio.
Espaços fechados serviram também como ponto de dança e  diversão, como foram os salões de dança espalhados pela cidade entre os quais estavam: o Guilherme Jorge na vila Carrão, o Maringá Dance na vila Guarani, o La Croati no Jabaquara, o Astro na  cidade Ademar, o São Paulo Chic  na Barra Funda, o Alepo no Brooklin, o Embaixador na avenida Celso Garcia, a Casa de Portugal na Liberdade e o ginásio de esportes do Palmeiras, na Pompéia.
O black-soul paulistano, tinham nas equipes de  baile como a Chic Show, Kaskatas, Zimbábwe, Black Mad, Transa Negra, Soul Humanitê, Watergate, The Brothers of soul, Força Negra, Ademir Fórmula 1, Galloti, Os Carlos, Os Primos, Musicália,                       Tropicália, J.B.S, Soul Trine, Soul Power, Black Board, traço importante dessa vivência dos  bailes junto com os músicos e o público.
Foram espaços vazios, que quando ocupados transformavam-se em territórios[8], pois sentimentos os mais variados eram expressados por pessoas que encontravam nesses eventos a possibilidade de evocar tradições nascidas do samba e reinterpretá-las em novas formas como assim foi o tão cantado e dançado samba-soul de Tim Maia, Jorge Ben, Cassiano, Bebeto,  Banda Black Rio, Gérson “King” Combo.
A geração do rap herdou de certa forma esse repertório musical,  resignificando  os sons do  tempo do soul, para transformar em rap nos anos 80 e 90, pois os praticantes  do Hip-Hop experimentaram e viveram  esse modo de se divertir.
Eu jogava em um time que os caras do primeiro quadro já curtiam um som. A rapaziada levava um rádio gravador, escutava um samba e sempre um lado da fita era balanço. Eu tinha 11 anos e na época se curtia música soul, James Brown, Chocolate Milk e falo isso de memória, pois escuto os discos hoje e lembro dos bailes que ia. Mas em 1980 eu comecei a fazer festas com um (três em um ) a adquirir discos e eu muito sintonizado nos programas de rádio fui sacando as viradas, as mixagens. Não tínhamos pick-ups com pitch  e então improvisávamos com borrachinhas esponjas molhadas no dedo e íamos fazendo o lance. Em 83, eu já curtia Kurtis Blow e os funks falados que apareciam e eu me empolgava com esse tipo de música. Quando começou a pintar esse lance do rap junto do breack, pintou um monte de festinha para eu  fazer na vila e foi onde eu comecei a desempenhar meu trabalho. Vi o Malcon Mac  Laren saquei que dava pra fazer músicas com discos.
Humberto, de nome artístico Dj Hum, como  os artistas ligados ao Hip-Hop, possui a herança de ter experimentado o samba e o soul enquanto repertório de escuta, mas fundamentalmente como registros históricos de sonoridades  não contemporâneas ao tempo do rap, que formaram um fundo musical para a produção do rap feito no Brasil.
Registros históricos, vividos através de algumas formas de sociabilidades de diversão como os jogos de futebol ou as festinhas que aconteciam nas vilas e que se transformaram em possibilidade de ganhar a vida assumindo enquanto profissão como     aconteceu com Dj Hum, Dj K.L.Jay, Dj Fresh, Dj Negro Rico.
O largo de São Bento na estação do metrô, foi o lugar aglutinador das pessoas envolvidas nesse fazer artístico urbano de dançar e cantar na rua, onde os participantes puderam dar nome e significado ao local que protegeria “a origem” da mais nova tradição constituída no ambiente metropolitano, alimentada todos os domingos à tarde.
Local dominado pelos dançarinos,  chamados de B.Boys, os músicos chamados de MC’s resolveram apropriar-se da  praça Roosevelt por  volta do ano de 1989, onde puderam ter mais oportunidade de discutir sobre música, já que o largo era o lugar da  dança.                      
Frequentando o largo de São Bento ou a Praça Roosevelt, o fato que os B.Boy, MC’s e Dj’s tinham na Galeria 24 de Maio um ponto de encontro onde estavam localizadas as lojas de discos, das vestimentas e os salões de cabeleireiros black, que serviam para estar em dia com o mundo do Hip-Hop ou apenas para trocas de idéias. 
A ocupação desses territórios de certa maneira não esteve associada a um tipo de organização racionalizada e planejada, mas por necessidades de apropriação espontâneas dando novos significados a espaços da cidade pelo menos entre os anos de fundação do largo entre os anos de 1984/5 a 1989, tempo de fundação da praça como um dos locais vividos pelos Hip-Hoppers.
O que parece é que inventaram, nesses locais as micro-cidades com  vidas específicas, desdenhando do projeto racional que é a cidade-conceito pensada para um sujeito   universal e anônimo[9], homogêneo e a-histórico.
            Esses foram os terrítórios tornados locais de arte que deram visibilidade à grupos de  jovens pretos e pobres. No final dos anos 80 e início de 90 o Hip-Hop, a  partir dos rap’s de Thaíde e Dj Hum, Racionais MC’s, D.M.N, outras novas cidades foram emergindo sob o símbolo duplo da periferia/favela e revelando modos de vida mergulhadas na pobreza. Nesse período nascia o rap chamado “político” diferente daqueles produzidos na década 80 denominado “animação”.
            Seria o rap político que iria revelar histórias pessoais ou coletivas dilaceradas pela tristeza, lamento, soluços, choros ou  alegrias, diversões, sorrisos, vivido pelas pessoas que habitam as novas periferias formadas com o surto industrial dos tempos de Getúlio e Juscelino nos anos 50[10].
            Será nos anos 90 que os desajustados, favelados, ladrões,  meninos de rua, pretos, prostitutas, pobres, detentos, ex-detentos deixarão de ser vítimas do engodo da industrialização e crescimento urbano da cidade mais rica do Brasil, e passarão a ser, nas letras de músicas, personagens e principais protagonistas de suas histórias e de suas memórias.
“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã
Aqui estou mais um dia, sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar, com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel, estraçalha ladrão que nem papel...

