SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

NGuma: A lente lenta de leo

A cidade segue um batimento frenético e desumano, o coração de Guma segue o rítmo do disparador mecãnico de sua câmera. A cidade é mecânica e  a lente de guma é lenta, mas bem mais dinâmica. O jornalismo convencional não se demora, vive como abutre, busca tudo que cheira longe suposta novidade de logo rapidamente abandona. Guma demora no detalhe até soltar o dedo do gatilho. Espera e escolhe minucioso, mesmo aquelas coisas que seu olhar ja conhece. Sua lente é lenta, demorada e segura. Diferente é da sua figura humana, que fala pouco, olha pra gente com respeito de menino capoeira, dadivoso com os mais velhos,  sempre com as rugas e rusgas dos mestres periféricos como eu.  Privilégio nosso sermos capturados pelo seu amor em forma de arte.


MBanzo do Futuro. Com Carlos Cacapava, Dinho, Rogerio, Rafael e Rodrigo Star.
Com Auxílio Luxuoso de CIA Capulanas de Arte Negra.

Léo Guma Guma percorre a zona sul em busca do melhor ângulo para os corpos dos vivos. Mas não se ne nega a entender a imobilidade, a inércia ou a morte. Constrói uma narrativa imagética invertendo a lente da metrópole, quando ela nos nega uma perspectiva positiva sobre os afros, os pobres brancos dos pés sujos e mestiços da beira. Seu olhar nos enche de uma alegria que muitas vezes encenamos em desejos. Uma felicidade cortante que fluí de nós em lampejos.













































Comemorando 30 anos de musicalidade e negritude, o compositor e historiadore afro-mineiro, apresenta o show "Mbanzo do Futuro". Dialogando com o público, Salloma Salomão mostra as canções autorais gravadas em trabalhos anteriores e, partindo das memórias, deixa refletir suas pesquisas sobre as matrizes africanas da música brasileira. As misturas sonoras que propõem são geradas por experiências inacabadas de processos de descobertas estéticas, políticas e (in) traduções culturais. Grátis

Endereço: Rua Bom Pastor, 822 - Ipiranga São Paulo - SP, 04203-000 -
Maiores informações: (0xx)11 3340-2000

Kelly <kelly@ipiranga.sescsp.org.br>

Oi Salloma. Fiquei muito contente com seu contato. Fico feliz que esteja bem, com toda energia!!

31/08/2010


para mim

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Memória crítica da educação racista no Brasil da Ditadura.

Parte1

O racismo mais eficaz é aquele aprendido na escola.




Com mano João no colo, aproximadamente 1964.


..
  

Memórias pessoais.
 Colégio Estadual Osvaldo Aranha . É algo muito emocionante entrar nesse lugar onde passei vários anos da minha vida. Conversar com professorxs e alunxs. Poder olhar para alguns pontos tão familiares desse prédio público onde vi morte e música e aprendi rudimentos da cultura ocidental na escrita-leitura e nas visões de mundo.

 Regime de representação imagética da negação. EE Redicino de Oliveira Lara. Mesmo tendo sido Promovido a escola de SP comunicou ao meus pais que me recolocaria na mesma série que havia estudado no ano anterior  em Minas Gerais, onde supostamente o ensino era "mais fraco". Assim acompanharia "melhor" o desempenho dos demais amiguinhos. Minha primeira experiência de punição em forma de premio, para minha proteção.

Como é uma memória afetiva profunda quase não há lugar para revelar contradições. Tinha muitos amigos, mas quando quis namorar a menina média e branca, sua mãe reagiu duramente. Não foi "descoberta do frio", mas ali a barreira abstrata se materializou. Mas isso era nada, se comparado ao fato de que apenas jovens negros escolhidos a dedo passavam pelo filtro racial da direção escolar. Ainda assim o negros "melhores" e mais facilmente assimilados, não por acaso, eram aqueles tidos como bons esportistas.   





Acho compreensível, mas imperdoável meus melhores amigos daquela época, hoje sustentarem que nunca viram racismo por lá. Certamente é porque provavelmente também nunca nos viram como éramos, negros numa paisagem de exclusividade branca Se nós vissem 5 ou 6 negros entre quase mil brancos, sua sensibilidade, senão sua criticidade, teria captado algum erro.

