SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Capulanas Cia de Arte Negra lança livro em São Paulo

Capulanas Cia de Arte Negra
Síntese do texto recentemente publicado no livro EM-GOMA, São Paulo: Capulanas, 2011.  Disponível para compra.
Toda identidade humana é construída e histórica; todo o mundo tem seu quinhão de pressupostos falsos, erros e imprecisões.
Kwame Anthony Appyah
Salloma Salomão Jovino da Silva *

Capulanas é um tecido utilizado predominantemente por mulheres. Entretanto tal conhecimento na manufatura tem sido tradicionalmente habilidade masculina. Embora nosso imaginário insista no contrário e as relações econômicas desiguais entre as sociedades africanas e o resto do mundo pareçam confirmar, podemos dizer sem margens para dúvida que historicamente na África a tecelagem tem diferentes origens e elas são remotas, assim como seu comércio na longa distância. Enquanto os fardos de linho de cânhamo egípcio circulavam pelas margens do Mediterrâneo e Mar Vermelho atingindo daí o Golfo pérsico, tecidos do Gana, na África do oeste, foram utilizados nos funerais da rainha Nzinga, na África central. Também nas narrativas mais remotas, não é rara a imagem de um ser Pré-existente ou Incriado, como um exímio tecelão. Por analogia a criação é como a urdidura dos panos.
Talvez não haja metáfora melhor que o tecido para desfraldar uma bandeira de unidade-diversidade das culturas negras diaspóricas. Síntese e ao mesmo tempo ícone completo e complexo, que extrapola o caráter biológico e mecânico de uma certa identidade negra, para instaurar-se um núcleo de possíveis alianças, em torno de questões comuns. Unidade-diversidade já entrevista por pesquisadores generosos e visionários como Roger Bastide, Melville Herskovisk, Artur Ramos, Edson Carneiro, Stuart Hall e revisada por Gerard Kubik, Kazadi Wa Mukuna, John Thorton, Linda Heyoowd, Joel Rufino, Muniz Sodré, Nei Lopes e Paul Gilroy, entre outros.

By Salloma/Aruanda Mundi
Adrina Paixão
Os fios desse tecido Capulanas, é feito de memórias, sonhos em frangalhos, histórias interditadas, mas acima de tudo tramado com novos fios-utopias. Nós precisamos delas. Quando tais utopias são revestidas com panos de artes, elas se tornam muito mais reais e longevas, mais cambiantes, fluidas e dinâmicas. As texturas e elasticidade, cores e pertinência, a durabilidade, os signos e usos desse tecido somente podem ser reelaborados sob o símbolo básico da própria diáspora negra, a reinvenção.
No contexto atual dos movimentos culturais da cidade de São Paulo emergem vários novos protagonistas, sobretudo os Saraus e Coletivos Culturais. Saraus e Coletivos são noves genéricos para um conjunto variado de práticas culturais recentes, que eclodiram e se consolidaram na cidade e também na região sul. No seu bojo há produção literária, teatral, musical e cinematográfica, assim como artes visuais, performances, danças, e várias outras linguagens híbridas. Diferenciam-se dos anteriores tanto por um apelo a produção coletiva, como pela elaboração e apropriação de novas tecnologias culturais para empreendê-las.
By Guma
Capulanas
Capulanas é o nome escolhido por jovens atrizes negras para dar materialidade a sua Companhia de Artes Negras. Trata-se nominalmente das protagonistas de seu próprio enredo: Débora Marçal, Priscila Preta, Adriana Paixão e Flávia Rosa, todas oriundas de grupos culturais e artísticos que surgiram e atuam na região sul, na periferia de São Paulo nos últimos dez anos. Movidas por um desejo insaciável de aprendizagem e revisão estética, atravessaram as fronteiras do teatro e da cultura popular, da dança-afro e das musicalidades negras para instaurar uma dramaturgia autoral.
O grupo teatral Capulanas Cia de Artes Negras se destaca nessa paisagem e já recebeu 4 fomentos para sua produção teatral. Trata-se nominalmente das protagonistas de seu próprio enredo: Débora Marçal, Priscila Preta, Adriana Paixão e Flávia Rosa. Todas oriundas de grupos culturais e artísticos que surgiram e atuam na região sul, nos últimos dez anos. Movidas pelo desejo de aprendizagem e revisão estética, atravessaram as fronteiras do teatro e da cultura popular, da dança-afro e das musicalidades negras para instaurar uma dramaturgia autoral inspirada em várias referências, mas sobretudo, em Solano Trindade.
By Guma
                     Debora Marçal      


Embora outros grupos da região tenham enunciado o pertencimento a origem africana como uma peculiaridade, os registros sobre o discurso estético e político da Capulanas nos sugere uma ruptura com os demais. Ao colocar seu projeto dentro de uma continuidade que se remete ao literato negro Solano Trindade e fixar uma perspectiva negra e feminina, reelabora o texto do feminismo negro, cuja fonte é Lélia Gonzales e o faz entrecruzar com a concepção socialista de Cultura Popular de Solano Trindade. O resultado dramatúrgico e textual é algo totalmente inédito e estimulante.
Originalmente Capulanas é uma palavra de origem bantu (definida pelos pesquisadores como tronco lingüístico nigero-congolês), especificamente pertence ao grupo linguístico Tsonga que é falado na costa Oeste da África por quase 3,5 milhões de pessoas em Moçambique, Zimbábue e Suazilândia. Capulanas por aquelas bandas é o nome que se dá um tecido utilizado pelas mulheres para cobrir a parte inferior do corpo, uma espécie de canga. Ocasionalmente cumpre papel de sobre-saia podendo ser também jogado sobre os ombros como xale, turbante, anteparo de objetos levados á cabeça ou ainda as mães os usam para transportar os nenês às costas. 