Cada detento uma mãe, uma crença, cada crime uma sentença
Cada setença um motivo, uma história de lágrima
Sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio, sofrimento
Desprezo, desilusão, ação do tempo, misture bem essa química
Pronto: fiz um novo detento...”
Racionais MC’s- Diário de um Detento[11].

           



[1] Esse artigo baseia-se no livro- Um Mundo Preto Paulistano de Azevedo, Amailton Magno Grillu e Silva, Saloma Salomão Jovino da, Aruanda Mundi, Itapecerica da Serra, 1999.
[2] R.Z.O. - CD: Todos São Manos- selo/Cosa Nostra, São Paulo, 1999.
[3] Santos, Carlos José Ferreira. Nem tudo era Italiano: São Paulo e Pobreza ( 1890-1915), Editora Anna Blume-Fapesp, São Paulo, 1998.
[4] Moraes, José Geraldo Vinci de. Sonoridades Paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo- final do século XIX ao início do século XX, Funarte, R.J., 1995.
[5] Andrews, George Reid. Negros e brancos em São Pauulo, trad.Mgda Lopes (1888-1988), EDUSC, Bauru,1998
[6]  Azevedo, Amailton Magno Grillu  de e Silva, Saloma Salomão Jovino da, Um Mundo Preto Paulistano, Aruanda Mundi, Itapecerica da Serra, 1999.
[7] Depoimento de Aristides Barbosa in: Frente Negra Brasileira:  depoimentos/ entrevistas e textos: Márcio Barbosa; organizador Quilombhoje.  São Paulo:Quilombhoje, 1998.
[8]“Contrapondo-se a noção de espaço à noção de território, há uma relação de exterioridade do sujeito em relação ao espaço e  uma ligação intrínseca com a subjetividade quando se fala em território. O território é uma noção que incorpora a idéia de subjetividade. Não existe um território sem um sujeito, e pode existir um espaço independente do sujeito. O espaço do mapa dos urbanistas é um espaço, o espaço real vivido é o território”. Rolnik, Raquel. História Urbana: História da Cidade? in: Fernando, Ana e Gomes, Marco Aurélio de Figueiredo (org). Cidade e História: modernização das cidades brasileiras no século XIX eXX, Salvador, Faculdade de Arquitetura,  Unviersidade Federal  da Bahia/Mestrado em Arquitetura  e  urbanismo,    1992.                 
[9] Certeau, Michel. A invenção do Cotidiano: artes de fazer, Vozes, 2º edição, Petrópolis, 1996, p-173.
[10] Sader, Ëder. Quando novos personagens entraram em cena: experiência e lutas dos trabalhadores da  grande São Paulo- 1970-1980, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988, p-61.
[11] Racionais MC’s- CD: Sobrevivendo no Inferno, selo/Cosa Nostra, São Paulo, 1997.


Extraído do livro inédito: UM Mundo Preto Pualistano de Salloma Salomão Jovino da Silva e Amailton Magno Azevedo, Porfessor da PUC-SP. 
Texto Publicado originalmente IN: ANDRADE, Elaine Nunes de. (org.). (1999) Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus. 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Música, Identidade negra, experiência e memória urbana

Música, Identidade negra, experiência e memória urbana em São Paulo no final do século XX.


Salloma Salomão Jovino da Silva

Em abril de 2008 morreu o percussionista João Grandão (João Batista Mendes dos Santos), percebo que se passaram exatos 20 anos, desde o tempo em que participamos juntos na culminância musical do trabalho da Banda Tribbu e quase três trinta que nos conhecemos. Enfim, faz um bom tempo, o bastante para que nossos filhos estejam bem crescidos e seguindo seus caminhos.
É, portanto, um momento adequado para um balanço e certamente é um balanço. Balanço  arbitrário e capenga, porque eu o faço unilateralmente. Este é um texto/tributo à memória do músico, artesão e percussionista João Grandão, meu companheiro musical,  nesses anos agora vistos como bons tempos.
Que cidade voce habita? Que cidade te habita? Que sonho de cidade se configura dentro de voce?  Nas vielas, fimbrias da urbe, na Urbana Quimera fomos parceiros de música e festa, projetos e sonhos, desenredos e desilusões. Como em toda relação verdadeiramente humana, experimentamos laços de carinho  e desencontros, solidariedades e desafeições tão agudas, quanto tolas.

