Aurora negra: batuques e cantos de força, fé e diminutas folias.
Novo Cd de Salloma Sallomão- Na caldeira da feitura.
Como escolher um repertório? Como definir um tema? Como estabelecer um mote geral pra um Cd? Como chegar a um conceito pra trabalhar as canções, de forma a manter alguma coerência entre poética, arranjos, timbres, tecidos e ambientes sonoros-musicais. Como aliar isso tudo às imagens e materias da "bolacha", encarte, capa e contra-capa, etc? Como levar tudo isso em conta e ainda ter espaço para uma criação livre?
Parte do quinteto Abanã. Gravação do arranjo de Benedito de Aruanda, de Di Ganzá.
Como fazer e comunicar música, sem nenhuma estrutura empresarial por detrás? E a arte de fato é um exercício de liberdade individual e coletiva?
A música me ajuda a entender um pouco o mundo e a mim.
Desde 1998 as máquinas e programas de computadores, têm sido ferramentas criativa e artesanalmente utilizadas, para criar e comunicar cultura musical. Isso é, muito mais que fazer música.
Parte do quinteto Abanã. Gravação do arranjo de Benedito de Aruanda, de Di Ganzá.
Como fazer e comunicar música, sem nenhuma estrutura empresarial por detrás? E a arte de fato é um exercício de liberdade individual e coletiva?
A música me ajuda a entender um pouco o mundo e a mim.
Desde 1998 as máquinas e programas de computadores, têm sido ferramentas criativa e artesanalmente utilizadas, para criar e comunicar cultura musical. Isso é, muito mais que fazer música.
Mocambo Digital- Construindo o ambiente de gravação. Salloma e Benedito Rosa, parceiro e amigo muito querido, assessor técnico para assunto de eletricidade e outras questões. 2010- By Antonio Braga.
Vou contar. Quer ler? Então vem.....
Por caminhos insondáveis NZambi nos trouxe as artes digitais, para alimentar sonhos sonoros que há muito estavam adormecidos, apenas alguns entenderam isso, menos ainda tiveram acesso as tais maquinas sonoras. No Mocambo Digital e à sombra da velha araucária celebramos os dias idos e os que estão por vir. Por vaidade ou política pequena, nos desencontramos muitos neste dias recentemente passados, mas havemos de chorar em demasia por isso, não temos tempo. Somos convocados a tecer os fios melodicos e as tramas rítmicas do kronos futuro. O mundo está rodando sempre. Eita mundão de NZambi.
Luciane Ramos Silva- By Sheila Signário
A gente vai tão longe para buscar alguma coisa, sem saber o que. A gente mexe com tanto segredo tolo, fuça nas coisas do mundo, procura, procura e nada. Um belo dia, num tropicão qualquer, aquela coisa procurada, sempre teve ali. Uma velha imagem de São Bendito. Milagrosamente os mistérios se desmancham em compressão assustada, num desvelamento arrebatador. Um amigo meu cético, roqueiro e ateu foi curado de um danada de uma dor de cabeça insuportável. Médico nenhum, remédios todos, o corpo laboratório do consumo insano. Quando nada mais cria, apenas um olhar daquele que alimentou, guardou e zelou pelos algozes. Sanctus Panis, Benedictus Aethiopicus. Escravo sublime? Gilroy é muito mais cristão e freudiano que eu. Mas me confessa se essa imagem mística do perdão, é ou não maravilinda? Agora que eu sinto, compreendo.
Guilherme Prado- by Sheila Signario
" O asfalto tem cheiro de sangue rural,
A dose é brutal negligência,
as vezes me descubro na cidade só não tenho alma
Não tenho arma, não tenho dó de ninguém.
A noite o carcereiro me fornece a chave
Percorro essa tormenta registrando tudo
Cenas sem nexo, ruas sem sexo
Gritos de amor e beijos de ódio e de dor.
