Os sons que vêm das ruas
A música como lazer e sociabilidade da juventude negra em São Paulo[1].
Amailton Magno Grillu Azevedo
Salloma Salomão Jovino da Silva
... saudações a todos os manos.
Ocupem seus lugares e estejam à vontade
pra presenciar a manifestação
maior da cultura de rua...[2]
R.Z.O. -Um poder a mais-
Em meio à diversidade de modos de viver que se constituíram na cidade de São Paulo, principalmente após a abolição oficial da escravidão, ou seja do limiar do século XIX em diante, encontra-se aqueles referentes as populações negras.
Aparentemente a rotina da urbanização dominou o cotidiano paulistano. Observa-se que entre as memórias da cidade há uma redundância nas retóricas do desenvolvimento tecnoindustrial e nos projetos arquitetônico e urbanísticos, sinônimos de progresso e desenvolvimento social. Nesses os seres humanos figuram como mero detalhe ou adereço, muitas vezes indesejável. Tais imagens que se projetaram até mesmo nos habitantes do setores mais excluídos, que agora buscando integração nos processos de usufruto da cidade, tentam legitimar algumas memórias selecionada nos escaninhos oficiais e, apagar outras.
Por essa razão mesmo os mais avisados especialistas e estudiosos da cidade, se surpreendem quando identificam territórios que antes eram apenas cogitados como espaços privilegiado da gente branca ou de ascendñecia européia. Os primeiros memorias-monmentodos, ficam e balançam as bandeiras do seuro-mamelucos desbravadores, depois do fazendeiros dos cafezais e por fim dos vitoriosos imigrantes mais recentes, entre os quais os italianos aparecem com mais proeminência.
Quando se afina o olhar, no entanto, mesmo no silêncio da escrita, se pode flagrar os indícios dos passos e ecos das vozes de outras gentes, entre estas consta o povo negro e chegando mais de perto, se pode perceber sua ruidosa presença, como teria feito pioneiramente Raquel Rolnik.
Não bastasse a tentativa de construção de uma memória pretensamente homogênea, São Paulo não a cidade, mas quem nela vive ainda tem que conviver com sua suposta inaptidão musical, ao carregar o famoso título de Túmulo do Samba.
No entanto, tradições inventadas e resignificadas na cidade, tem encontrado refúgio e apoio político em trabalhos que buscam outras presenças e memórias múltiplas que também compõem as histórias da capital paulista, como, por exemplo, no “ Nem tudo era italiano”[3] de Carlos José Ferreira dos Santos, quando identificou outros sujeitos, como os trabalhadores nacionais e entre eles os pretos na metrópole. Em “Sonoridades Paulistanas”, José Geraldo Vinci de Moraes[4], nos possibilita notar as “vocações” musicais dos negros e pobres viventes da cidade na virada do século.
São sonoridades herdadas dos escravizdos, sobrevivências de práticas musicais africanas, que propiciou a emergência de estilos de música e dança urbanas que podem ser definidos como sambas e batuques paulistas.
Estas formas de cultura musical emergem em contraste com o expresso desejo dos governantes paulistas de branquear o estado, São Paulo foi o estado que mais levou a fundo as políticas de imigração subsidiada, sabe-se hoje que mais da metade dos imigrantes europeus que entraram no país entre 1888 e 1928 tiveram este estado como destino.[5]
Mergulhadas numa cultura avassaladora metropolitana, os hábitos correntes de preservação e destruição de memórias são faces da mesma moeda e, os pretos paulistanos livres e ex-escravizados, herdeiros somente da sorte e mestres na capacidade de improvisar, de gestar jeitos de sobreviver em territórios e condições adversos, souberam também burlar o esquecimento, grafando seus sonhos e gestos de outras formas.