Foi bom constatar que é hoje um lugar mais democrático e étnicamente mais diverso. Ver meu amigo Paulo Estevam fazer chamada de 56 alunos em sala, me deixou a certeza de que essa política educacional do PSDB precarizou enormemente o ensino público no estado de SP. Observar o estado lastimável de quase todas as dependências da escola também corrobora a tese de Eduardo Januário sobre as retirada progressiva dos investimentos em educação na mesma proporção do encarceramento e da violência das forças de segurança, cada dia mais letais. 





Entretanto a vivacidade e interesse dessa juventude ainda me surpreende, uma vez que são tão diversamente desestimulados a ver na escola um espaço significativo e a ter o mais profundo desprezo pela atividade professoral e pela escola como um todo. Por mais de uma hora falei e ouvi sobre as possiblidades e impedimentos da escola como espaço criativo. 
Li poesias nos olhos sedentos por uma vida mais tesuda. Almocei com professores e ainda pude localizar em alguns discursos recorrentes sobre a origem social dos alunos, eufemismos carregados de preconceitos sociais e raciais. Nesse almoço pudemos ainda sorver da presença fundamental da e pesquisadora master puc-quilombola Silvane Silva.




De tarde participei de uma aula desse parceiro admirável professor mestre Paulo Estevam. Fazer a diferença não é enfiar discurso de empreendedorismo goela abaixo de adolescentes pobres, tornando os responsáveis pela dificuldades sociais inerentes a sua classe-raça, mas mostrar com todas letras o nível de desigualdade e injustiças que os tornam repasto da polícia e do subemprego. Só tenho a agradecer .





A Escola Pública que estudei era elitista e racista pra caramba (uns 5 ou 6 negros em 1500 alunos), em plena ditadura civil militar na zona sul de São Paulo. Ainda assim o contato com amigos bacanas e grandes professoras como Alcione Abramo e Airton de História, Betão de Ciências e Angelina de Língua Portuguesa, me propiciou uma visão efetivamente humanista de mundo, que até hoje me orienta na caminhada. Nessa quinta estarei lá para uma roda de conversa. Bem feliz pelo convite. Viva Escola Estadual Osvaldo Aranha. Grupo de teatro escolar, talvez 1976.




É pouco provável que nossas experiências frente ao racismo antinegro se coadunem hoje ou no passado. Minha visão do Osvaldo Aranha hoje tem a ver com que vivi, mas tambem com minha capacidade de superar as más vivencias e assim assim alimentar uma visão crítica sobre meu próprio passado, sem romantismo, como também sem desprezo. Entre eu e meus amigos do Osvaldo, haviam tantas distâncias  e algumas proximidades. Na infância meu mundo erra dividido apenas entre negros e brancos, ricos e suas combinações. Nos bairros que morei havia brancos pobres, mas preto sempre foi maioria.


Escola tornou o racismo mais concreto, eu fora avisado pela minha família, Se comporte assim ou assado, pois as pessoas (os brancos que mandam) estão de olho em você, tem que ser bem melhor que um branco para ter destaque ou conseguir  as mesmas coisas, esse era um tipo muito submisso de uma espécie de orientações raciais.  Pensando ainda no racismo, creio que negros temos que nos livrar da responsabilidade de fazer com que pessoas não afetadas por essa indiferença percebam o que elas tem em comum, com quem o é.





Talvez isso, em nível individual, seja o aspecto mais cruel do racismo antinegro, levar alguém negro ou negra gastar tempo excessivo tentando convencer quem se beneficia direta ou indiretamente do racismo da sua importância.
Muitas vezes vi pessoas negras adultas tentando  em vão chamar atenção dos seus superiores racistas para suas altas capacidade técnicas. Ora a competência ou falta dela em situação de opressão racial nem entra na pauta.
 


Parte 2

Pensando o racismo como estrtuturante e como fonte das relações de poder no Brasil.


Sobre meu eu hoje.