By Guma
No passado os tecidos eram produzidos artesanalmente, mas desde o século XX passaram a industrializados fora da África e comercializado por lojas e ambulantes nas feiras dos centros urbanos. Seu impacto visual com coloridos e estampas diversas acabam chamando atenção dos estrangeiros, que o vêem como algo “típico”. O escritor Marcelo Dias Panguana publicou "À Volta de Capulana" capítulo do livro “As vozes que falam a verdade”, lançado em 1987. Regina Casé utilizou-se duma capulana para gravar programa sobre a periferia de Maputo, capital de Moçambique em 2006. Talvez não seja apenas coincidência que os homens usem saiotes em uma das práticas culturais negras brasileiras marcadamente teatralizadas, o Moçambique. Culto-Canto-Dança encontrado principalmente entre descendentes de africanos na região sudeste do país.
By Salloma/Aruanda Mundi
Priscila Preta


Debora Marçal, Priscila Preta, Adriana Paixão e Flavia Rosa, são depositárias e revisoras por escolha própria e por herança, de um repertório denso, múltiplo e complexo de lutas, memórias, silêncios, liturgias, negações e reinvenções milenares. Estão muito conscientes, negramente falando, dessa responsabilidade. Ao mesmo são construtoras de novas cosmovisões, que podem ser alimentadas pelo frescor e pela virilidade dos seus anos. Seus desafios consistem em compatibilizar tais experiências com as barreiras que poderão advir.
Os encontros semanais com duração de quatro horas contavam coma participação de: Naruna Costa- Atriz, Firmino Pitanga- Coreógrafo, Julio Moracen- Dramaturgo e Antropólogo, Salloma Salomão Jovino da Silva- Historiador e Músico. Eram intercalados por outras formações pontuais intituladas Onin, nas quais participaram  Cida Bento- Pesquisadora em Psicologia Social, Lisy Leiba Salum- Antropóloga,  Amailton Magno Azevedo- Historiador, Evani Tavares – Coreógrafa e Antropóloga,  Juliana Moraes- Antropóloga, Dona Nilde Gomeiro-Yalorixá, Marcos Ferreira Santos- Faculdade de Educação– USP, Regina - Coordenadora de Políticas Públicas de Saúde da População Negra de Embu das Artes-SP, Viviane Lima- Historiadora.
By Salloma/Aruanda Mundi
Flávia Rosa


Partimos da seguinte premissa: Nas culturas de matriz africana os corpos são atravessados por usos, símbolos e significados que entraram em conflitos com as visões européias. Até que ponto somos herdeiros de uma e de outra orientação cultural? Os conhecimentos, vivências e experiências sobre Artes, Identidade, Saúde, Doença e Religiosidade podem ser pistas dos (dês)caminhos do corpo no espaço/tempo e na cultura.
Foi emocionante perceber como estas jovens pesquisadoras, educadoras, atrizes negras estabeleceram compromissos mútuos no processo de auto-construção social. Como foram capazes de elaborar formas colaborativas de aprendizagem e auto-preservação psíquica e física. Suas experiências nos ensinam sobre o alcance do equilíbrio entre alteridade e individualidade, quando se estabelecemos plataformas duradouras e flexíveis.

        
São ventos frescos no terreno árido na longa história dos descendentes de africanos em São Paulo, no Brasil, no Mundo.  Ventos que simbolizam prenúncios de mudanças pelas quais ansiaram e semearam alguns dos que vieram muito antes de nós. Ventos de um tempo fecundo de alteridade, solidariedade e liberdade.  
*Salloma Salomão Jovino da Silva é músico e historiador, ativista do movimento negro e professor de História da África no Centro Universitário Fundação Santo André, São Paulo. Pesquisador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tem atuado em projetos artístico-culturais e de formação continuada de educadores e pesquisado temas relacionados a História Cultural das Diásporas Negras e Educação Pluricultural. Co-elaborou o projeto formativo da Capulanas  Cia de Arte Negra.      

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Racionais, 20 anos (parte2)



Divulgação.....

Esses caras ensinaram de forma lúdica a molecada preta a erguer o nariz e dizer, "sou negro, periférico,orgulhoso de minha raiz, sou inteligente, crítico e bem envocado. Eu sou gente. Quando olhar pra mim ou falar de mim nunca se esqueça disso" Assinado: Racionais M'Cs. Racioanais anos 20, veja texto na minha página Mosaico Negro Blogspot.
Racionais Mc´s é Coopermusp!!!!