Tanto antes como depois de maio de 1888, se tem usado muito dos espaços ditos públicos, como ruas, praças e galerias para criar e recriar culturas e tradição musicais, e como as práticas musicais fazem parte da própria vida, estiveram presentes nos momentos mais ordinários, como também naqueles em que se projetaram movimentos, organizaram-se grupos, associações, partidos, cooperativas, associações e irmandades. Muitas vezes foram projetos silenciados, na relação com os donos da cidade, parte da elite política e econômica.
“Até essa época , no início do século, a rua era o principal meio de subsistência dos pretos e dos pobres, era também lugar de manifestações culturais, de tensão e de conflitos sociais latentes. Os defensores da moral, dos bons costumes e da “civilização” passaram a classificar as manifestações culturais e religiosas dos pretos como baderna e algazarra, cobrando das autoridades competentes que pusesse a polícia a cuidar das pequenas concentrações de pretos , sob o argumento que estas quase sempre descambavam para o lado do crime.”[6]
Nas primeiras décadas do século XX, quando passada a euforia dos abolicionistas e assentada a poeira das promessas da proclamação da Repúlica, os pretos de São Paulo rapidamente entenderam a natureza das mudanças, principalmente quando a cidade inchou de imigrantes pobres, trabalhadores excluídos da Europa, ou daquela que tardiamente buscava uma via rápida para modernidae. Essa devia ser um estrada sem conflitos sociais.
Tensões e trocas culturais alternadamente se operaram nos espaços comuns de luta pela sobrevivência, do trabalho ao lazer e até na mendicância. Como as elites preferiam os trabalhadores brancos para todo e qualquer tipo de serviço e os anúncios de jornal não dissimulavam tais preferências, a tensão era constante como dissimulada. No entanto a cidade pôde assistir na década de 30 a formação da mais expressiva experiência política que os pretos brasileiros puderam realizar, a formação da Frente Negra Brasileira.
Inicialmente apenas um grupo político inespressivo, transformou-se em partido, construiu unidade, equalizou diferenças ideológicas, mobilizou pessoas para muito além das fronteiras estaduais. sendonão durou muito e foi cassada pelo governo ditatorial de Vargas, juntamente com os demais em 1937.
As associações negras, eram geralmente organizações de ajuda mútua e haviam muitas delas pela cidade, promoviam bailes e festas em ocasiões pontuais ou especiais, não raro cada uma tinha como obrigatório seu próprio grupo musical, naquela época denominado Regional, que tocava choro , sambas, marchas carnavalesca e sucessos musicais veiculados pelas rádios AM da cidade. Acima de tudo se recriavam canções populares advindas do tempo do império e sustentadas sobre celulas rítmicas seculares, que ecoavam em meio as influências de Rag-time.
Estes grupos também tomavam parte nos cordões, antes de surgirem as escolas de sambas, fazendo também serenatas, saraus e animando bailes familiares e de salão. Em uma passagem pela cidade Claude Levistrauss narra um curiosa situação, na qual ele e Mário de Andrade recebem permissão, para entrar em uma casa de uma família negra. A condição entretanto é que não poderima sair sem antes dançar com a damas, negras. Certamente ele e Màrio não entenderam a mensagem contida em tal condição, mas nós sim.
Aristides Barbosa professor e jornalista ex-rmilitante da Frente Negra Brasileira na São Paulo dos anos 30, participou do regional da FNB que reunia instrumentistas das cordas , vocal, percussão e sopro. Em um livro de memórias de velhos militantes, lembrando-se do ambiente daquela época, nos relata o seguinte:
“O regional era uma coisa de jovens. A gente tinha essa necessidade de se divertir, ir a bailes. Uma noite fomos tocar em Santana. Um guarda civil chamado fausto deu uma festa e foi buscar a gente de carro na Rua da Consolação. Ele gostava muito de mim, do Abelcio também. A festa deixou todo mundo bastante feliz e, quando saímos de madrugada, descemos a voluntários da Patria todinha cantando um samba. Lembro até hoje: Quero ver o sol nascer/ no meio da batucada/ batucando com você/ quero ver o sol nascer...Descíamos o morro de Santana cantando. O Cásper pegava num cavaquinho e esquecia, aí a gente cantava assim: Branco aqui não mete a cara / quero ver o sol nascer/ o samba é coisa muito rara/ batucando com você(...).[7]
O depoimento é, portanto, da mesma época em que, de um lado havia a imigração para branquear o país e, São Paulo desesperadamente perseguiu tal objetivo, enquanto que do outro lado consta os discursos oficiais dos intelectuais, que tentavam sustentar que no Brasil não havia racismo ou qualquer tipo de discriminação contra as populações descendentes de africanos.