Tudo era intenso no processo de auto-construção dentro das musicalidade-urbanidades nossas e nos arredores e miolos da megalópole. "Voce está entrando" na seletiva narrativa que pretende repor o passado vivido, forma de elevação  do grau de subjetividade, razão e emoção conjunta. Ensaio sem banda,  sujeito a equívocos, ausências, omissões, erros de datas, lugares, nomes e outros vexames, que podem ser parcialmente superados com alterações, revisões e adendos posteriores. Além disso, peço que entendam as eventuais inverdades e falseamentos (não intencionais) como compensações para casos mais graves de impotência diante da realidade. Fatos políticos e sociais tidos relevantes, aqui são apenas “pano de fundo”. Uma contação da história não linear, que tem lá seus marcos próprios e começa nos início da década de 1980, sob o governo do último general/presidente, João Figueiredo.
Nós protagonistas ouvimos ao longe os ecos do Movimento pelas Diretas Já, passeamos pela Sé em dias ordinários. Eu fazia e vendia roupas e João artesanato em metal, nos arrebaldes do Largo 13 de Maio e do Colégio Alberto Conte, em Santo Amaro.
Eu no  Brooklin, bairro mais ao centro, Colégio Oswaldo Aranha, onde estudante de Ensino Médio. Flertamos com a política via UNE e cultura de favela . com o Movimento Eclesial de base, mas o prefeito biônico da cidade, Mário Covas, mandou seu secretário de cultura, andar pela vidade, nós oa avistamos em Santo Amaro.
Era o Dramaturgo e ator Gianfracesco Guarnieri ( esse cara escreveu Arena Conta Zumbi , com Augusto Boal) e fez filmes sobre operários em greve. Ele e Beth Mendes eram ícones . Nessa época nossa principal onda eram os festivais estudantis de música. Tinha de tudo  

Tocamos durante o strip-tease de uma escultural atriz negra no prédio da atual Universidade Livre de Música, que na época chamava-se Centro Cultural Mário de Andrade. Freqüentamos palcos periféricos e centrais, quase sempre  com equipamentos de som péssimos, inclusive quando do último comício para campanha a prefeitura da mais importante e a mais digna pessoa  que comandou a cidade, a  mulher nordestina Luiza Erundina.

Surpreendentemente eleita, tudo parecia realmente promissor. Debatemos com equipe da Secretaria de Cultura ao longo dos anos temas como apoios, cachês, espaços. Misturamos anseios com a inércia da maquina pública, sonhos com as acrobacias partidárias, ativismo cultural com a luta pela sobrevivência. Depois, um pouco estarrecidos com a pirotecnia dos gabinetes deslumbrados, em meio a contratos milionários, fomos publico de eventos elitistas e discurseira academicista. Calamos e saímos juntos de cena, nós e os donos da bola. Mais significativo para mim foi “Primeira Lavagem da Rua da Mentira”, a rua Treze de Maio no Bexiga. Uma demonstração de organização, unidade e força do Movimento Cultural Negro da cidade de São Paulo. Aos poucos foram se aproximando as figuras Históricas do Movimento Negro Unificado. Nosso guru era o Lumumba. Contatos visuais com Geraldo Filme que trabalhava na autarquia Anhembi Turismo. A emblemática Teresa Santos e a os tambores de afoxé da Banda Lá na quadra da Escola de Samba Peruche. Euforia na chegada de Moa do Catendê, um dos fundadores de Male Debalê. São Paulo, as vezes, parecia uma Cidade Negra . O saber/fazer musical de João Grandão, que se desenvolveu nesse contexto é um mote adequado para compreender a mudança do papel dos músicos responsáveis pela presença dos tambores na cultura musical urbana brasileira e mundial nas décadas finais do século XX. Mais que isso, esse foi um tempo em que se descortinou para nós questões que relacionavam música e a diáspora africana. Aliás, esse termo, diáspora entrou definitivamente em nosso repertório pela boca do rasta Ivan.
Era um horizonte de valores negrocentricos velhos demais, mas totalmente novos para nós. A gente via se descortinando um mundo negro onde figuravam Marcus Garvey e a Black Star Line, Edward Dubois e a Unidade Africana e termos como Pan-Africanismo, Cristianismo Copta, começaram a fazer sentido. Tudo isso podia ser desencadeado por um vídeo de Bob Marley e os Waillers no evento de um ano de Libertação do jugo colonial de país remoto da costa leste africana, que em São Paulo era nome de uma equipe de baile e depois gravadora, Zimbabwe. Um reportagem em vídeo, sem tradução para língua inglesa seria inacessível, se não fossem as imagens das crianças ( Demian e Ziggy)  de Marley dançando em torno do caixão dele defunto, em funeral colorido e comandado pelos sacerdotes coptas.