O desespero e a paixão tem origem no mesmo verbo
O medo e a escuridão e a vida esvaindo,
escorrendo pelos cantos da boca"
"Jogos de rua" by Salloma Salomão- Vandalos de chocolate-1999. Aruanda Mundi-00035.
Mesmo tendo perdido parte significativa da virilidade macha, é verdade que adoro rasgar a cidade, correndo os perigos próprios aos semi-cidadãos, Exus e Príapos de pistolas quentes em punho, sem gozo, somente pólvora e chumbo. " Eu que sempre fui de paz, também tenho que apertar as mãos de homens sujos de sangue. Eles deidades e nós somos apenas homens com medo da morte. A trilha pra isso somente pode ser e é Hendrix, Brown, Racionais, Tim Maia, Cassia Eller, Criolo, EMICIDA, Jorge Ben Jor, Belchior ( Coração selvagem). É foda, é crime e medo demais, é tudo pesado e sem remorso. Quem como eu vê essa cidade amanhecer, não pode entender como ela pode ser tão dividida de si e de mim. Ela é tão voraz.
lembro-me sempre da "Bebel que cidade comeu". Meu Deus é um padre Loyola, romancista e escritor. Minha irmã se fez Bebel Nepomuceno. Negra de fibra, pôs a filha negra no mundo e chamou-lhe guerrilheira, Aminata. Ela também entra nos meus sonhos e atravessa para os sonhos da Ana Raquel, ela pede socorro do alto do apartamento, ela está só e em perigo e, nós também.
Foi meu pai, e hoje sou eu quem faz essa cidade e ela me estranha, quase nunca ela é minha, me expulsa e mata um pouco lentamente, me asfixiando. Vivo nos arrebaldes, "aqui periferia", Peri aqui preferiria morrer e morreria na beira do Pinheiros (no entrocamento do antigo Quilombo da Traição), morreria Peri-Peri asfixiado? Aqui ninguém é herói. Crioulo cantando diz: "Aqui ninguém vai pro céu". Outras vezes quero fugir pro campo, não uma casa de campo na cantareira ( Zé Rodrix, Renato e Elis talvez,). Mas eu um lobo guará, banguela e domestico, revirando os lixos nos terrenos baldios. "Queria querer-te amar amor" mas construímos uma doce prisão. Algum tempo para me aperceber de uma planta a crescer e ver as crianças brincando sem medo de bala de chumbo, não de goma. As vezes é isso eu quero e consigo, mesmo ingênuo, busco algo que se aproxime dos sons da infância. Memória?
Outras feitas, tô nessa, só penso nos pios de saracura, cantigas de grilo, coaxos de brejo e mansidão. Barulhos raros de carro e de caminhões cheios de lavradores ou de cana queimada. A maquina tosca FeNeMe vai manquitola na estrada de terra no rumo da Usina Açucareira. São quase todos pretos, os que não são hão de ficar no fim da tarde de tanta fuligem. Serão iguais?
Carlos Caçapava e Giovani de Ganzá. By Sheila Signário
Música minha, dos outros, roubadas de rabecas, mpuitas, violas de bambu. Música minha, dos outros em mim, tissungos roubados do ladrão letrado do Aires da Mata. É sobre eles que montamos samplers, rifs chupados, células e timbres recolados no CUBASE, SAMPLITUDE e no LOGIC AUDIO.
Na maioria das vezes só me contento com timbres de tambores médios, com batuques de pandeiros ralos, sons de tampinhas e gungas feitas de latas de tomate. Outras horas, eu fico buscando a delicadeza dos ritmos bem lentos e do sossego aparente dos remansos sertanejos, cantados em terças justas, aumentadas alegrias. São notas longas e graves, sons do universo, tempo longo da morte.