A cidade seguiu seu curso, mas a letra do samba gravada na lembrança do velho militante e, que aqui fazemos nossa memória, também nos deixa entrever as lutas silenciosas, os conflitos e confrontos enviesados nas ruas, vielas e becos, de uma cidade cindida, composta de fragmentos de culturas e identidades que ela teima em ocultar.
Dentre as maneiras de tornar a vida possível diante das adversidade, os pretos tem dedicado especial atenção a música, um canal fundamental para criar formas de sobrevivências e sociabilidades, entendida como expressão étnica e ao mesmo tempo diversão, cultura e arte.
São referências vem de longe, como das rodas de pernada e samba do final do século passado, está nos cordões carnavalescos dos primeiros anos deste século, atravessa as atividades das sociedades e associações negras, se fazendo presente na formação das escolas de samba nos anos 60. Falamos de um acúmulo de experiências socioculturais específicas, que emergem do viver urbano, determinando-o e sendo determinado por ele, viver constituído a partir de uma perspectiva étnica, onde figuram interações entre culturas distintas quando é possível diálogo. Quando não o é, resignifica-se tradições, ideologias e religiosidade para um encontro regido pela comum ancestralidade.
Enter os estilos musicais mais recentes, movimento o black soul, inesperada e rapidamente aglutinou a juventude negra urbana nos anos setenta, isso ocorreu também e São Paulo e foi visto com muita desconfiança pelos veículos de comunicação tal como que acontece atualmente em outros níveis com movimento Hip-Hop.
Principalmente porque não havia naquela época, aos menos no início, nenhum grande empresário de espetáculos por trás dos eventos, que começaram nos fundos de quintais, pouco a pouco foram ganhando as ruas e depois os salões de baile dos bairros periféricos, quando de repente tomaram de assaltos os clubes chiques e ginásios de esporte virando moda.
Os mesmos veículos de comunicação que desdenham dos pequenos eventos e torciam o nariz, para as hordas de jovens negros que, coloridamente enfeitavam as noites da metrópole, na época do movimento Black-soul. Temiam a boca miúda a penetração da ideologia dos Panteras Negras, que pregava entre outras coisas, a legitimidade do uso da violência contra as atitude racistas.
As equipes de som eletrónico que animavam os bailes dos anos setenta cresceram, algumas se tornaram importantes selos de produção musical, foram fundamentais para a formação do público consumidor, dos grupos jovens de samba paulista como Cravo e Canela, Sem compromisso , Negritude Junior e outros, mas também abriu caminho para a entrada da geração de sambistas cariocas na ativa desde os anos 60 e setenta , como Martinho da Vila, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e Leci Brandão.
Os grupos do estilo Rap também se beneficiaram da estruturação destas equipes, que produziram os primeiros discos de rap em produções baratas na forma de coletâneas, onde se agregavam os participantes dos cansativos festivais competitivos. Tendo sido a Eldorado a única gravadora de médio porte a produzir antes da entrada da década de noventa um disco de rap.
