Cristianismo africano
na antiguidade e influências coptas no rastafarianismo.
Professor “Salloma” Salomao Jovino da
Silva (FSA) SP, Brasil.
Plano de estudo, para elaborar uma
visão de contexto da África do Nordeste na Antiguidade, como sendo o território
do cristianismo africano:
1-Construir uma introdução com base na
experiência cultural e musicalidades negras urbanas contemporânea e do reggae
como mensageiro de Axum; 2- Reler Escritos de M’Bokolo, Ki-Zerbo, História
Geral da África Negra, Sheik Anta Diop; Rever- Velho e Novo Testamentos e Escritos
de Allain Corbain e outros historiadores
do cristianismo; 3-Rever e fichar textos e biografias dos criadores do
pensamento Pan-africanista.
Um vídeo circula que na internet mostra sacerdotes coptas
dirigindo o ritual do funeral de Bob Marley (www.youtube.com/watch?v=1rJr3IlTYBg). Alunos meus ligados em música Reggae,
por vezes me abordam com perguntas complexas sobre Marcus Garvey, ligações entre os Maroons e a cultura
Rastafari, também sobre a viagem de Sellassie a Jamaica. Vez por outra também
me indagam sobre as caraterísticas
da Igreja Copta, a história da arca no Lago
Tana, a História dos falachas e muito mais. Questões que tenho demonstrado grandes
dificuldades de responder a contento.
Convivi e convivo com “Rastas” paulistas, baianos e cariocas
que adotaram preceitos da cultura popular jamaicana sob o estímulo musical do
Reggae. Mas, nem sempre, a imagem “rasta” se traduz imediatamente em adesão a
ganja, ao vegetarianismo, a vida frugal, ao anticonsumismo e os tantos
princípios filosóficos e contraculturais que caracterizam o rastafarianismo
como uma das religiosidades negras da diáspora negra.
Desde anos 1980 observo que em São Paulo e em todo país de
2000 para cá, talvez e, ocasionalmente jovens não negros adotam visual “rasta”,
sem com isso demonstrarem ter necessariamente qualquer ligação direta com o
reggae ou com a cultura Rastafari. Alguns, por motivos que desconheço, mas
aceito sugestões de Kubik (2012) e Bauman (2000) sobre identidades voláteis,
evoluem para uma identificação transracial, policultural e neohumanista bem interessante
com culturas negras. Particularmente
tendo considerar que, ao menos nível da superfície, esse fenômeno é um desdobramento
da mundialização da moda. Uma vez esgotando o repertório visual do ocidente a
indústria de vestimenta juvenil vai buscar inspiração em “culturas exóticas”.
Isso não é bom nem mal em si mesmo, é a
onda e nada mais. Mas, se a moda diz muito da sociedade contemporânea porque
não olhá-la também com olhos de intensa curiosidade?
O gênero musical reggae foi mundializado, sobretudo, pela performance
estética e musical dos Wailers, sob a regência principal de Peter Tosh e Bob
Marley, mas é muito mais que canções para embalar surfistas profissionais
arianos queimados de sol. Não se pode desconsiderar que tal gênero foi inserido
na indústria do disco e do entretenimento globais, desde finais dos anos 1970.
Entretanto reduzi-lo apenas a isto é desconsiderar por completo a dinâmica
daquilo que tem sido chamado, grosso modo, de contracultura negra , ou de
cultura negrodiaspórica contemporânea .
Quando apresento em aula as imagens de grandes pesquisadores
negros jamaicanos como Stuart Hall e Paul Gilroy e, brasileiros como o
antropólogo paulista Carlos Rodrigues (Carlão do Maranhão) e da socióloga
Gevanilda Santos, meus alunos demonstram surpresa por sua aparência com
dread-locks. As tranças (“típicas” jamaicanas) masculinas e femininas além de
fazerem parte de um visual negro utilizado como forma de afirmação identitária,
dos anos 1970 em diante se constituíram uma referência simbólica, nem sempre
direta e obvia à contracultura e ao que Gilroy chamaria da Modernidade
dissidente, ou modernidade negra.
Ao buscar informações especificas sobre o cristianismo
africano do Egito, Etiópia e Sudão na antiguidade e sobre a liturgia copta na
atualidade, tenho me decepcionado com a quase total ausência de materiais
bibliográficos, não somente em língua portuguesa. A constatação obvia é que o
mercado editorial brasileiro e mundial continua sendo marcado por um eurocentrismo
doentio. Se devido a pressão atual
exercida por um setor da classe média negra escolarizada, passou a se editar no
Brasil, temas sobre a África genérica, contudo, estes temas a inda não incidem
sobre a região nordeste, ou seja a costa
leste africana banhada pelo Mar Vermelho. (Segundo informação do pesquisador
Rafael Galante, exceto os materiais didáticos do Ensino fundamental do Estado
do Paraná, encontra-se alguma ênfase ao império de Axum).
Diante disso há não outra maneira, senão recorrer às fontes
bibliográficas, nem sempre confiáveis, disponíveis na rede web: sites oficiais
de embaixadas, blog de turismo étnico e blogs de estudiosos não acadêmicos.
Restam ainda os bancos de teses de universidades europeias e estadunidenses,
agora disponíveis, mas onde este tema também é parco, além de tudo sou capiau e
periférico com pouco acesso, ou malversado na língua de outros colonizadores,
que não os portugueses. Diante disso também lancei mãos as publicações em
língua portuguesa sobre História global da África na antiguidade, em especial a
Coleção da Unesco recentemente republicada no Brasil, História Geral da África e autores como Joseph
Kizerbo, John Reader, Jonh Illife, Cheik Anta Diop e Elikia M’Bokolo,etc. Por
fim recorri também a literatura teológica e de História das religiões em
especial história do Cristianismo e da expansão do Islamismo, para deduzir dai
informações sobre as barreiras a penetração do islã e conflitos religiosos decorrentes
disso, nas margens oeste do Mar Vermelho a altura do século IX.