A Coopermusp tem a honra de informar que o grupo Racionais Mc´s, o mais importante grupo de Rap do Brasil também está em nosso time.
Dentro de alguns dias as músicas do grupo estarão em nosso portal onde poderão ser baixadas.O grupo abraçou a nossa proposta de criação de um novo modelo de distribuição de música.
Conosco também estará a produtora Boogie Naipe.
Muitas novidades ainda virão,aguardem!
Bem-vindos Racionais Mc´s!
http://coopermusp.blogspot.com.br/2013/05/racionais-mcs-e-coopermusp.html



Racionais a indústria fonográfica


Será preciso pensar e estudar um pouco mais sobre a profundidade e significado da crise que afeta chamada Industria Fonográfica, mas via de regra os músicos-artistas somente tem controle da parte criativa do trabalho, ou seja, a concepção do repertório de um Cd e do show. Todo o resto fica nas mãos de executivos. E o que é este resto? É tudo que determina o investimento e seu retorno, quais sejam: distribuição do Cd, sua publicidade , a imagem do artista ( produto), inserção do produto final no rádio, na TV e agora na WEB, pagamento dos tributos, recolhimento de direitos autorais, venda dos shows, etc, etc e etc. Desde o Cd “Sobrevivendo no inferno”, os Racionais são seus próprios executivos e, e ao menos de 12 anos para cá detêm um rígido controle sobre sua imagem veiculada na grande mídia.
Os mais ingênuos artistas e grandes arrecadadores de direitos autorais embarcaram na fraudulenta campanha dos “Direitos Autorais”, orquestrada a por gravadoras e entidades igualmente fraudadoras, sem saber que parte do mercado de “piratas” era alimentado pelas próprias editoras, gravadora e distribuidoras de música como forma de fraudar os cofres púbicos e os próprios artistas.
Reza lenda urbana que Racionais bolou uma armadilha para os fraudadores de Cd em São Paulo: anunciou a distribuição do Cd Sobrevivendo para uma data X, nessa ocasião segurou a saída do disco original e acionou  a Policia Federal, que no ato fez o recolhimento dos discos que já estavam nas lojas  e camelôs. Resultado, os Cds que estavam nas lojas eram basicamente iguais aqueles a serem distribuídos. Moral da História: como a “pirataria” poderia ter um fonograma (gravação original das musicas do Cd) e capas e encartes exatamente iguais, sem que alguém de dentro do “sistema” tivesse fornecido?          
Pode parecer pouco, mas artistas negros consagrados que eventualmente se viram caluniados (com razão ou não) pela mídia, pagaram um altíssimo preço por terem a petulância de obter visibilidade num país onde os negros ou são invisíveis ( mesmo quando multidões como nos eventos esportivos ou carnavalescos por exemplo)  ou são estereótipos (me refiro a representações  cinematográficas, em cidade de Deus e Cafundó, por exemplo). Não há meio termo.
Os Racionais tem uma forma altamente racionalizada de aparecer na Mídia, sem ser devorado por ela e sem ser vitima da super-exposição. Kljay já teve programa na MTV, Mano Brown na esteve no programa Roda Viva da Tv Cultura, mas o documentário mais essencial sobre o grupo que circula por ai, foi feito por eles próprios. Mesmo em episódios sórdidos como a acidente de carro na marginal ou incidentes de violência em um outro show são tratados com muita serenidade pelos integrantes do grupo. Será que aprenderam  a fazer isso ouvindo a histórias de Tim Maia e Wilson Simonal, Henry Salvador e Ataulfo Alves, Jair Rodrigues e Milton Nascimento?

Algo que também chama atenção o universo da criação, produção e distribuição de REP é que tanto no Brasil como nos E.U.A os músicos-criadores, chegaram a posição de executivos das empresas que os haviam contratado ou mesmo criaram suas próprias empresas.  Isso pode não parecer significativo, mas o meio musical foi um dos poucos espaços sociais na sociedade contemporânea brasileira e norte americana onde negros puderam disputar com brancos em relativa igualdade.  justamente porque oa início tais atividades não gozavam do prestígio social.      
      

Salloma salomão Jovino da Silva

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Racionais Mcs: 20 anos

Racionais Mcs: Há  20 anos, 4 jovens pretos estão na estrada


Salloma Salomão da Silva e Gabriel Rodrigues da Silva.
Imagem 1 divulgação: CP
Imagem 2  3 : Ana Raquel Rodrigues.
Holocausto Urbano, Zimbabwe,1990;
Escolha seu caminho, Zimbabwe, 1992.;
Raio X doBrasil, Zimbabwe, 1993;
Racionais MC’s CD, Zimbabwe, s/d;
Sobrevivendo no Inferno, Zâmbia, 1997;
Racionais ao vivo, Zâmbia, s/d.;
Nada como um dia após o outro dia, Zâmbia, s/d;
Mil trutas, mil tretas DVD, 2006.
Na quarta passada, fui ao Circulo Palmarino no Embu das Artes, ver e ouvir KL jay, o mago das pick-ups do grupo Racionais Mcs.    


Podemos dividir a musicalidade do Racionais MCs em duas etapas,  a primeira vai de “Escolha seu caminho até o “Raio X do Brasil”. A segunda fase é de “Sobrevivendo no Inferno” para cá. Essa divisão tem a ver com Discurso, Musicalidade a Imagem pública desse grupo completou 20 anos de atividades, se a gente contar como marco, a gravação e o lançamento de “Holocausto Urbano”, 1990.
O que mais me intriga é: como que 4 inexperientes jovens negros da periferia de São Paulo conseguiram entrar, sobreviver e modificar um dos meios profissionais mais competitivos da sociedade contemporânea? O mundo dos negócios dos shows.
Mas não se trata apenas da sobrevivência em um território acelerado e voraz, o meio artístitco. Podemos falar do desenvolvimento e sofisticação constante de uma linguagem musical e de vários aspectos do trabalho social-musical-político do Racionais MCs.
No começo era Edy Rock e  Kl Jay, zona norte de um lado e Ice Blue  e Mano Brown, zona sul do outro. Se juntaram e escolheram o nome do mais balançante disco de Tim Maia, “Racional”. Aquele disco que mais se afinou ao diapasão a Soul Music. Mas contraria e pateticamente é também um disco submisso ao projeto teológico e catequético da seita “Universo em Desencanto”.  Esse disco pra mim é um enigma, porque tem uma originalidade nos arranjos e maturidade nas interpretações que não existe em nenhum outro disco seu. Talvez o fato de ter sido feito fora da gravadora, o brazilian soul man, tenha tido a liberdade que sonhava, por isso pode ousar, sem ter de se submeter musicalmente as “tendências” do mercado. Mas vamos deixar Tim Maia para outra hora.
No inicio canções como “Negro limitado”, “Racistas otários” e algumas outras, têm letras alinhadas com o discurso do Movimento Negro. No segundo momento a Periferia assume o centro discursivo. Saem umas freqüências sonoras mais Public Enemy, para algo mais complexo, mais Tupac.  Escolha seu Caminho e Holocausto são muito parecidos musicalmente, onde eles usaram muito James Brown, mas musicalmente os samplers estão mais relacionados com o Gangsta. Predominam elementos do Funk e da Disco, as referências são principalmente os disco do Zap, sons negros norte americanos do final dos anos 1970. 