Na vida real a gente acompanhou e fez de dentro esse processo de democratização politica e acesso a a informação em meio a muita música ouvida, criada, tocada, grava em K7, sentida no corpo e nos consumimos nas bordas e centros de uma cidade árida e cada vez mais voraz. Mas a cidade, ela é nada, nós somos a cidade, mesmo que ela nos seja negada. Se fosse tão somente ruas e avenidas, casas, barracos, edifícios e objetos mecânicos mas inanimados, a grande São Paulo, nossa megalópole, simplesmente não existiria, ela é campo, território de conflitos. Ela é uma plataforma de visibilidade e uma maquina de invisibilidades. Palco de encontros, estranhamentos e trocas.

Eu havia encontrado jovens baianos de madeixas enormes e grossas nas proximidades do Colégio Equipe da Martiniano de Carvalho, isso ainda no início dos anos 1980, mas ao fim daquela mesma década esse seria apenas um dado visual, atrás do qual se desenvolvia um mundo de idéias e atitudes sobre negritude, absolutamente novas para nós. Inicialmente inscritos nas vielas e bairros do extremo sul, João e eu afro-brasileiros mineiros, nos fizemos teimosos em frustrar as estatísticas de drogradicção, violência, encarceramento e recalque social que poderia nos ter confinado no gueto sócio cultural, comum àqueles que tem as nossas mesmas marcas.

Ainda que sem grandes alternativas, com a música, criamos rotas de fuga a tais tipos de refração citadina. O apelido dele, depois nome artístico, João Grande, depois João Grandão, era referência cruzada a sua estatura física diferenciadamente alta, personagens de filme e desenho animado e um famoso capoeirista baiano. Além de uma verve carregada de ironia, estratégia de enfrentamento aos preconceitos vários, João era uma bela figura masculina. Um negro-mestiço de boa estatura que cultivou a vasta cabeleira cacheada e preta, depois transmutada em longos dread-locks. Tinha dois irmãos e duas irmãs, era filho de pai baiano, seu João Mendes e mãe mineira, Dona Tereza Santos. Nasceu em Careaçu Minas Gerais e migrou com a família para São Paulo e boa parte de sua infância e adolescência transcorreu no Parque Fernanda na região do Valo Velho, zona sul da capital paulista. Estudou o ensino formal até a 8A série e era musicalmente autodidata. Teve dois filhos, Atauê e Iatã com sua primeira mulher Roseneide Brandão Lopes, que conhecera ainda adolescente, quando ela freqüentava o colégio Alberto Conte e ele expunha suas peças nas imediações do Largo 13 de maio, no centro de Santo Amaro. Eu havia recém retornado a São Paulo no começo da década de 1980 e o calçadão do Largo 13, se transformara também em local de encontro de neo-hyppies, roqueiros, regueiros, artesãos, sindicalistas, ativistas sociais, lideranças estudantis e músicos. Ali ficávamos horas, na sexta e sábado ao fim da tarde, em bate- papo sobre artes, música, cultura, elevação espiritual e é claro experiências psicodélicas.
No começo, apenas eventualmente tratávamos de política partidária, até veio o PT. Fora isso eram viagens físicas e astrais, a cultura etílica sempre amolecendo as convicções mais rijas. Festas nas imediações na Granja Julieta, na Chácara Flora, no Jardim São Luis, Valo Velho, apesar dos resquícios de repressão no fim do “regime”, com gente a não tinha tempo ruim. Anarco Punks amigos, cabeludos chegados, um barzinho chamado “Sei Lá”. As festas na quebrada eram a s mais livres e doidas. Como também eram os acampamentos em Paraibuna, Paranapiacaba, festival de verão no Guarujá, shows na praça da Paz no Ibirapuera. Alguns violões, colchonetes nas mochilas, um pouco de comida, um pouco de canábis e um grande amor.

Músico e exímio artesão em madeira, couro e metais, revelou ter um tino especial para pequenos empreendimentos. Primeiramente montou uma mini-fábrica de artesanato em metais nos fundo na casa dos pais. Todas as maquinas e equipamentos adaptados, improvisados. Dali, fornecia objetos de adorno para lojas de importantes centros comerciais de São Paulo. Com igual sucesso ingressou na atividade de confecção com uma de suas companheiras. Mais tarde, desenvolveu outras habilidades na construção de instrumentos e estojos para seu transporte. Ganhou notoriedade no circuito alternativo de música de São Paulo e se aproximou dos músicos da Banda de Alceu Valença com os quais deu canjas. Trabalhou, como técnico de som, rouding (responsável pelo transporte, guarda e afinação, montagem e desmontagem de instrumentos musicais). Tocou na segunda turnê brasileira da banda advinda do Suriname, a Duhesmo Syndicate, uma das primeiras bandas internacionais de reggae a fazer o circuito brasileiro. Somente muito anos mais tarde vieram, Peter Tosh, The Waillers e UB-40.

