SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Red Carpet Highlights | Todos os mortos | Berlinale 2020

Berlim. Nunca estou sozinho.


Nunca estou sozinho.
   
Tenho minha companheira e uma amiga. Não vou contar para elas, mas ouço baixinho em meu ouvido interno William DuBois recitando em voz suave um poema seu na entrada do trem para Alexanderplatz. Os mendigos, os bêbados, os pedintes são brancos. Na rua ninguém muda de calçada quando eu passo. É bom, mas estranho. No comércio os guardas não me seguem entre as gondolas como em Lisbon, Cascais, Évora e Conimbriga. Eu relaxo, mas pago em euro.


   
Antes de sairmos na rua, uma cozinha-sala, quarto de frente para rua, outro para pátio interno com bicicletas, uma dispensa grande, as paredes de estuque sem concreto. No banheiro com banheira há uma estranha janela. As madeiras do piso rangem mais durante a noite. No corredor ao ver nas paredes as reproduções de ninfas dançantes, penso: República de Weimar? Os garotos do jazz? Turnê da Josephine Baker aqui em 1936? Não há piscina no pátio interno, nem água azul de amaralina, nem coqueiros. Um prédio de quatro andares, são quatro lances de escadas sem elevador, nem espaço para carros. As portas altas de pinho de riga.


Todas as lições de germanismo da escola superior católica que frequentei fazem sentido. Não tenho mais dó de Walter Benjamin, nem oro mais sobre textos canabísticos-sagrados de Sergio Buarque.
Vou as lojas lá perto, também quero comparar os preços das coisas de usos cotidiano, sabonete, café, açúcar. De onde virá o açúcar de cana consumido em Berlim? E a aquelas bananas tão tristes em que navio trafegaram até aqui? Tal como ela, eu pretendo comparar  vários sapatos para inverno. Não por vaidade simplória ou consumismo infante, mas meu pé encharcado e frio doí, a ponta do meu nariz molhado dói, meus lábios ressecam e racham.


As cidades modernas adoram seus marco-zeros, algo sobre a cidade e resto do mundo. Praça da Sé é um marco sobre a expansão colonial portuguesa a partir da São Paulo de Piratininga. Berlim para sempre estará em conexão com a Namíbia, por mais se se apaguem os fios.
Ônibus, metro, uber, taxi. Comida, olhares, falares da Turkia. Estamos na rua do Hermann. Leiamos apenas Sidartha no meio de uma roça de cana nas gerais escravagista. Encontrei o pai do chico meio acanhando com a recente descoberta do filho bastardo alemão e comprei Die Wurzeln Brasiliens (Frankfurt-am-Mein, Suhrkamp Verlag, 1995). Jamais vou ler. O brasil ainda é o maior páteo industrial alemão do mundo.

Sobre o festival. A tal autenticidade alemã tão alegada até 1945, agora é pura tolice. O lado bom, é que junto com o tapete vermelho e champanhe exclusiva, as salas vips, os carros de luxo e protocolos tem no ar uma necessidade de oxigênio e as alteridades várias podem ao menos serem projetadas nas telas.  Efetivamente não há nenhum tipo de transferência de tecnologia ou horizontalidade, mas uma promessa de divisão equânime da representação fílmica. Um devir criativo do mundo.  


Na vila Santa Catarina um jovem chamado Rainer, que morava nos Sobrados, jogava bola conosco no campinho de terra.  Periferia de São Paulo, na infância ganhamos um cachorro, de uma família alemã de Rainer, quando voltaram ao seu país. Eles nos recomendaram utilizar e ensinaram algumas frases em língua alemã com o cão para acalmá-lo. Penso no Rainer, cuja imagem não consigo me lembrar, então sempre me vem o rosto de José Fernando, meu melhor amigo da infância.


Entramos no metro com nossos bilhetes comprado. Não há catracas e nem guardas de pitubulls cinzentos na espreita. Somente câmeras discretas?  Mas um incidente me deixa intrigado. Um rapaz é colocado a força para fora do trem por dois paisanos e eles gritam e gesticulam.  Os paisanos usavam um tipo de maquininha parecida com aquelas de remarcar preço de produtos em supermercados na era Sarney.

O mundo que dividimos e habitamos é o exatamente o mesmo. O que muda nas latitudes e longitudes? De verdade é o frio e topografia. As vezes os morros são mais altos e os prédios baixos.  Bicicletas e patinetes. Urbanidade plástica e desumanidade sólida. Então, o que foi buscar André Rebouças na Alemanha pré Bismarck? É isso que gostaria de saber e talvez um dia assistir no nosso cinema ou simena.
Mesmo quando nascemos numa cidade, por menor que seja, é praticamente impossível conhecer bem as experiências  de suas suas, imagine então o interior de suas casas. 