A atitude do gangastar norte americano não seria tolerada aqui, porque tem um apelo a sexualidade, consumo e apologia explicita a violência e às drogas.  Mas as letras do Racionais, embora as vezes falem de violencia têm um conteúdo inegavelmente pacifista ( Brown cantariaa " violentamente pacífico"), embora parte da mídia desenformada tenha lido o contrário. O primeiro sampler nacional é Tim Maia, ela a partiu e nunca mais voltou, Ela apariu e nunca mais voltou, até IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Isso vai virar uma verdadeira escola musical, porque é realmente muito bom.
O rap é musicalmente revolucionário não só porque prescinde de altos equipamento de som e instrumentos caros para se construir um discurso ou e paisagem sonora. Mas se enganam a aqueles sabichões que pensam que é um gênero menos musical que outros. Quem já teve oportunidade de ver um Dj em ação, sabe que é necessário ter uma noções altamente sofisticadas de musicalidade, um percepção polirítmica complexa e sensibilidade harmônica  para recortar e colar simultaneamente seqüências  de contra-baixo para o pulso, frases de bateria para a estrutura e samplers de outros timbres vários para deixar a pista livre para o Mc poder lançar e dançar.
O imaginário branco racista teme um levante que negro, não suportaria jamais qualquer conteúdo sumariamente similar ao gangsta no Brasil. A conscientização social e etnoracial era um foco, as letras eram bem diretas. A mensagem tinha como meta as mentes da juventude negra e pobre de sexo masculino, é o alvo  da policia e do Racionais. Jovens negro, periféricos e machos, mera conscidência? Dirigida ao indivíduo atingia o grupo social como um todo:
“Fuja da violência, das drogas, fuja das coisas que parecem fáceis, assuma sua identidade.”
“O racismo é foda, o capitalismo é foda, a desigualdade é foda, fica esperto, se liga e não se iluda.”
As canções tornam-se fios de histórias que nunca terminam, algumas não terminam bem. Nem todas se relacionam a criminalidade, umas falam de vínculos de amizade, também entre jovens másculos, que batem no peito e pegam no pinto. Uma das posições  ou gestualidade teatral parecia simular apalpar as bolas.
No início quase não tinha metáfora, analogia, imagens, depois as mensagens ficaram menos moralistas e mais subliminares, mais filosóficas. Entram temas como a morte, a verdade, a sinceridade, a memória, passou a haver espaço para alguma delicadeza masculina, mas delicadeza, o machismo juvenil, deu lugar a uma certa maturidade.   
Desde o lançamento do DVD mil trutas corre boca miúda  a chegada um novo trabalho que cada ano é jogado para o seguinte, mas quem já ouviu os temas na internet "Mulher elétrica", "A mente do vilão" sabe que não será brincadeira, os rapazes não ficaram estes anos dormindo. Racionais circulam pelo país inteiro, vivem de shows que eles mesmos gerenciam.
Quando o Racionais fez um show no Carandiru, os artisitas tiveram contato um detento chamado Jocenir, que ofereceu o material escrito que deu origem ao Cd Sobrevivendo. Este cd é muito, não consegui ainda ter um análise completa dele por falta de tempo, mas uma hora eu chego lá. 
Racionais poderia ser acusado de americanismo pela incorporação de inúmeras referências da Black music dos anos 1960-1990 na sua musicalidade. Mas não podemos nos esquecer que Pixinguinha também foi metralhado pela crítica demolidora e nacionalista, após os 8 Batutas terem chegado de Paris, em 1924.
Perece que nossas elites podem copiar a constituição francesa e americana, imitar o estilo de vida parisiense e nova-iorquino, ou mesmo comprar mansões em Miami. Nossos artistas renomados podem incorporar qualquer baboseira estilística estrangeira, que é considerado moderno, comopolita e Cult. Mas crioulos analfabetos ou semi escolarizados, por mais talentosos que sejam, não podem dormir com essa pecha, não podem sonhar ou ouvir estrelas, curtindo um  Lp de Marvin Gay .
Talvez nossa admiração advenha de fatos muitos simples:  Enquanto nos EUA as primeiras universidades negras enviavam doutores para formação complementar na Alemanha, na segunda metade do século XIX, nossas lideranças ainda hoje brigam por migalhas que caem da mesa dos brancos poderosos.
Dominado por jovens negros abandonados pela política de assistência social e pela elite negra escolarizada e bem inserida na sociedade norte americana, os artistas do HIP HOP americano construíram um poderoso discurso ideológico e estético, con tudo o Hip Hop  como movimento estético nos EUA e Europa ficou apenas nos limites da indústria fonográfica e de shows.
 Podemos dizer sem erro que somente no Brasil o Hip Hop tenha se tornado um verdadeiro movimento social/cultural, melhor ainda, no Brasil DMN, Gog e Racionais conseguiram transformá-lo em ação social e política. Ele foi incorporado por Denis Produto loco, Paniquinho, Zinho Trindade e varios outros com ou sem evidência. 
Ao longo 20 anos algumas coisas mudaram na sociedade brasileira e muita água rolou embaixo da ponte do mundo HP HP mundial e brasileiro, Racionais Mcs não somente acompanhou essas mudanças, como dentro da seu universo ditou o ritmo e caminho dessas transformações.
      