O surgimento do movimento Hip –Hop em São Paulo passa quase obrigatoriamente por esses caminhos, ou descaminhos se pensarmos nas suas dimensões atuais porque sabemos os primeiros contratos entre estes selos e os rappers, eram verdadeiras armadilhas para os grupos, que ficavam enredados numa trama macabra de vampirismo, sem saber quantos anos restavam de contrato, sem ter o mínimo controle sobre os discos vendidos, sem recibos dos custos de produção etc. Por isso, hoje é saudável se ouvir falar em produções cooperativadas.
Atualmente os protagonistas do Hip-Hop paulistano, alguns já notados logo nos primeiros anos da década de 80, como Nelson Triunfo, Marcelinho, Thaíde, Hélio, Cícero, Marcelo Pinguinha, Luizinho, Dj Hum, demonstram a resignificação de uma tradição entre os pretos paulistanos, tornando a rua como território para se a viver, se divertir, encontrar os manos, sobreviver e fazer arte.
Reivindicam o status de Cultura de Rua para suas práticas, ao passo que muitas outras formas culturais sonham com a nobreza dos salões. Não ligam a mínima para quem inventou a palavra (Kulture), mas a empregam no seu sentido correto para situar uma opção política e social, anunciam sempre o lugar de onde estão falando, para que o ouvinte não nunca se sinta enganado, é um diálogo direto, mas traz metáforas surpreendentes e plenas poesias.
O Hip-Hop paulistano praticado por pessoas comuns, com as suas formas artísticas, a dança de rua breack, a pintura mural graffitada e a música rap, tem deixado registros dançando, pintando, compondo e interpretando os raps, uma memória urbana e recente de um grupo específico, que habita um lugar específico na cidade que são os pretos pobres e os pobres residentes nas periferias e favelas paulistanas.
Quando ainda só dançavam, as esquinas das ruas Dom José de Barros com a 24 de Maio no centro serviam de ponto de encontro, apropriado por Nelson Triunfo e o grupo Funk Cia, que se auto-intitularam como os iniciadores da cultura Hip-Hop em São Paulo, e reconhecidos na narrativa histórica elaborada sobre o movimento.
Nelson viveu e testemunhou como muitos, os grupos de dança, que tomavam as ruas como território preferencial de deixar registrado os passos de breack na cidade, dançando onde achavam necessário, sem preocupar-se com um lugar fixo nos primeiros anos da década da 80, pelos menos até a ocupação do largo São Bento por volta dos anos de 1984/85.
Testemunhou também as experiências vividas com o lazer durante os anos 70, da geração do black-soul em diversos lugares tornados espaços de gente preta quando se tratava de dança e diversão, como está registrado com o largo São Francisco, a rua Direita e a Galeria 24 de Maio na rua 24 de Maio.
Espaços fechados serviram também como ponto de dança e diversão, como foram os salões de dança espalhados pela cidade entre os quais estavam: o Guilherme Jorge na vila Carrão, o Maringá Dance na vila Guarani, o La Croati no Jabaquara, o Astro na cidade Ademar, o São Paulo Chic na Barra Funda, o Alepo no Brooklin, o Embaixador na avenida Celso Garcia, a Casa de Portugal na Liberdade e o ginásio de esportes do Palmeiras, na Pompéia.
O black-soul paulistano, tinham nas equipes de baile como a Chic Show, Kaskatas, Zimbábwe, Black Mad, Transa Negra, Soul Humanitê, Watergate, The Brothers of soul, Força Negra, Ademir Fórmula 1, Galloti, Os Carlos, Os Primos, Musicália, Tropicália, J.B.S, Soul Trine, Soul Power, Black Board, traço importante dessa vivência dos bailes junto com os músicos e o público.
Foram espaços vazios, que quando ocupados transformavam-se em territórios[8], pois sentimentos os mais variados eram expressados por pessoas que encontravam nesses eventos a possibilidade de evocar tradições nascidas do samba e reinterpretá-las em novas formas como assim foi o tão cantado e dançado samba-soul de Tim Maia, Jorge Ben, Cassiano, Bebeto, Banda Black Rio, Gérson “King” Combo.