A Banda Tribo formou-se entre 1985 e 1987 (como era grafado antes do estudo numerólogico de uma fotografa amiga de percussionista Nobuga, cujo nome não me lembro). Com Telmo Anun-percussionista, Mauro Nobuga- percussionista, João Grandão-percussionista, Artur Tchalekian-Contra-baixista e Carlos Mariya-guitarrista. A proposta inicial era elaborar uma sonoridade própria com base nos Tambores. Ainda não havia grande projeção dos grupos afros da Bahia e a percussão não era alvo de apelo na mídia. A Tribbu pretendia não fazer concessões aos covers, uma imposição das casas noturnas naquela época, bastante difícil de ser contornada. Havia evidentemente outros espaços para atividade musical profissional na cidade, como docência precária nas escolas de música, normalmente sem vínculo, sem equipamento pedagógico e metodologia. Existiam também hotéis e restaurantes de luxo nas imediações da Augusta, Paulista e nos Jardins, mas este campo era disputado como reserva de excelência. Espaço de músicos do disco e do rádio que já não gozavam do mesmo prestígio mas conseguiam manter contratos razoavelmente estáveis e pagamento nos níveis da tabela da Ordem dos Músicos do Brasil.



Salloma, Edu Schltz e João Grande, evento no Largo São José por volta de 1982.


Embora um tanto autoritário na minha visão, João Grandão tinha senso raro de liderança musical e uma noção prática desenvolvida ao longo dos anos 1980. Havia adquirido uma grande experiência, gravando em estúdios e tocando diferentes tipos de sons, principalmente rock com sotaque de Forró e outros elementos identificados à música de origem nordestina (a Banda Fim da Picada se intitulava Banda de Forrock). O FIM DA PICADA, por onde também passei a seu convite, foi sua primeira banda, onde inicialmente teve a função de vocalista. Nos conhecemos nessa época, durante um festival de música estudantil em Santo Amaro, São Paulo, Capital e ainda naquele ano colaboramos na organização dos nossos primeiros eventos.
Salloma e Clelington Ferreira- Tribbu e Wlaking Lions no Centro Cultural São Paulo em 1988.  By Soso. 

Em termos de formação instrumental a Tribbu inovava, mas não rompia como o modelo configurado a partir dos anos 1950, qual seja, voz, Guitarra, Baixo e Bateria. Essa padronização se deveu a vários fatores ligados ao desenvolvimento de tecnologias que permitiam a amplificação do som dos instrumentos musicais, eletrificados e microfonados permitiam a audição de um público cada vez mais amplo. Mercados que se alimentavam mutuamente, da industria de equipamentos e instrumentos eletrificados, fomentando a expansão da indústria de entretenimento, que envolvia rádio, disco, espetáculo. Este formato já era comum no Brasil nos anos 1960, já verdade tinha sua origem nas primeiras Jazz Band brasileiras surgidas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre na remota década de 1920.

Meu ingresso na Banda Tribo ( gradafo assim naquela época) foi seguido da saída e emigração de Telmo Anun para a Suíça, mas isso não modificou o objetivo inicial, quanto a uma estética que valorizasse elementos musicais africanos e especialmente a percussão. Eu tinha uma modesta experiência de letrista e vocalista, pela passagem pelo grupo Fé, Circo Novessência e Na Corda Banda, onde havia atuado. Naquela época trabalhava com musicalização na FEBEM Tatuapé e estudava o bacharelado em música na Faculdade Alcântara Machado (FAAM). A Tribbu abriu minha percepção das potencialidades dos tambores como instrumentos solo em uma formação convencional no qual fazem um papel terciário, já que as cordas, ou melhor a harmonia, tinha espaço secundário. Contudo, a meu ver, tal pesquisa estética nunca foi muito a fundo no propósito.
Salloma, Edu Schltz, Luis Rosa e João Grande, evento no Largo São José por volta de 1982.

Tendo em vista a atuação de percussionistas de renome internacional como Djalma Correa, Airton Moreira, Repolho e Marçalzinho, acatou-se uma convenção no formato e nos elementos, qual seja, um par ou trio de congas, um bongó e sino de vaca (Cow Bell) ou gonguê e uma mesa de efeitos (apitos, cincerros, carilhoes, caxixís, réco-réco) raramente pandeiro e cuíca e outros tambores de sons médios e graves. Quero dizer que os timbres explorados ficaram em uma região médio aguda, nas congas, timbales, bongos, gongues, caxixis. Raras vezes exploramos os timbres graves, as notas longas, as possibilidades das membranas com fricção. Para se produzir uma sonoridade coesa em termos de banda, sabemos que é necessário um nível técnico elevado, mas sua ausência pode ser compensada por muitos, rigorosos e disciplinados ensaios, ficamos no meio. Havia constantes modificações no time, provavelmente causadas por dificuldades mais variadas, como cachês baixos, poucos locais para shows de bandas com som próprio, falta de um empresário profissionalizado. Após a saída de Artur Tchalekian, passaram pela Tribbu baixista como Cidão, Bob de Souza, Lula Barreto e por fim Gilberto Assis. Ainda em 1988, ingressaram Cida-Saxofone alto, André Urbano- Saxfone Alto e Tenor e Ricardo Dardes Dardes- Trompete (responsável pelos primeiros arranjos escritos) e por fim Mario Checheto . Ainda neste ano entraram também no time Gerson Surya, tecladista negro paulistano, que regressara depois de passar alguns anos em Salvador, onde, segundo seus depoimentos, tinha tocado com Lazzo Matumbe e participado ativamente da cena de Reggae de Bahia. Suriya no entanto foi precedido pela tecladista Kakaia, segunda mulher a participar da Tribbu. Além dos já mencionados, outros músicos passaram pela Tribbu, mas os que ainda guardo memória pessoal ou algum registro escrito são: Mede Parsifal- baterista, Julio Versolatto- trompete, Marcelinho da Dutra- trompete, Cliff Portugal- bateria, Marcelo Tai- teclado e Chulapa- contrabaixo.