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Jennifer relata: Nosso cinema tem sido caro e claro, hegemonicamente branco.

Essa é uma verdade incontestável, admitida até por gente reconhecida e sábia como Cacá Diégues, mas algumas criações recentes vão deixando nódoas criativamente negras, nessa história de assombrosa brancura.
Aguns especialistas em “Historia da arte” sustentam que uma obra artística é duradora quando o seu autor consegue captar um momento de mudança histórica e dá a este instante um significado especial através das obras, usando habilidades e  apuro estético singular. Não sei se concordo muito com tal idéia, porque ela descarta o aspecto relacionado das convenções que regem a avaliação da obra artística. De todo modo, Jennifer de Renato Candido, ao que parece, apresenta tal capacidade.




Trata-se de um enredo singelo, mas seu desenvolvimento escapa ao clichê e capta um certo movimento, uma mudança, um deslocamento bem atualizado do debate sobre identidade negra no Brasil. Esta é  a principal característica e ao mesmo tempo o grande mérito do Filme. O seu autor certamente tem muito mais para nos apresentar, sendo apenas questão de tempo.

As atrizes Juliana Valente (à esq.) e Gabriela Balmant em cena do curta-metragem Jennifer
O filme contou recursos para lá de parcos (menos de 100 mil reais), considerando os orçamentos dos maiores arrecadadores da indústria do cinema no Brasil em 2011, argh!!!! Tropa de Elite, com zilhões de dólares.
Deixem-me dizer de forma sintética como foi que vi o filme. Renato generosamente me doou um copia e em retribuição fiz um almoço no quilombo da Serra, minha M’Goma. Assisti Jennifer na companhia de minha mulher Cristina e minha filha do meio, Luiza. Isso ocorreu no último domingo friorento, depois de muito trabalho braçal. Fim de tarde e eu descansava para mais uma semana de “eterna labuta”, como diria meu filho Gabriel.
Com uma agenda despretensiosa e um elenco enxuto, o jovem cineasta negro paulistano, Renato Candido com sua Jennifer plasmou em imagens digitais o momento em que o discurso de identidade do movimento negro é deslocado por novos agentes sociais do seu caráter autoritário e essencialista anterior, para uma dimensão mais dinâmica e plural, no qual a identidade negra brasileira se submete as noções de processo, construção e diversidade.

Calma que eu vou explicar... Nos anos 1970 o Movimento negro era profundamente marcado pelos limites de um debate que se arrastava desde os anos 1930 e os grupos negros organizados estavam concentrados no sudeste, com organizações esparsas e frágeis no Nordeste e Sul.  Tentava atacar simultaneamente a invisibilidade do racismo e cunhar uma noção de pertencimento, onde a percepção conectada a cor da pele e a raça negra fossem os agentes aglutinadores.  Crente na idéia de que toda ação política depende de uma vanguarda, o Movimento Negro Unido (MNU) buscava, desde 1978, construir uma frente capaz de mobilizar a população negra, para o que se imaginava ser uma ação nacionalmente articulada e de “massas”.
Nesse núcleo discursivo do ativismo político negro de 1970-1980, havia pouco ou nenhum espaço para um pertencimento que levasse em consideração as trocas culturais, a miscigenação e ou o duplo pertencimento. Ainda assim vozes dissonantes se apresentavam, apontando o dedo para exclusividade do masculino negro e retinto que, ao que parece, dominou a cena nesse tempo imprescindível de denúncia, filiação partidária e reelaboração ideológica.