Sou um professor e intelectual periférico e público. Graduado, mestre e doutor em História social pela PUC- SP. Ingressei no serviço público como inspetor de alunos no sistema de ensino estadual em 1985, atuando numa escola pública no bairro do Grajaú, onde morava nessa época. Sou mineiro de Passos, de uma família de lavradores, migramos para periferia de SP em 1971 e retornamos para MG em 1978. Portanto vivi a infância e adolescência entre uma cidade canavieira-cafeicultora do sul de minas e a preferia de SP. Estudei em escolas públicas nessas duas realidades contrastantes e complementares durante a ditatura civil militar. 10 irmãos ao todo, 6 homens e 4 mulheres, dos quais 6 vivos, entre o Amapá e Paraná.  Minha mãe era lavadeira e doméstica, viveu penosamente também empregada de uma empresa de faxina terceirizada, que em plenos anos 1970 prestava serviços para CEF de Moema. Ela tinha dois turnos, na agência bancária de dia e outro na casa dos brancos gerentes fazendo faxina no período da noite. Moro em Itapecerica da Serra desde 1993. Mudamos para cá pois na época não tínhamos onde morar, estávamos em uma situação econômica muito precária e família de minha esposa, que até então era bem racista, nos emprestou uma propriedade deles, que estava desocupada. Desde então tivemos mais três filhos aqui. Nos adaptamos bem a cidade, um misto de roça e periferia, tem uma cultura provinciana, misturada com os problemas típicos dos bairros periféricos. Trabalhei em várias escolas de ensino fundamental e médio da região. Fiz muitas relações na cidade com pessoas muito interessantes, ativistas, artistas, educadorxs, intelectuais e também com pessoas comuns. 


E sobre identidade e território?

Podemos falar em termos de eu, nós e eles. Podemos pensar sobre relações humanas e relações de poder. Nesse sentido entender que lugar ocupamos nós descendentes de africanos nesse arranjo territorial chamado Brasil, como o espaço humanizado remotamente pelos povos originários, depois invadido pelos portugueses, depois herdado pelos descendentes dos colonizadores, que garantiram para si a exclusividade absoluta dos bens materiais e ferramentas para processar o domínio dos bens simbólicos. Esses mesmos definiram as fronteiras e construíram a hegemonia política que embora tenha sofrido abalos importantes ao longos dos séculos, mantem sua espinha dorsal desde a colônia. Pensando como Stuart Hall, a nação é um dispositivo discursivo sobre unidade que sob uso de ferramentas próprias da modernidade, mantem um determinada sociedade não sob  mira das armas, mas do temor da condição apátrida. A nossa condição contraditória e estar alinhado num território para qual seremos sempre estrangeiros de porta adentro. Ou o seremos enquanto essa ordem social, econômica, política e racial permanecer, ou enquanto não formos capazes de reagir a altura dessa opressão secular. Nesse sentido podemos habitar um território em estado alienado de vinculação ou sem relação de pertencimento é os caso dos descendentes africanos e os dos remanescentes dos povos originários autosituados.      


Parte 3. Pocessos sociais do racismo antinegro em São Paulo.



Qual é a história da educação em São Paulo, no que toca aos papeis raciais e aos estereótipos negativos atribuídos aos negros e negras no processo de ensino/aprendizagem e escolarização?  
Então senta que lá vem história: Um amigo recebeu parte da biblioteca do espolio de um médico/professor falecido, chamado Sergio Raymundo Hornstein. Além de literatura francesa e livros de Lenin e Marx em diversas línguas, havia também algumas fotografias, cadernos com anotações e antigos manuais escolares, a saber: 1-Pontos de Geografia e História do Brasil 1º Ano, Externato  Teixeira Branco de São Paulo, sem data, contendo 32 páginas. 2- Selecta escolar de Máximo de Moura Santos 19, publicada pela Livraria Francisco Alves, 11ªEdição, datada de 1957, com 109 paginas. 3- A cartilha de Vicente Peixoto  denominado Coração Infantil, publicado da Edições Melhoramentos, 44ª edição, datada de 1957. 4-  Livro de Leitura Manuscripta-Licões Colligidas, por B.P.R.; Editora Francisco Alves, “Aprovado e adotado pelo Governo para Escolas Públicas do Estado”, 128 páginas, Sem data. Todos encapados com papel jornal grosso,  tom amarelado pelo tempo, tal como os recebi.
Chamou mais minha a atenção a cartilha Coração Infantil, pois toda ilustração existente recai sobre figuras humanas de traço europeu, há imagens adultos e crianças nas mais variadas situações, sempre relacionadas com tema de cada conteúdo. O mesmo acontece com a Selecta Escolar, exceto por apenas uma única imagem de um garoto negro na página 31. A imagem vem acompanhada de um titulo: Que moleque (Cibele Amorim). Traz também os singelos e “belos” versinhos:
“Que é isso, Dito, de argola!...
De mãos no bolso, emproado!
Voce não vai hoje  à escola?
Oh! Que moleque  danado!