Família da Rainha do Congo-By Salloma 2006
Vou confessar: Sou matuto camuflado em reza urbana. Nasci na beira da Serra da Canastra, perto das nascentes dos Rio Grande e São francisco, antiga comarca de Piunhi. Onde muitos pretos foram santificados em troncos, que inda hoje gemem e nem sempre é bom lembrar. Por vezes olhar a vida do cume de uma serra, por mais baixo que se seja, planta na gente um sentido de imensidão e de desafio, que nos arremessa mundo afora. Primeiro São Sebastião do Paraíso ( santo todo ambíguo, seminu e delicadamente crivado de flecha, ) na entrada da cidade. Depois Poços de Caldas, Monte Santo, Itaú, Santa Rita de Cassia, Alpinópolis, Piunhi, Pratápolis, Ribeirão, Batatais, Brodoswki, Salvador, Lumiar, etc. Com quantas usinas se faz uma cidade. Quantos corpos pra moer cana, quanta garapa e sangue, desperdício de gentes.
Luciane Ramos e Flávia Mazal- Princesinha do Congo.
Aquele nariz das Gerais, descambou pro triângulo, caminho de tropa. Um velha senhora de face dura, narina adunca. As matas e a geografia das Gerais foram cortadas por picadas, comboios e caminhos frescos, somente mais tarde veio o trem de ferro, todo soberano e subiu os morros. Tudo que era maxambomba virou trem. Os canjeiranos lá, foram desalojados, mortos e domados com cruz de ferro. Os poucos que ficaram, foram confinados em um bairro que leva seu nome. Aleluia meu Bom Jesus dos Passos. Passos de dança do Moçambique, das Quimbandas mineiras, nos ritos secretos dos Congados. Tudo isso é reversão, não fosse isso, era lamento do Milton e meu.
Giovani de Ganzá- By Sheila Signário
Nunca esperei pelo glamour das páginas de Guimarães e Drumões. Apenas algumas letras dos Mello e Souza esbarram em resquícios de ouro, escravaria e fazenda nas bandas de lá. Quilombagem nem notícia. O ouro não vem do céu, mas basta seguir a estrela que cair. Ninguém meu nunquinha achou nadica, tudo já havia sido "arrancado do chão por mãos de outros crioulos".
Antes da conversão a Rosa Cruz, meu irmão Jansem firmou pontos de pretos velhos na juventude. Ele depois foi ao Radio Clube de Passos se defender. Enquanto isso o outro chamado Abrão, que morreu bem moço, riscou o "5 salomão" no chão do quarto e traçou meu destino de moleque andarilho, de amante de olhos faiscados de toda cor e poemas e quadras rascunhadas em papel de pão com urgência. Abrão chamava minha mulher Ana, de Úrsula, somente depois de ler o romance homônimo de Maria Fermina dos Reis, compreendi e agradeci sutil gentileza.
Moçambique de São Benedito- Antigo terno comandado por Seu Feliciano- By Salloma-2006
Abrão. Foi ele quem se casou com princesinha do Congo. Gasparina era filha mais bela do temido Dito Baianinho, congadeiro e capoeira dos bons. Baianinho? Dizem que tinha sido jagunço de um certo coronel, longe dali, no Recôncavo. Não dá para saber. Quem viu aquele homem negro de porte médio a dançar, seria incapaz de lhe imaginar tal atividade, de lhe imputar tal juízo. Dançarinos também matam. Os assassinos é que não podem cantar, a voz do canto neles seca. Não se engane não seu moço, as roças das Gerais eram ainda há pouco, terra de gente braba mesmo. Gente grande e covarde. Depois da abolição muito fazendeiro seguiu jagunçando preto e mandando enterrar no quintal do casarão. Até a república lá foi imposta à bala. Mas onde ela não foi? Somente os brabo e forte, os divinos e abençoados sobrevivem pra contar e ver o tempo se desdobrar em causo, lenda e desventura. E o esquecimento? Os nobres e ricos ainda hoje pagam pra viver e mandar os filhos pra Coimbra? Não mais, agora se formam ali, Ber Zonte, Valadares, Ouro Preto. Ouro Preto? Tá me mangando? Acha que eu sou besta. De carga e canga, já fui. Hoje ponho tudo isso na música.