Este texto tem natureza didática e esse é também seu principal
objetivo, ou seja, um esforço em apresentar uma abordagem inicial sobre a
formação e permanência de filosofias religiosas cristãs mantidas em comunidades
do nordeste na África entre os séculos II e XVI e, no limite, tentar entender o
lugar da religiosidade copta na formação do rastafarianismo. Portanto não tenho
certeza se chegarei a aqui, a refletir sobre as influências etíopes na cultura
jamaicana, nem sobre a difusão mundial do rastafarianismo, ou mesmo sobre a
trajetória e concepções sobre emancipação negroafricana de Marcus Garvey.
Esta interpretação é demarcada por minha experiência frente a
formação familiar onde um cristianismo protestante pouco ortodoxo, conviveu com
religiosidade tradicionais da mátria africana, leituras esotéricas de bolso e
uma série de textos da contracultura como Gurdjieff, Carlos Castañeda e Herman
Hesse. Quero dizer, meu imaginário religioso, antes do contato com o
anticlericalismo e o materialismo histórico foi bastante inundado por tais
referências.
Meu interesse é político e intelectual, além de aprender e
ensinar história de frente para ao Atlântico, também recai na intenção de
diálogo crítico com as forças políticas, midiáticas e econômicas fundamentalistas
cristãs, de orientação neopentecostal emergentes no Brasil. Ao evidenciar a
constituição primeira de um cristianismo múltiplo e africano, antes daquele
disseminado na expansão ocidental, espero lançar ácido corrosivo nos
preconceitos tolos e convenções esgarçadas, mas duradouras, sobre pertinência
das guerras santas e intolerâncias renovadas contra as religiosidade negras não
cristã.
Além desses fatos recentes mencionados, quais a relações tem
tido os negros brasileiros com a África oriental norte, acima do chifre, ou as
margem do Nilo e do Mar Vermelho? Essas relações são simbólicas e algumas
poucas vezes diplomáticas, outras vezes as duas coisas ao mesmo tempo. Um
exemplo disso tem a ver com a memória com um evento cultural e político
ocorrido do outro lado Atlântico, no ano de 1966, e que conto a seguir.
Entre as memórias da cantora Clementina consta que
participava do Festival de Artes e Culturas Negras em Dacar, capital do
Senegal, onde, a convite da diplomacia brasileira, deveria representar ao
acento africano da nossa “música popular”. Em um almoço oficial, mas,
descontraído, Clementina foi abordada em língua estrangeira, por um cidadão
muito elegante, segundo ela mesma. Diante da dificuldade da comunicação linguística
e como tocava uma boa música ao fundo, a grande dama da música negra
brasileira, tirou o homem para uma dança. A comitiva brasileira toda se pôs de
pé, avexada e provavelmente constrangida. Afinal seu par era nada menos que um
dos homens mais influentes na política internacional do continente africano, ao
menos aquela altura, chamava-se Haile Selassie, e era o rei da Etiópia.
Esse encontro selava uma reaproximação simbólica de uma nova
África resultada da dispersão sistemática de africanos pelo mundo desde o
século XV e uma África histórica e profunda, para a qual a Etiópia
contemporânea podia muito bem representar,
uma espécie de elo perdido com a as primeiras formações estatais do continente.
Essas aproximações simbólicas atravessaram toda segunda
metade do século XIX, quando cordões carnavalescos baianos e protoafoxés,
levavam estandartes saudando o imperador Menelik II e suas façanhas militares
contra invasores europeus. Foliões se autodenominavam súditos dos Negus,
sinônimo de soberano, enquanto Menelik aparecia também em São Paulo como título
de jornal da comunidade negra.
Esses simbolismos Africanos Cristinos poderiam ser levados a
seu limite se, por exemplo, investigássemos a assimilação no Brasil do Culto de
São Jorge, patrono da Etiópia Imperial. Ou se conhecêssemos os descaminhos
percorridos pela mãe de Jorge Benjor, da Adis Abeba até o Rio de Janeiro na
primeira metade do século XX. Não, não há registro, nem menção fiável de que
africanos da parte norte da costa oriental tenham sido capturados pelos
traficantes transatlânticos e remetidos aos portos brasileiros entre os séculos
XVI e XIX. Mas, não seria de tudo estranho se surgisse algum indício de tal
fato, no aprofundamento sobre as rotas ocidentais dos capturados nas costas
índicas e nos portos do Mar Vermelho.
As conclusões mais imediatas é que, diferente do que querem
fazer crer os intérpretes dogmáticos, em primeiro lugar, o cristianismo não
constitui um bloco monolítico de crenças, filosofias, rituais e valores
religiosos, que atravessa o tempo e espaço mantendo-se intacto, sendo sempre
igual a si mesmo há 2.000 mil anos.
Em segundo lugar o cristianismo católico ibérico que foi enviado
para costa ocidental da África e para o Brasil através de Portugal e para toda
geografia da América Latina via Espanha,
quase nada tem a ver com o cristianismo africano da costa oriental, cujos preceitos
fundamentais ainda podem ser observados em comunidades cristãs de uma longa faixa de terras, banhadas pelo
mar da Eritréia, onde hoje encontram-se países de maioria muçulmana, com
exceção da Etiópia.
Que países hoje ocupam o espaço geográfico das antigas
sociedades cristianizadas da África oriental e qual sua situação no contexto
africano atual?
Estes países nominalmente são: Sudão e Sudão do Sul,
Eritréia, Djbuti, Egito, Etiópia e Somalia. Aguardem
mais.