Pensa decerto que é gente,
Parece que até cresceu...
O seu cabelo viu pente!
Mas que foi que aconteceu?

Tire essa argola da orelha,
Veja no espelho sua imagem,
Como você se assemelha,
A um negro e feio selvagem!

Até fiquei espantada,
De ver você desse jeito,
Assim de cara mudada,
Um bobo alegre perfeito.”

Será exagerado fazer inferências sobre práticas educativas e o sistema  de ensino aprendizagem em São Paulo nos anos 1950, com base apenas nesse material pedagógico?
Nos anos finas da década de 1950, qualquer criança que ingressasse nas séries iniciais teria obrigatoriamente que estudar com estes manuais escolares? A cartilha foi adotada pela rede pública de ensino do Município de São Paulo, até por volta de 1970. Qual terá sido o impacto desse texto e gravura sobre o imaginário, comportamentos e valores  das crianças paulistanas, escolarizadas nessa época?
No Brasil até que ponto a escola tem sido instituição pública de responsabilidade social? Essa responsabilidade é ao mesmo tempo tão grande e tão mal compreendida. Os educadores (as) escolares, culturais e sociais tão mal prestigiados pela sociedade, são ao mesmo os protagonistas dessa cultura específica, múltipla e complexa que identificamos simplesmente como Educação. Que cultura escolar tem sido elaborada e reelaborada para formação  das nossas crianças? Quais seus pontos nodais? Seus conteúdos e recorrências?
O desafio dos educadores e educadoras para incorporar a África e o Brasil Negro e Indígena aos seus interesses e habilidades pedagógicas, realmente não é fácil. Porque não se trata de injetar novos conteúdos nas velhas práticas, novos temas as velhas grades e preceitos curriculares. As leis citadas contêm o ensejo de uma nova cultura escolar, na qual seus agentes e protagonistas estejam disposto a fazer uma reflexão e revisão profundas do sobre caráter elitista e racista e, principalmente do viés eurocêntrico das instituições escolares e socais educativas, públicas e privadas no Brasil.
Essa tarefa tem dimensão política e filosófica, a primeira diz respeito às relações de poder e segunda e a segunda ao caráter profundo e reflexivo do ser. Ser humano. Educação para a diversidade necessita da combinação dessas duas dimensões.   
No Brasil ainda não parece ser óbvio que o lugar da vida social em que o racismo é mais contundente e facilmente observável é na divisão sócio-racial do trabalho e no acesso a escolarização superior. Contudo até que nos anos finais da década 1970, viesse a tona do trabalho pioneiro de Carlos Hasenbalg (1979), esse tema era relativamente tabu para o pensamento acadêmico brasileiro.  Trabalho, desigualdade e racismo ainda formam um tripé cujos avanços ainda são pequenos decorridos 40 anos da constatação sociológica de que o racismo incide vergonhosamente sobre a ocupação e renda da população afro-brasileira.
 Mas o que foi que mudou nos últimos anos? Atualmente muitos jovens negros têm feito questão de destacar sua origem, embora para alguns isso pareça uma terrível afronta. Fazem isso, usando camisetas com estampas de frases bem humoradas ou com retratos de ídolos negros, vestem roupas e adereços com motivos africanos, ostentam penteados com inúmeras formas de trançados que se remetem as sociedades tradicionais africanas. Os jovens mais organizados socialmente ou que pertencem aos movimentos sociais, entre eles o movimento Hip –Hop, elaboram grupos de estudos, gravam discos com canções de conteúdo educativo, criam e distribuem revistas, livros e materiais de divulgação. Seus grafites, na maioria dos casos, também expressam uma visão positiva  e bastante complexa das suas origens africanas.         
Esses prenúncios de mudança são revelados no dia a dia, quando se percebe a crescente atitude dos descendentes de africanos, quando conseguem identificar positivamente traços de africanidade em sim mesmo, independente do tom de sua pele. Esta mudança é parte de uma dinâmica social e cultural ainda mal compreendida por aqueles poucos que querem resguardar para  si o direito a justiça, a vida, a liberdade ou o acesso ao conhecimento e a alegria.
A riqueza de experiências sociais e culturais das comunidades negras desenvolvidas ao longo do século XX tem sido muito importante, para o alargamento da democracia brasileira. Embora alguns setores conservadores tenham reagido, às vezes de forma intolerante e violenta, sobretudo no meio acadêmico, a ampliação crescente das políticas afirmativas, têm sido obtidas como resposta de alguns segmentos da iniciativa privada e dos órgãos públicos, no âmbito de alguns governos municipais e estaduais e sobretudo, ao nível federal. 
Há uma mudança substancial nesses novos comportamentos políticos, uma vez que já que não se pode negligenciar a existência das práticas racistas de cunho interpessoal, mas acima de tudo da sua existência no nível institucional  e sócio-político, ou seja racismo estrutural. Estas mudanças são antes resultado da crescente consciência social e política do segmento negro da população brasileira, como também do reconhecimento da legitimidade daquilo que se convencionou chamar simplesmente “Movimento Negro”. Movimentos negros, trata-se de uma multiplicidades de grupos organizados que congregam indivíduos do sexo masculino ou feminino, que remetem seus traços étnico-culturais a uma grande coletividade, que tem em comum ancestrais originários do grande espaço territorial que já foi chamado Aetiópia Inferior, Guiné, Cuche, Núbia e finalmente África.
Racismo também se apreende na escola. É possível que antirracismo também se possa apreender. Para termos uma verdadeira consciência das africanidades brasileiras, normalmente negadas por preconceito, racismo ou desconhecimento, temos que arregaçar a mangas e estudar, pesquisar, conhecer, apreender, sistematizar e escolarizar conteúdos, tal como fazemos cotidianamente com outros temas.
Educadores e Educadoras verdadeiramente humanistas acatam tais preconceitos e desconhecimentos como desafios. Com sensibilidade e delicadeza que os temas exigem, adotam uma nova postura pedagógica de curiosidade, pesquisando, trocando informações, experimentando abordagens novas para tratar a História e Culturas da África e do Brasil Negro e Indígena.