De fato predominava um caráter urbano e universitário nos grupos negros nesse período. Designados “elitistas” pelos detratores, não era essa uma acusação totalmente infundada. Entretanto é necessário salientar que tal problema era alvo de reflexão e debate no próprio interior do MN. Não obstante as dificuldades de ampliação somente puderam ser relativamente ultrapassadas com a ajuda dos partidos políticos e da Igreja Católica, que aquela altura, tinha um grupo barulhento de ativistas antiracistas negros inseridos nas fileiras. No início dos anos 1980 PT, PDT e PMDB trataram de acomodar algumas demandas do Movimento Negro. Alguns dos seus membros assumiram pastas e postos de pouco prestígio nos governos estaduais recém eleitos. Em 1989 Erundina criou a CONE em São Paulo.  
Renato Candido      
Entretanto na década de 1990 a música Rap e o movimento Hip Hop já haviam solapado e redimensionado o discurso de negritude, dando-lhe uma dimensão  contundente  e periférica. Talvez a música Rap tenha alcançado um publico e desenvolvido uma reflexão pública sobre racismo anti negro e exclusão social de causar inveja a alguns ativistas mais antigos. Não tardou para que algumas aproximações ocorressem. Salve Levi e Sueli Shan, entrincheirados em Diadema.
A estética Rap se nacionalizou e o Mundo Hip Hop rapidamente se expandiu e diversificou, assumindo novos textos e abrindo contextos. Racionais a frente do processo amenizou ao acento negro, assumindo a periferia, violência e exclusão como eixos identitários. A emergência do mercado paralelo de consumo de Rap e Pagode, no Brasil no fim dos anos 1990, muito provavelmente já era um prenúncio da crise que daria fim a indústria fonográfica nos anos recentes e, que já foi tarde.        
Acredito que essa digressão é necessária porque o filme Jennifer nos estimula a olhar a História das rupturas, ambiguidades e continuidades da luta negra antiracista no Brasil em geral e as estéticas negras em específico. A estética negra no cinema é, sobretudo, a mais descontinua e tênue, entre todas as linguagens artísticas. Nosso cinema tem sido caro, claro e branco. As imagens de brancura se reproduzem na tela, detrás delas e na sua assistência. Exceções existem desde os anos 1960, mas negros raras vezes são protagonistas nessa área de saberes e fazeres, que combina entretenimento e arte, consumo e política, cultura e banalidades.
Agora posso voltar para Filme? Sob pena de reduzir em excesso, vamos lá.
A narrativa fílmica de Candido tem como protagonista Jennifer, uma adolescente negro-mestiça da pele clara, moradora na Zona Norte da cidade de São Paulo. Estudante de ensino médio, ela divide seu tempo entre a casa, a escola de ensino médio e a lan house. Utiliza as ferramentas digitais para manipular sua imagem e parecer mais branca, mais velha e corpulenta nas fotografias postadas nos site de relacionamentos sociais. Seu drama maior é em relação ao cabelo, que vive alisando. Jennifer vive em uma casa térrea com quintal, com a mãe, uma mulher negro-mestiça jovem de pele mais escura. (É necessário mencionar diferentes tons de pele, porque são importantes na construção visual, fotográfica e textual do filme).
Tem uma rosa que surge sempre próxima de Jennifer, essa a é tal singeleza, poderia ser qualquer uma outra coisa ou símbolo. Há um mundo juvenil e periférico muito bem reconstruído no filme, é uma reconstrução humanizadora da nossa realidade social, na qual predominam a busca pela prosperidade, dignidade e inserção social. Embora as imagens midiaticamente projetadas insistam na estética da violência endêmica, no discurso da auto-exclusão e na reiteração dos sistemas de controle ( público e privado) das turbas mestiças e ignaras. Via de regra somos talhados como gente marrom, invasora dos bairros nobres, das praias, dos centros de compras e universidades públicas.
Jennifer não busca a brancura com desespero, mas sente a opressão da estética social embranquecedora e tenta da sua forma ultrapassar a “linha da cor”. Somente recobra a consciência negra adormecida em si, quando mãe ao perceber seu dilema evoca a figura da ancestralidade negra feminina representada pela avó. O desfecho não tem tiro, morte, nem separação, mas afeto e solidariedade.
Há uma delicadeza e sinceridade que transparece no filme, mas que também verifiquei em algumas canções dos Cds de Rap de Crioulo e Emicida, que me parecem ter ido muito além o enredo masculinizante e suicida, retoricamente viril  que até então vinha seduzido socialmente homens e mulheres jovens. Enredos estes que são produzidos, em sua maioria, por homens maduros e brancos que controlam as empresas de entretenimento urbano (Cinema, Música e Espetáculo).
O filme tem suas fragilidades aqui e ali, mas nem merecem registro.
Uma trilha que somente não é primorosa porque  a  captação de áudio foi um tanto precária. O elenco predominantemente jovem funcionou muito bem. A fotografia, o andamento, o som funcionam adequadamente. O enredo cumpre a meta e em algumas cenas familiares somos levados a uma empatia emocionante, como por exemplo a cena de Jeniffer respondendo a um cliente grosseiro,  quando já havia conseguido o emprego de caixa.
Tenho agora 50 anos e, ao invés de outros homens públicos velhos mal humorados e com olhos fixados no passado, como o rabugento Antonio Abujamra, por exemplo.  tenho visto e saudado o aparecimento dessas novas artes e ativismo negro, com um interesse  e entusiasmo vivo. Viva Daniel Fagundes, Rogério Pixote e Renato Candido. 

SILVA, Salloma Salomão Jovino da.



Média Metragem “Jennifer” - Vídeo 24p HDCAM
Realização: Odun Formação e Produção – Projeto VAI – Pró-Reitoria de Cultura e Extensão USP
Direção: Renato Candido
Com: Juliana Valente, Gabriela Balmant e Sidney Santiago
Sinopse: Jennifer, adolescente negra moradora de bairro periférico, utiliza recursos de edição digital de fotografia para tornar-se mais sensual e atraente a quem ela ama. Mas não conseguindo lidar com sua baixa auto-estima, Jennifer se dá conta de sua dificuldade entre ser e se simular.      