A geração do rap herdou de certa forma esse repertório musical, resignificando os sons do tempo do soul, para transformar em rap nos anos 80 e 90, pois os praticantes do Hip-Hop experimentaram e viveram esse modo de se divertir.
Eu jogava em um time que os caras do primeiro quadro já curtiam um som. A rapaziada levava um rádio gravador, escutava um samba e sempre um lado da fita era balanço. Eu tinha 11 anos e na época se curtia música soul, James Brown, Chocolate Milk e falo isso de memória, pois escuto os discos hoje e lembro dos bailes que ia. Mas em 1980 eu comecei a fazer festas com um (três em um ) a adquirir discos e eu muito sintonizado nos programas de rádio fui sacando as viradas, as mixagens. Não tínhamos pick-ups com pitch e então improvisávamos com borrachinhas esponjas molhadas no dedo e íamos fazendo o lance. Em 83, eu já curtia Kurtis Blow e os funks falados que apareciam e eu me empolgava com esse tipo de música. Quando começou a pintar esse lance do rap junto do breack, pintou um monte de festinha para eu fazer na vila e foi onde eu comecei a desempenhar meu trabalho. Vi o Malcon Mac Laren saquei que dava pra fazer músicas com discos.
Humberto, de nome artístico Dj Hum, como os artistas ligados ao Hip-Hop, possui a herança de ter experimentado o samba e o soul enquanto repertório de escuta, mas fundamentalmente como registros históricos de sonoridades não contemporâneas ao tempo do rap, que formaram um fundo musical para a produção do rap feito no Brasil.
Registros históricos, vividos através de algumas formas de sociabilidades de diversão como os jogos de futebol ou as festinhas que aconteciam nas vilas e que se transformaram em possibilidade de ganhar a vida assumindo enquanto profissão como aconteceu com Dj Hum, Dj K.L.Jay, Dj Fresh, Dj Negro Rico.
O largo de São Bento na estação do metrô, foi o lugar aglutinador das pessoas envolvidas nesse fazer artístico urbano de dançar e cantar na rua, onde os participantes puderam dar nome e significado ao local que protegeria “a origem” da mais nova tradição constituída no ambiente metropolitano, alimentada todos os domingos à tarde.
Local dominado pelos dançarinos, chamados de B.Boys, os músicos chamados de MC’s resolveram apropriar-se da praça Roosevelt por volta do ano de 1989, onde puderam ter mais oportunidade de discutir sobre música, já que o largo era o lugar da dança.
Frequentando o largo de São Bento ou a Praça Roosevelt, o fato que os B.Boy, MC’s e Dj’s tinham na Galeria 24 de Maio um ponto de encontro onde estavam localizadas as lojas de discos, das vestimentas e os salões de cabeleireiros black, que serviam para estar em dia com o mundo do Hip-Hop ou apenas para trocas de idéias.
A ocupação desses territórios de certa maneira não esteve associada a um tipo de organização racionalizada e planejada, mas por necessidades de apropriação espontâneas dando novos significados a espaços da cidade pelo menos entre os anos de fundação do largo entre os anos de 1984/5 a 1989, tempo de fundação da praça como um dos locais vividos pelos Hip-Hoppers.
O que parece é que inventaram, nesses locais as micro-cidades com vidas específicas, desdenhando do projeto racional que é a cidade-conceito pensada para um sujeito universal e anônimo[9], homogêneo e a-histórico.
Esses foram os terrítórios tornados locais de arte que deram visibilidade à grupos de jovens pretos e pobres. No final dos anos 80 e início de 90 o Hip-Hop, a partir dos rap’s de Thaíde e Dj Hum, Racionais MC’s, D.M.N, outras novas cidades foram emergindo sob o símbolo duplo da periferia/favela e revelando modos de vida mergulhadas na pobreza. Nesse período nascia o rap chamado “político” diferente daqueles produzidos na década 80 denominado “animação”.