É importante frisar a entrada de Ninho, baterista de minha antiga Banda. Ele deixou o trio rítmico mais consistente e metronomicamente preciso. Como se sabe a kaia, diamba, cannabis, altera toda a percepção, inclusive o senso rítmico. Esse era um fenômeno não raro durante os ensaios e apresentações, alvo de tensão constante entre os músicos. Com essa formação, qual seja, João, Salloma, Nobuga, André, Ricardo, Ninho, Gerson, Mariya, Gil, Mário, percorremos as casas noturnas que organizavam festa de quarta a domingo no triangulo compreendido entre Pinheiros, Barra-Funda e Paraíso. O Centro Cultural São Paulo organizou alguns shows através da Rádio-Atividade, coordenado pela jornalista Magali do Prado e multi-média China Ken, ele mais tarde co-produtor de Jay Mahal no Porgrama Reggae Raiz na Brasil 2000 Fm. Essa programações reunia em apresentações coletivas bandas de diferentes tendências, com Walking Lions, Sinsemila, Tc e Banda Zion, Vultos, Peixes do Tiete. Em todos estes casos, o cachê não ultrapassava 40% da bilheteria, numa época de inflação alta e voracidade dos donos de casa noturna, era evidentemente muito difícil sobreviver apenas de apresentações musicais, todos tinham atividades paralelas a música.

Os ensaios eram regularmente realizados no período noturno. Na praça João Mendes, defronte o Fórum e ao lado do Palácio da Justiça, havíamos alugado uma sala, no sótão de um prédio do início do século. Como os ensaios terminavam tarde, logo, tínhamos por afinidade senso de sobrevivência uma boa coletividade com as prostitutas, traficantes, policiais, vendedores ambulantes e bombeiros. O estúdio da Tribbu passou a ser um ponto de referência para bandas que não tinham seus próprios espaços de ensaio, assim começaram a transitar por lá não apenas os parceiros de shows, assim como a negada que via naquele espaço um pólo aglutinador dos amantes da música negra. Lumumba, Luis Wagner, Tc, Músicos da Banda Lá, Dago Miranda, Pacíficos da Ilha, Sensimila, Banda Derepente, ensaiaram ou chegaram para tomar um café. Embora não me lembre da passagem por lá de figuras do reggae como Jay Mahal, certamente me lembro dos irmãos Pedro e Marcelo Mangabeira, seus parceiros. No final dos anos 1980, bons equipamentos e instrumentos musicais eram extremamente caros. As melhores marcas de cabeçotes, captadores, guitarras, guitarras e contrabaixos norte americanos enfrentavam uma burocracia intricada e um sistema alfandegário incerto e o mesmo acontecia com os discos. Por isso quem tinha disco de música negra do caribe e música africana, quase era nunca lançadas aqui, era tratado do deferência. O Guitarrista Carlos Maryia de origem coreana, era um dos poucos a ter discos de musica africana contemporânea como dos grupos Kassabe, Toure Kunda, e artista como Miriam Makeba, Felá Kuti e Manu Dibango.

Nossas sessões de ensaio eram intermediadas por outras de audição. Mais tarde descobri que Mariya que era técnico em informática, consumia boa parte do salário entre instrumentos, equipamento e discos de música africana, importava tudo dos EUA e da França. É provavelmente que isso fosse realizado em meio ao desespero dos pais, ligados a cooperativa agrícola de Cotia. Um parceiro importante nesse contexto foi o Jornalista Otavio Rodrigues. Tinha uma visão ampla sobre cultura musical diaspórica e uma análise otimista da influência do reggae na música brasileira dos anos 1980. Organizou um programa que foi ao ar pela Tv Cultura de São Paulo, no qual apresentava reportagem primorosa sobre política e cultura da Jamaica e do espraiamento do gênero Música Reggae na África, no Brasil e no mundo. Nessa ocasião, nos apresentamos ao vivo no palco do auditório da Tv Cultura, juntamente com as Bandas Reggai Funkai, Pacíficos da Ilha e Sinsemilla. Teatro Mambembe no Paraíso e Aero-Anta eram boas casas de shows, tinham equipamento de áudio e equipe técnicas de som e divulgação bastante profissionalizadas, além de um público garantido e uma programação variada. Em ambos espaços artístico-culturais a Tribbu tocou alternadamente com as Bandas Luni, Skova e a Máfia, Chico César, Grupo Rumo. Posteriormente todos ingressaram em um mercado mais amplo do espetáculo, disco e rádio.