sábado, 17 de setembro de 2011

Quem rouba quem? Poemas de Ana Paula Santos Risos

Quem Roubou quem? Ana Paula dos Santos Risos.
Quem roubou quem, São Paulo:Ciclo contínuo, VAI PMSP, 2011.Risos de escárnio.  80 páginas de chutes no escroto. Normalmente não leio poesias, acho que é porque sou fraco.
Tem poemas que me machucam, entristecem e desconfortam. Eu nem reivindico o direito de não ser alegre o tempo inteiro.
Poemas são quase sempre palavras belamente encadeadas para navalhar. Esses são assim, leio e não leio. Fico sondando, com medo e desejo.
Ana vejo pelos corredores da FSA, assiste aulas de ouvinte, ao invés de ficar em casa de noite, assistindo a novela com medo da rua. Por isso eu não tenho um pingo de inveja dela, a não ser pelos poemas. Nada sabia dela, apenas que é bonita, até ontem, quando vi seus poemas. 
Essa mulher jovem e negra, porque se fez assim, tem um jeito lépido. Mas não se enganem os machos, não sairemos ilesos de suas páginas.  Mullher menina negra, numa cidade que  a nega, se construindo assim nas fimbrias das periferidas pau-listanas.
Poemas de dentro de casa, poéticas de parentes vivos e  mortos, nos remete ao cemitérios dos vivos. Uma acidez do velho Lima nela, sem dó de si, nem de nós. Todos ali tem nome próprios, não sao personagens, nem atores. Nos poemas vemos suas carnes, rugas, tosses e fibras, vozes e fomes.
A cidade é uma cela bem grande, estamos confinados e apartados de nós. Os jovens que a comovem, também já tocaram em voce e ainda permabulam pela city, afrontando a assepsia racial das ruas ricas. Eles são ssombras nos faróis, sob o túneis, saindo dos buracos e vielas. Para nosso assombro ou conforto, eles habitam em nós.  
Lima menina, lima bem devagar o metal da existência, mas metal não sangra, homens de ferro são heróis, mesmo quando não são pais. Seus paus de ferro (dos homens) cospem fogo, iluminando a noite e eliminado vidas.
Lima menina, clara dos anjos, dos anjos de baixo, cutucando com espeto pontudo a zonas mais abissais da vileza máscula.
Poemas de céu e lua, lua metroplitana, lua insana vendo nosso desepero. Poemas de subemprego em supermecado, poemas de corpos jovens explodindo.
Poemas de sonho e sobrevivencia, Ana Paula Santos Risos não precisa de mim para nada.  Tem um poema dela que me impede de seguir Ana-lisando.
Homem pai que habita em mim, página 23.
Não posso sir além dessa página, eu paro sempre ali. Fiquei ali meditando as altas horas. Tenho filhas, meninas são ilhas, meninos oceanos. Homens são medidas do universo. Mesmo quando homículos dentro de casa, casa é universo, lugar de governo. Eu também sou macho, mas me machuca quando me vejo, ela me dá espelho que me mira. Meus olhos reentram em mim ( como queria Sartre em relação aos homens brancos em: Orfeu Negro)
Não é poesia, é lente de aumento para ver a vida. Não uma parte, mas as vidas todas passando lento. Sua objetiva consegue reter parte dela em forma de texto.
Não é um alento para ninguém é agressividade cadenciada.
Tudo lá, o irmão, o pai, a avó sem nome, a mãe que tosse( Empatia, pg 25).
Poemas de vida e morte e vida.
Eta neguinha bandida, me assaltou do meu conforto, me motivou.

 Anamo.teatro@gmail.com- Ana Paula dos Santos Risos

domingo, 4 de setembro de 2011

Sara Rute Barbosa: Trajetória



Ela passou sua infância e parte de seus últimos meses de vida na rua Lino Guedes, no Bairro do Ipiranga. Isso não é uma coincidência maravilhosa? Terá sido isso apenas?
Quem conhece um pouco de literatura negra brasileira sabe o que esse nome representa. Sara Rute sábia sabia. No seu curto e intenso caminho, também passaram nomes fundamentais do grupo Quilobhoje de Literatura Negra.
Na metrópole é muito raro aparecer alguém com os braços tão abertos, eu estranhei que logo nos primeiros encontros havia uma sintonia instantânea. As palavras doces, a gentileza e aquela beleza austera, pouquíssimos adereços, zero maquiagem. Nela seria apenas redundância.
Sara Rute (SESC Ipiranga2006) Néa Domingues.

A proposta de formar um grupo Vocal no Acervo da Memória partiu dela, eu só acatei e encaminhei a burocracia. Foi tudo muito rápido, audição da Miriam Makeba, conversa sobre Gospels Songs, sobre a escola de canto feminino afro-brasileiro, figuras  e vozes de Alaíde Costa, Clementina, Clara Nunes, Elizete Cardoso. Ela tinha uma voz aberta e popular de contralto, mas ao mesmo tempo um ouvido quase absoluto e uma generosidade de ouvir tudo e todos com tímpanos de “musa da guiné cor de azeviche”, como certamente diria Luis Gama, se  ele a visse.
Dos ensaios do Corafro até  a gravação do meu Cd Memórias Sonoras da Noite ( Aruanda Mundi, 2002) foi um tempo muito curto, uns 8 meses talvez. Ela acreditou de tal forma naqueles jovens, naquelas mulheres, naqueles seres cantantes, ainda que nenhum ou nenhuma, nunca antes houvesse cantando a sério antes.