Moçambique de São Benedito- Antigo terno comandado por Seu Feliciano- Igreja da Penha- By Salloma-2006
Eu não queria mais ser só um menino, quando numa certa tarde de sábado, me atraiu o xeque-xe-xeque das Ngungas. Dos chocalhos de canela de pretos de saia. Quem me mostrou na quartinha, nos fundos da casa, os tambores sagrados, foi o próprio Feliciano. Era ele um Tximbanda que sobreviveu ao massacre cristiano. Foi lá onde eu vi e toquei as Ngomas que nunca saiam. Benditos tambores, senhores maleditos, queimadores de ngoma e gente. Proverbio em cantiga de Congo é troça e revanche. Eu paro aqui, depois continuo.
Revendo a única obra dramatúrgica do escritor negro-brasileiro Lima Barreto: Proposta de re-escrita teatral de Marcio Castro e Salloma Sallomão
REPORTAGEM:
Leitura pública da primeira versão do texto OS NEGROS- UMA LACUNA,
Com participação com de Felipe Rossi e Ana Paula Risos integrantes do Coletivo Negro , Núcleo Zona Autônoma, Clariô, Capulanas.
By Ana Raquel Rodrigues- Talita Araujo, Ana Paula Santos Risos, Paulo C., Jé Oliveira, Marcio Castro, Naruna Costa, Aysha Nascimento, Salloma Sallomão e Felipe Rossi.
Em seguida , Pocket Show com Salloma Sallomão e Convidados, pré-lançamento de NOVO CD- Amanhecer de força, fé e diminutas folias. Felipe Rossi Violão e Viola, Guilherme Prado Violão e Carlos Caçapava - Percussão.... Dançarinas Convidadas Luiciane Ramos Silva e Flávia Mazal.
Mocambo Digital- Salloma e Marcelo Mutanen Tai. Velhos parceiros de fazeção de música. No Mocambo Digital- By Ana Raquel Rodrigues da Silva. 2012.
Aos poucos vamos embora. Depois é que compreendemos que estamos em algum ponto perdido de uma trama temporal. Por mais inventivos que sejamos, estamos suportados em tradições musicais, onde toda cultura musical do século XX se concentra. Esta, por sua vez tem linhas de desenvolvimento ( também involução) muitas vezes conflitantes. Embora a difusão desigual de música tenha imposto padrões similares em todos as aldeias do globo, o sistema mundial de produção e comercialização de música não conseguiu homogeneizar os saberes e fazeres musicais, de maneira tão universal quanto se pensa. Bendita mídia sonora, disco de grafite, carvão, vinil, plástico com película matizável. Lente de infra vermelho.
Jansem Rafael da Silva- Negro Jansi- Professor de Geografia na Rede Pública, Alafaite, Compositor, Cantor de festivais interioanos. Meu mano falecido em 2004. ( não tenho informação de autoria , nem da bela moça ao sue lado) Creio que o ano é 1970. A canção defendida nesse ano foi " lamento ao meu morro", que consta do meu Cd de 2002 " Memórias Sonoras da Noite".
Mocambo Digital- Eduardo Schultz- Guitarrista, Design e Produtor Gráfico- amigo e parceiro desde os tempos do NACORDA BANDA início da década de 1980. by Salloma 2012
Há esse fato inconteste do século XX, que é o que chamamos vulgarmente de Indústria Cultural e que colocou sobre a música todo peso da transformações tecnológicas do ocidente capitalista. Afinal, qual foi o real impacto do mundo do espetáculo, dos sistemas de fonogravação e veiculação musical do rádio, do cinema, da TV e da internet sobre as culturas musicais dos diversos povos e culturas do planeta?
Mocambo digital- Rabbi Batuqueiro-Percussinista do UMOJA e ÉdeSanto. Chegando junto, gravando "Pipoca contemporânea". by Salloma 2012
FANDANGO
Salloma- AM-00032
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