Simbolicamente talvez, o evento mais importante que participamos, naquela ocasião tenha sido o Programa Perdidos na Noite com Carlinhos Trompete. Era o lançamento do Disco Alma Negra, que reunia a nata do soul music brasileiro, entre os quais Toni Bizarro, Carlinhos Trompete, Tony Tornado, Lady Zu e Luis Wagner. Nesse momento e por conta desse e outros poucos eventos se pode falar na conexão entre duas temporalidades diferentes da música negra urbana em São Paulo. Os bailes blacks dos anos 1970 eram realizados na maioria dos casos com musica mecânica, um pick-up ou toca disco comanda por um Dj, mesmo no Rio de Janeiro a conexão entre bandas de soul e bailes soul não se processava com facilidade. A visibilidade de Tim Maia, Jorge Ben, Cassiano, Carlos Dafé e Hyldon tem mais a ver percursos singulares de compositores/cantores desfiliados das principais correntes musicais afinadas com a produção e consumo do disco e entretenimento, do que com um movimento coletivo em busca de uma estética musical negra e cosmopolita, embora este aspecto também exista. A questão nada tem a ver com autenticidade, mas é necessário grafar que em parte a memória do que seria um movimento do gênero Música Soul é sobretudo uma construção posterior, um anacronismo simplório e corriqueiro.

Gravamos em 1988 a trilha sonora dos spots de rádio da campanha da fraternidade da CNBB. Isso foi uma troca por alguma horas de gravação no Studio Verbo Filmes na Chácara Santo Antonio com Zezinho e Jacaré. Este talvez tenha sido nosso único registro sonoro em condições técnicas razoáveis. Poucos ensaios, muitos erros e excesso de reverb, mas faz parte da História e deu início a uma parceria que se transformou em outros registro como disco ( Lp) Negros Africamos, no qual Jansem Rafael, meu irmão falecido em 2004, interpretou Rei Congo, Rei Cego, Rei Negro. Canção minha em pareceria com Satranga de Lima ( Ourival Carolino, hoje morando na França) com a arranjos do Grupo Fé. No Estúdio Verbo Filmes gravei ainda Vândalos de Chocolate e The Pênis S.A. no começo dos anos 1990. Fora uma ou outra apresentação esporádica nas festas estudantis em remotas cidades nas fronteiras de Minas e São Paulo, não fomos muito além do circuito paulistano em termos geográficos. Eventos para pequenos públicos, exceto no ultimo comício de Erundina na Praça da Sé, quando candidata a prefeita da Cidade de São Paulo. Outra exceção ocasional foi a participação em um festival de Reggae no Projeto SP, localizado na Barra Funda. Era uma da grandes salas de SP, com capacidade de abrigar um evento com bandas de projeção internacional , não era o caso, mas certamente se aplicava ao Duhesmo Syndicate. Houve um dado momento em 1989, em que a Tribbu abriu mão de um som fundamentado na percussão, para produzir uma sonoridade dançante, melodias mais pop, arranjos menos intrincados. Os arranjos de Gil Assis ajudaram aparar as arestas de harmonia e tornar as canções mais coesas e amarradas no contexto do repertório. Contudo. Dessa época não há registro de gravação em Estúdio, mas sim de apresentações ao vivo e outra aparição na Tv Cultura, na qual executamos cinco canções em programa comandado por Kid Vinil, cujo nome era Matéria Prima.

A Banda Tribbu, antes mesmo que a idéia e discurso da diversidade étnica e cultural tivesse obtido adeptos, já tinha entre seus membros um exemplo prático. Descendentes de africanos, armênios, coreanos, japoneses, italianos e portugueses. A Banda era composta de gente ex-favelada como eu Anu, João e nossos amigos, filhos da gente branca classe média paulistana, formal e musicalmente educada em conservatórios da cidade. Formações musicais diversas e um vivo interesse pela cultura musical de origem africana, isso é o que tínhamos em comum. Era o que nos movia. A sociabilidade construída em torno da música, fazia com que saíssemos de pontos diferentes da sociedade e da cidade e nos colocava em contato de quatro a cinco dias por semana. Os ensaios que duravam 4 horas em média, depois tinha café nos botecos próximos, visitas de outros músicos, espiadas ocasionais de bêbados, curiosos, pesquisadores, fotógrafos e jornalistas sem pauta. Ocasionalmente as sessões de improvisos (jams) com a participação de músicos atravessavam a noite, a não ser quando uma viatura da policia civil parasse na porta do prédio. Os ensaios eram geralmente precedidos de sessões de improvisação, momento aquecimento, que permitia um diálogo livre entre os músicos, algumas canções surgiam desses improvisos. Iniciava-se com um grooving de contrabaixo e o seqüência de acordes de guitarra, seqüência executada a tomar um forma e definir uma tonalidade que poderia ser alterara por sugestão não declarada dos instrumentas, dependia bastante do estado de ânimo de cada ensaio, mas era um momento prazeroso que aos poucos tornava visível (melhor seria, audível ) as qualidades técnicas e nuances, mas também mostrava os limites, vícios e redundâncias individuais. Este aspecto um pouco chato de observador sonoro por vezes podia descambar para rotulação e se traduzir em preconceitos em relação a determinados fraseados, ostinatos, seqüências melódicas, levadas de bateria etc. Eu, que desde a minha chegada a São Paulo, sempre morei na periferia, tinha medo e encanto pela área central da cidade, aprendi a desvendá-la nessa ocasião. Por volta de 1992 quando a Tribbu se diluiu já transitava com desenvoltura pelo Vale do Anhangabaú, Bexiga, Liberdade, Santa Cecília, República, Paulista a qualquer hora, do dia ou da noite. Pode parecer romantismo bizarro, mas ainda assim vale o relato.