Sara Rute e Corafro- SESC Vila Mariana- Evento do CEERT-
Lançamento de Salloma- Memórias Sonora da noite 2002. Alex Ribeiro

O arranjo no qual a exploração da linha principal tinha muitas dificuldades, uma delas é que exigia os limites da extensão de um tenor grave para execução, mas ela ficou encima, ouviu, ouviu, cantou , cantou, lapidou, lapidou até a exaustão. No fim quis mencionar um fragmento de  “ O Morro não tem vez”, porque achava que as duas canções tinham uma mesma fonte inspiradora, embora visões conflitantes sobre os negros e o morro.  
Sua didática e sua técnica, sua liderença conduziram o trabalho com excelência, mas a capacidade de organizar combinando rigor e docura se revelou mesmo foi durante gravação da canção “lamento ao meu morro” no Studio da Serra. Toda instrumentação já estava pronta (cordas, tambores, teclados,etc) inclusive as vozes solo (Jansem e eu) somente faltava o coral. Havia tensão e expectativa, afinal, apenas ela já havia entrado em um estúdio e todos do demais eram virgens.  Naquele contexto não haviam as tecnologias para correção de afinação tão comuns atualmente. Ficamos lá umas sete horas, saímos todos muito cansados. No dia seguinte quando ouvimos o resultado, o próprio técnico não acreditou que havíamos tirado um som tão coeso e afinado em condições tão precárias.  Ele observou também não tinha nenhuma partitura com regente ou com os vocalistas.  Evidente que nada daquilo havia sido escrito, era tudo memória  de oitiva.

Sara Rute, Salloma e Corafro Studio da Serra, 2002. Guga Fischer 
Ao longo desses anos fomos trocando sonhos e quimeras, perdas e desassossegos. A distância  do pai. A morte dele e as novas canções. A solidão. Trabalhos novos, fetos negros em úteros de cabaças e novas canções.  O trabalho duro em uma escola do Campo Limpo. Essa loucura de opção ou de falta dela, que chamamos educação pública. O câncer no útero e novas canções de esperança, mas sempre novas canções.Experimentações estéticas com novas tecnologia, uma exposição de socorro e alento na Casa Leide das Neves.


Salloma, sala Rute e Luis Galdino, Acervo da Memória e do Viver Afro - Brasileiro, São Paulo,  SP, 2001, Anônimo. 
O cansaço somente veio com as reações da quimioterapia e muitos momentos de solidão. Outro nome para solidão? Alguns a chamam pelo seu primeiro nome: morte. Para a ela não havia sentido em fazer música indivudualmente.   



Em busca dos sonhos imagéticos de Sara Rute. Correspondência coma pesquisadora Selma do RJ.
Ola Selma
Que bacana  tua pesquisa, espero poder ajudá-la. Vou escrever
livremente, de acordo com o jato de memória, tambem pode ver o que
escrevi sobre ela no meu blog. mosaico negro brasileiro blogspot,
localiza lá .

Sim Sara era de São Paulo e com muitos parentes, conheci já no final
de sua vida suas irmãs paternas e primos no hospital Perola Byngton (
não sei se é essa a grafia)  em visitas de fins de semana. A conheci
por volta de 2000, ela acabou fazendo um trabalho muito bonito comum
grupos de jovens negros lá no Acervo de Memória do Viver Afrobrasileiro no bairro  
Jabaquara. Depois atuou também com educadora na Casa Leide das Neves e
no Museu afro Brasil.
Um pouco antes de adoecer, estávamos discutindo tema um novo recorte do seu
projeto de mestrado, apresentado na PUC-SP, mas rejeitado . Também
nessa altura ela estava atuando como professora efetiva da rede
publica municipal de educação de São Paulo. Tenho seu TCC e um quadro
que ela leiloou entre amigos, em um evento que ela  mesma organizou,
creio que em início de 2011.
Enquanto tínhamos contato ela morou em quatro lugares em SP e na
grande SP. Dois apartamentos em Taboão da Serra, na casa de uma Amiga
chamada Nelci Abilel, minha amiga no facebook, voce a acha. Depois
disso foi recolhida por uma tia consangüínea  moradora do Ipiranga, no
período da quimioterapia, que durou apenas alguns meses antes da sua
morte.
Sua ultima fase criativa, me pediu uma cabaças nas quais estava
trabalhando com  argila e criando fetos depositados em úteros (
cabaças) também estava trabalhando com maquetes e miniaturas de casas
e pessoas de papelão e outros materiais. Além disso  estava também se
dedicando a usar softwears para elaboração de imagens. Era filosófica
e artisticamente uma figura tanto  inquieta plena de habilidades e
conceitos. Criava e regia musica e arranjos, cantava, dançava, pintava
e bordava era uma educadora amorosa e persistente. Acima de tudo tinha
um inteligência viva e um sentimento de liberdade que os homens
ficavam um tanto desconfiados. Foram poucos amores que eu a via  tomar
como seus e como não falava sobre, apenas notava a presença masculina
em um momento ou outro da nossa relação.
Falava com certa idealização e admiração grande  de um parceiro que
tivera , Paulo Colina e morreu , não sei em que ano de leucemia. havia
alguma dor bem pronunciada em sua fala em relação a essa perda. Colina
foi um literato negro bem conhecido no meio das literatura negras
paulistanas e talvez nacional, pois esteve presente atuante na criação
do Coletivo Quilombhoje com Esmeralda Ribeiro, Cuti e outros daquela
cena.
Ao que parece era benquista nesse circuito de negros artistas e
letrados paulistanos, de forma que quando encontrei Luis da Griot (
antiga livraria negra da cidades) ele me perguntou sobre ela, quando
soube de sua morte ficou muito tocado e começou a falar de sua figura
com admiração e zelo. Ao que me passou ambos tinham no Colina o elo de
referência, mas não posso ser categórico nisso.
Sim, a morte do pai, que morava em Campo garnde , creio a havia
deixado muito triste e ao que me pareceu em um profundo sentimento de
culpa, mas não sei detalhes.
Parte do seu material , está com sua irmão cahamada sonia, que
infelizmente não tenho contato, mas lance na rede Nelci Abilel e pode
falar em meu nome.
Boa sorte.
Abs