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Garoto - Texto de Victor Nóvoa








 Formado em 2006 como ator pela ECA/ USP e mestrando em artes cênicas pela UNESP. Desde 2011 trabalha   n’A Digna como dramaturgo e produtor. Seus textos foram montados por diretores de destaque da cena   nacional: Aysha Nascimento, Carla Candiotto, Domingos Montagner, Eliana Monteiro, Luis Fernando Marques   (Lubi), Kiko Marques, Paulo Fabiano, Rogério Tarifa, Verônica Veloso  e etc. Em 2012, ganhou o concurso   Dramaturgias Urgentes do Centro Cultural Banco do Brasil. Publicou três textos teatrais, Estilhaços de janela   fervem no céu da minha boca (2019) Condomínio Nova Era (2014) e Verniz náutico para tufos de cabelo (2016),   sendo que por esse último texto recebeu o V Prêmio Aplauso Brasil de melhor dramaturgia. Atualmente é   coordenador de artes cênicas da Universidade Nove de julho e desenvolve cursos de formação em dramaturgia   por todo o Brasil.



GAROTO
TEXTO: Victor Nóvoa

Pra ele é Páscoa
Pega a caixa
Bombons Garoto

É garoto
Quer todos
Corre abrindo
Esconde comendo

Foge garoto
O segurança vai amarrar
O dono da loja vai arrancar
Os vizinhos vão linchar
O caminhão do lixo vai engolir
                    
Vira à direita na rua principal
Come uma Opereta
Entra disparado no túnel
Devora uma Serenata
Tropeça no largo
Abre um Caribe
Sobe o viaduto
O homem sempre atrás.
E o garoto?
Rindo
Correndo
Comendo
Pra ele é páscoa

Gaetaninho gostava do Serenata do Amor; Luis Carlos Ruas, o índio, gostava do Opereta; menino João Vitor gostava do Surreal Amendoim; Aylan Kurdi gostava do Caribe, Kauan Peixoto gostava do baton; o menino de uniforme da escola, Marcus Vinícius, da Maré, gostava do It Coco. E você? Qual você quer na sua mesa?                   
E você, menino?
Que fios correm pelas tuas ruas?
No Bom Prato teu Homem do Saco toma energético com fluoxetina
No Catavento teu Bicho Papão prefere pedra com sertralina
No Mercadão a tua Loira do Banheiro vai de injetável de paroxetina
E você, menino?
Onde estão teus fios de lua?
                                
O homem grita
Pega! Ele pegou a caixa
Os homens gritam
Pega ele!  Pegou a caixa.
Outra rua se foi
No pé liso do garoto
        
Bate de chapa no caminhão do lixo
E teus fios de lua, menino? E teus bombons? E o garoto?
Espalhados pela baixada do Glicério
Abaixo dos carros, acima dos rios
Amassou o bonde. Amassou o caminhão. Vai custar caro.
                    
Teus olhos, fios de lua
Cobertos de caixas de pizza, amaciantes, garrafas de vidro,
Feijão azedo, resto de domingo, resto de segunda.
Sempre é páscoa pra ele
Não ressuscitou

 Quantas amputações ocorrem por essas vias? Ele corre pela cidade inteira. Seus fios de lua      percorrem todo nosso sangue. Já não é mais um corpo só, talvez nunca foi, é nervo ardendo a céu aberto. Tem algo a dizer ao Garoto? Ele tem algo a dizer. Ouça. Ouçam.
    Agora que morri, avise aos amigos, quero ficar na pele dos outros de São Paulo. Vê aquela menina de azul que trabalha no caixa do Torra-Torra, dá meu coração pra ela. Precisa de dois, quando o dela cansar de tanta batida abafada sem ninguém pra escutar, é só ela assoprar a poeira do meu e usar. Meu coração conhece a surdez do mundo. Meus pés, dê pra aquele menino que vende pano de chão alvejado. Esses pés conhecem todas as dobras das ruas daqui, são rápidos, assim ele poderá escapar da polícia mais fácil. Tá vendo aquele policial cheio de gravidade? Chegue de manso e assopre no ouvido dele: “Aquele garoto lhe ofereceu as mãos”. Ele vai brigar dizendo que as dele são mais fortes. Aí diga firme: “Não, essas são para você usar quando tirar esse uniforme cinza”. Meus olhos, deixe no pico do Jaraguá. Talvez eles passem frio, mas a vida é assim. Quero eles lá, não pra “futucá” vida alheia, mas pra saber triste e risonho o que estão fazendo com a minha cidade. Minha boca, entregue a todos os jovens. Quero e preciso beijar. Olhe aquele menino atrás do balcão, ele se divide em quatro, serve café lavando louça, finge que sorri para os clientes pegando a ficha e buscando no estoque mais leite, que já acabou. Que nome terá esse ofício de ficar dez horas em pé a distribuir cafés e fichas com um sorriso triste? Entregue a ele meu pulmão. Precisa de fôlego, esse sim precisa de fôlego. As tripas, entregue ao atual prefeito, mas tem que ser em cima da mesa dele em dia de coletiva de imprensa. A vocês, entrego minhas últimas perguntas: e se pudéssemos com um único gesto romper toda a muralha que exclui o outro? Que gesto você faria?