Alguns garotos neo-facistas não tinham onde ensaiar e vez por outra eram obrigados botar o rabo entre as pernas e alugar o estúdio da Tribbu. Quero dizer que deveria ser para ele uma situação de abominável humilhação, ter que pagar (a um negro imprestável) aluguel de um estúdio mixo e deplorável para ter algumas horas de ensaio e criação militante. Me lembro de um deles, um garoto obeso com sotaque macarrônico, me parecia mais cômico e caricato, engraçado mesmo, a despeito do que pretendia não conseguia parecer realmente ameaçador. Procurou-me porque pretendia que produzir uma fita-demo de sua banda e me convidou ir a sua casa na região do Belém. Não me recordo dos detalhes, mas de um sobrado antigo e roto, uma sala modesta com poucos moveis e em uma das paredes a fotografia de Mussolini de um lado, fizera questão de detalhar com os olhos marejados o outro velhinho era seu avó italiano já falecido. Me explicou que o avó chegou jovem ao Brasil nos anos 20, mas se na Itália estivesse nos anos de revolução, teria sido um herói do Dulce. Ele herdou do amável vovó um uniforme dos integralistas brasileiros, com o qual gostava de cantar. Me segredou que “havia um força inexplicável naquela roupa verde”. A música seria a forma ideal, nos novos tempos, para propagar as idéias revolucionárias que defendia. Discursou longamente sobre importância da separação das raças, sobre o público que consumiria seu trabalho, sobre seu sentimento de pertencimento a “Grande e Vitoriosa Itália”. O projeto da fita-demo não se concretizou e hoje nem sequer me recordo seu nome. Havia uma inconsistência sadia nas ideologias político-estéticas que nos seduziam naquela época. Os jovens adeptos dos preceitos Rasta, talvez por falta de alternativa, também se viam obrigados a conviver conosco, digo com as Bandas de musica negra que tocavam música negra com elementos de Reggae, sem transformá-lo em emblema ou preceito religiosos.

Eu, como ascendi a condição de band leader da Tribbu, como porta voz era ocasionalmente criticado por minha postura cética em relação a entrada da cultura rastafari em São Paulo. Um jornalista chamado Jotabe Medeiros, ao perceber esta tensão, grafou uma nota na sua matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, segundo a qual eu e Clelington líder da Banda Wilking Lions, seriamos inimigos mortais, isso rendeu muito pano pra manga e pouca música. Em 1990 formulei um pré-projeto que propunha a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo a ocupação dos teatros de bairros pelas bandas, que aquela altura se organizavam em torno da idéia genérica de musicalidades negras. Além das bandas citadas, havia também o Grupo Afro-Ori-Axé recém criado pelo percussionista Lumumba e os grupos Salada Mista, Dzara Banda, Banda Nem, Carlos Coelho e Banda Lua de Néon, entre muito outros. O projeto foi viabilizado em condições que até então não havíamos tido, como cachê fixo, equipamento de som, iluminação, divulgação, enfim começava a se configurar nessa época uma perspectiva de profissionalização musical. O evento de encerramento do projeto foi realizado auditório do Masp com participação de Itamar Assumpção e Banda, no entanto, A Tribbu, minha própria banda Tribbu ficou fora. O processo de seleção para essa, como as demais etapas consistiu em sorteio, e nós não tivemos a sorte. Isso não era tranqüilo, nem compreensível para meus os parceiros de banda e de movimento. Um adicional nisso era imperdoável, a banda sorteada para tocar ao lado do ídolo Itamar, era composta somente de garotos brancos, fazendo música de preto. Em função disso fui quase proscrito. O “Movimento Negra Música” acabou ali, a Tribbu ainda suspirava sofregamente. O projeto da Banda Tribbu somente parou de respirar, quando fechei a porta e entreguei minha copia de chave ao porteiro do Prédio da Praça João Mendes.

Ainda tem mais, mas paro por aqui......