Seria o rap político que iria revelar histórias pessoais ou coletivas dilaceradas pela tristeza, lamento, soluços, choros ou alegrias, diversões, sorrisos, vivido pelas pessoas que habitam as novas periferias formadas com o surto industrial dos tempos de Getúlio e Juscelino nos anos 50[10].
Será nos anos 90 que os desajustados, favelados, ladrões, meninos de rua, pretos, prostitutas, pobres, detentos, ex-detentos deixarão de ser vítimas do engodo da industrialização e crescimento urbano da cidade mais rica do Brasil, e passarão a ser, nas letras de músicas, personagens e principais protagonistas de suas histórias e de suas memórias.
“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã
Aqui estou mais um dia, sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar, com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel, estraçalha ladrão que nem papel...
Cada detento uma mãe, uma crença, cada crime uma sentença
Cada setença um motivo, uma história de lágrima
Sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio, sofrimento
Desprezo, desilusão, ação do tempo, misture bem essa química
Pronto: fiz um novo detento...”
Racionais MC’s- Diário de um Detento[11].
[1] Esse artigo baseia-se no livro- Um Mundo Preto Paulistano de Azevedo, Amailton Magno Grillu e Silva, Saloma Salomão Jovino da, Aruanda Mundi, Itapecerica da Serra, 1999.
[2] R.Z.O. - CD: Todos São Manos- selo/Cosa Nostra, São Paulo, 1999.
[3] Santos, Carlos José Ferreira. Nem tudo era Italiano: São Paulo e Pobreza ( 1890-1915), Editora Anna Blume-Fapesp, São Paulo, 1998.
[4] Moraes, José Geraldo Vinci de. Sonoridades Paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo- final do século XIX ao início do século XX, Funarte, R.J., 1995.
[5] Andrews, George Reid. Negros e brancos em São Pauulo, trad.Mgda Lopes (1888-1988), EDUSC, Bauru,1998
[6] Azevedo, Amailton Magno Grillu de e Silva, Saloma Salomão Jovino da, Um Mundo Preto Paulistano, Aruanda Mundi, Itapecerica da Serra, 1999.
[7] Depoimento de Aristides Barbosa in: Frente Negra Brasileira: depoimentos/ entrevistas e textos: Márcio Barbosa; organizador Quilombhoje. São Paulo:Quilombhoje, 1998.
[8]“Contrapondo-se a noção de espaço à noção de território, há uma relação de exterioridade do sujeito em relação ao espaço e uma ligação intrínseca com a subjetividade quando se fala em território. O território é uma noção que incorpora a idéia de subjetividade. Não existe um território sem um sujeito, e pode existir um espaço independente do sujeito. O espaço do mapa dos urbanistas é um espaço, o espaço real vivido é o território”. Rolnik, Raquel. História Urbana: História da Cidade? in: Fernando, Ana e Gomes, Marco Aurélio de Figueiredo (org). Cidade e História: modernização das cidades brasileiras no século XIX eXX, Salvador, Faculdade de Arquitetura, Unviersidade Federal da Bahia/Mestrado em Arquitetura e urbanismo, 1992.
[9] Certeau, Michel. A invenção do Cotidiano: artes de fazer, Vozes, 2º edição, Petrópolis, 1996, p-173.
[10] Sader, Ëder. Quando novos personagens entraram em cena: experiência e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo- 1970-1980, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988, p-61.
[11] Racionais MC’s- CD: Sobrevivendo no Inferno, selo/Cosa Nostra, São Paulo, 1997.
Extraído do livro inédito: UM Mundo Preto Pualistano de Salloma Salomão Jovino da Silva e Amailton Magno Azevedo, Porfessor da PUC-SP.
Texto Publicado originalmente IN: ANDRADE, Elaine Nunes de. (org.). (1999) Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus.
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