 

Parte 4-
Texto escrito em 2015.  Relatório de atividades formativa de professores da Rede Muncipal de Educação de São Paulo.


Vamos pensar que o negro não existe. Ou melhor, não há um homem negros, capaz de traduzir em termos de cultura, valores e subjetividade de todos os homens  e mulheres negras. Admitamos que a raça seja uma falácia do ponto de vista biológico, uma vez que  não existe um grupo humano, cujos traços genéticos tenham sido preservados desde tempos imemoriais. Se a raça não existe, o que é então ao racismo? Aqui racismo antinegro é um conjunto de práticas, representações e discursos e discriminações relacionadas aos descendentes de africanos, tidos e entendidos como uma massa humana homogênea, ou raça específica. Tais práticas, representações, imaginários e discursos articulados, em última instância visam manter e legitimar relações de poder históricas, construídas nos últimos 5 séculos, durante o processo de expansão do ocidente.
Em que medida a instituição escolar reproduz ou amplia as formas de discriminação praticadas no âmbito social mais amplo? De outra forma como um programa institucional de combate ao racismo pode impactar práticas sociais seculares e instaurar uma nova filosofia ou cultura escolar, que seja multicultural e antirracista?  Essa investigação fundamenta-se no acumulo configurado na bibliografia crítica sobre Relações Raciais no Brasil e nas experiências sócio-politicas e culturais dos movimentos negros.  
O racismo antinegro tem dimensão mundial, porque também o têm, o tráfico  negreiro e escravidão racial, que estão no seu nascedouro e em parte desdobram e justificam sua evolução e difusão. Podemos dizer, que ainda está e marcha a crença na superioridade do ocidente, na cosmovisão concebida como cristianismo, ainda que, tanto a europeidade como sistema simbólico de unidade e a filosofia religiosa da cristandade, seja o tempo todo atravessado por cismas e reinterpretações teológica.
Os racismos antinegro e antindígena que nasceram  do processo colonial, foram elaborados e reelaborados de forma que naturalizaram a posição social dos eurodescendentes. Primeiramente se beneficiaram dessa posição privilegiada as gerações que encabeçaram as transações e transições das colônias européias nas Américas, a condição de estados independentes. Mesmo quando estas mesmas elites admitiram sua condição mestiça, e isso não foi incomum, ainda esta configuração identitária mediada, evitava e manipulava a identificação direta com africanos e povos americanos originários.
A persistência de tais desigualdades ora é atribuída a uma “herança da escravidão”, outra ao arcaísmo dos setores mais pobres que rejeitam ou resistem a entrada na modernidade. Certa interpretação sociológica constantemente reiterada, ainda insiste  em apontar a incapacidade dos descendentes de africanos em se adaptarem ao trabalho livre. Essa interpretação nega que, os trabalhadores negro-mestiços livres do final do século, tenham sido efetivamente dos formadores da “classe operária” no Brasil e atribui aos estrangeiros introduzidos na política imperial e republicana de branqueamento, todas a loas de modernidade produtiva.
 Tornou-se uma obviedade falar, pensar, discutir e estudar sobre os “preconceito de cor” e marca, mas ainda hoje o termo racismo anti-negro e anti-indígena ainda causa pavor em alguns espaços acadêmicos, no meio jornalístico e é quase que completamente silenciado no meio artístico e cultural onde predomina uma visão freyriana de sociedade. Qual seja: Brasil país pacífico, social e culturalmente integrado, nascido das “três raças tristes”.
Este aspecto impronunciável de relações sócio-político-raciais tem seu fundamento no que podemos denominar Pacto Racial Brasileiro. O pacto racial é um contrato estabelecido entre as partes, entendidas como raças, que compõem a sociedade brasileira e tem sido refeito desde final do século XIX. Tal contrato é um acordo constituído no plano simbólico, mas com efeitos práticos e concretos nos âmbitos econômicos, educacionais, religiosos, jurídicos e culturais.
Esse contrato estabelece uma hierarquia que cobre todas as coletividades sociais. Também é ele que padroniza pequenos privilégios e dutos de mobilidade social por meio de atividades econômicas (licitas e ilícitas). Também e por meio dele que se acessa ou não dutos políticos, tecnológicos, educacionais e culturais. Mas de maneira geral tais canais oficiais de deslocamento, não trazem perigo de ruptura da ordem sociorracial e se transformam em efetivas formas de controle.
Já vimos ao longo da História recente das sociedades ocidentais que tratados, pactos, contratos são elementos fundamentais no funcionamento das nações e países. Podem ser percebidos como Constituições e cartas magnas, mas, também podem ser pronunciadas como regras advindas da tradição, nesse caso mais implícitas e fundamentadas nas práticas cotidianas e menos expressas em textos e referenciais institucionais. Vimos também que para manutenção interna de uma sociedade os pactos entre os diferentes setores que a compõem podem ser estabelecidos como base na força e mantidos pela ideologia oficial de dominação e mando.
O pacto racial brasileiro pressupõe a aceitação pacifica por parte dos negro-mestiços e indígenas de um estatuto diferenciado de cidadania.  Este estatuto este relacionado as condições “naturalmente inferiores”de escolarização, trabalho/salário/renda, acesso a saúde, a moradia, transporte público, credito, ocupação do espaço urbano, securidade social, lazer, etc.
Embora haja mobilidade social em termos gerais, negro-mestiços e indígenas, geração após geração são socialmente educados pela ordem vigente, com mensagens de coerção e medo. Objetivando a  acomodação e conformismo. Violência real e simbólica são também mobilizadas para manutenção da hierarquia racial. Vêm em forma de ameaça velada de usos das forças oficiais e extra-oficiais de segurança. A segurança privada desde o século XIX, tem sido utilizada em situações de eminente conflito por terra, trabalho, atividade sindical ou política.
Os grupos paramilitares que antes serviam aos senhores de terras sofreram mutação e têm atuado tanto no espaço rural, quanto no urbano a despeito das normas legais vigentes. Mas, o legado de violência da segurança estatal ainda não foi devidamente mensurado pelos estudiosos. Antes mesmo da independência a elite brasileira da época havia criado sua própria versão sobre a “luta de raças” em nome daquilo que Michel Foucault define como e um “patrimônio biológico”. Mais tarde redefinido como patrimônio civilizatório ocidental.[1]
Organizações civis e militares e jurídicas, hoje altamente complexas funcionam em todos os espaços socais em nome do domínio racial, sem pronunciar este fato. As forças de segurança, ao mesmo tempo que incorporam pessoas oriundas dos setores sociais racializados pela desigualdade, imolam e descartam estes mesmos indivíduos, em nome da paz social.
Os pactos realizados no processo de modernização brasileira tem sido coordenados quase sempre na manutenção eternizada de hegemonia das elites brancas.  Elites mudam, modulam, se alternam na gestão do poder político, cultural e econômico, mas não deixam de reafirmar seu poder incontestável de elite racial branca. As Instituições Escolares e culturais têm sido de fundamentais no apoio a naturalização das desigualdades e no uso de critérios de seletividade, operados simultaneamente pelos organismos estatais e privadas.
Logo, o contrato racial brasileiro também tem sido mantido na operação simultânea das convenções socialmente elaboradas nos últimos 140 anos, ele define a manutenção das ordens política, econômica, social e cultural. Nesse caso, podemos sustentar que pacto racial brasileiro também tem um detalhamento no tange as relações  culturais.
Essas convenções e hierarquia pelas quais zelam tem sido contestadas pelos ativistas negromestiços que desde a segunda metade do século XIX. Primeiramente Oe embate era contra a cultura escravista de maneira geral, sobre a qual abolicionistas negros desenvolveram interpretações e forjaram percepções absolutamente desconcertantes e inovadoras. Escritos de abolicionistas como André Rebouças, Souza Carneiro e Manuel Querino, que se somam aos de Luis Gama. Em todos há questionamentos da escravidão racial e das teorias de inferioridade e superioridade das raças, que tanto seduzia os intelectuais brancos do mesmo período. Seria mesmo possível contrapor os escritos jornalísticos e memórias de cada um deles as suas antíteses nomeadamente racistas como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Oliveira Viana, por exemplo.
Desde o século XIX pesquisadores negros e não negros têm se ocupado em estudar a população negra. Desde Nina Rodrigues e Manoel Querino nos finais do século XIX até os atuais Jorge de Carvalho e Flavio dos Santos Gomes, renomados cientistas sociais brasileiros, de origem européia e especificamente os norte americanos, estão em busca do eldorado da democracia racial.
Alguns  transformaram os negros em objeto de estudos e suas influências ainda são a fortíssimas no imaginário social como também nas pesquisas contemporâneas. Nomes de brasilianistas como Tomas Skidmore e Roger Bastide ainda ecoam fortemente em estudos sobre religiosidade, política e cultura.  
De maneira geral os ativistas anti- racistas, intelectuais e pesquisadores negros tem atribuído pouca ou nenhuma atenção aos estudos sobre a parcela branca da população brasileira. Não por razões instrumentais, mas também por isso é importante compreender os parâmetros, dinâmicas, mecanismo da reprodução e perpetuação da hegemonia dos brancos brasileiros sobre negros, mestiços e indígenas.
Por detrás de uma historia triunfalista da imigração européia repousam tensões e hierarquias entre brancos, degradações e discriminação entre estes e trabalhadores brancos e negros, xenofobia, como também intergrações étnicas, intercâmbios e experiências de intercâmbios interraciais a serem conhecidas e enfatizadas. Podemos mesmo tratar de uma tradição afrobrasileira de diferentes tentativas solapar a hegemonia branco no âmbito da cultura letrada e artística. A essa tradição de um ativismo político, artístico e cultural onde predominam descendentes de africanos, que nos referimos como Movimentos Negros.
            Até aqui,  suscitar debates com educadores e educadoras, gestores e gestoras, pais e mães de alunos e construir uma patamar de audição das experiências e práticas educativas inovadoras  das unidades educacionais da rede municipal de educação. Em termos provisórios, se pode pensar que, conquanto se possa observar resistências ocasionais as temáticas negras por parte de educadxres  individualmente, não se pode dizer que as unidade se recusem organicamente a assimilar tal debate.        

São Paulo, 30 de abril de 2015.

Salloma: história de duas crianças assistindo tv, a criança negra não se vê em nenhuma programação, com exceção dos programas policiais; no trajeto para escola, a criança branca se vê nos outdoors e nas propagandas, a criança negra não entende pq não se vê, ela apenas sente e assimila, no muro da escola só há desenho com referências as histórias de tradição europeia, a professora traz para a sua aula as mesmas de imagens e textos de adpatação de manuauis e contos orais europeus que fomos moldados.O que vem da “europa” é o bom, belo, perfeito. A professora influenciada também, será negligente, parcial e voluntariosa com aqueles que não representam o ideal de beleza. Como produzir uma tomada de consciência e reflexão. Potência, resistência e capacidade de superação por não ser visto. A escola pode ter ações que promovam efeitos duradouros na alma e na subjetividade de todas as crianças não só daquelas consideradas socialmente ideais.



[1] Foucaul aponta o surgimento do racismo de estado na Europa do século XIX. Talvez ele tenha sido testado antes nas terras de além em poder dos Impérios ocidentais e posteriormente aplicados internamente as populações nacionais na Europa Ocidental. Veja paginas: 70 a 102. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.