CIRCONOVESSSÊNCIA
Mitologia pessoal e arqueologia dos afetos plantados na metrópole. Ou O Presente do passado.
Por Salloma Salomão
Na
primeira metade dos anos 1980, ainda em clima de abertura política e várias
incertezas sobre o futuro do país, jovens da zona sul de São Paulo encontravam
nas atividades culturais desenvolvidas nas escolas públicas, bares e igrejas,
os únicos abrigos e canais de veiculação das suas artes e também de suas
ansiedades e sonhos. Os festivais música, poesia e teatro eram organizados por
grupos informais, centros cívicos e grêmios estudantis e realizados nas escolas
privadas como Colégios Objetivo, Radial e Santa Inês como públicas Alberto
Conte em Santo Amaro Osvaldo Aranha e Enio Vos no Brooklin e na região da
Capela do Socorro nos colégios estaduais Dom Duarte, Vieira de Moraes e Salote.
As
paróquias católicas mais ativas política culturalmente eram coordenadas por
Padres orientados pela teologia da libertação como Pegoraro, Luis e Lourival
Gatão na região de Capela do Socorro e Grajaú e outros ainda nas regiões de
Campo Limpo, Vila Santa Catarina e Jardim Ângela e Vila Remo. Essas igrejas e
mais tarde as praças públicas (sobretudo Largo do Campo Limpo, Praça da vila
São José e Praça Floriano Peixoto serviam para encontros, ensaios, pesquisas e
apresentações cênicas, musicais e artísticas em geral.
Foi
justamente nesse ambiente que surgiu a banda denominada Circo Novessência,
inicialmente formada por Salloma, Luiz Rosa, Ney Capenga, Marco Boca, Marlene
Miranda, Edu Schultz e Satranga de Lima. Com esse formato participaram dos
festivais de Americana-SP, Itapecerica-SP e nas escolas da região e conceberam
uma estética que pretendia romper as barreiras existentes entre teatro,
literatura, música e a dança.
De alguma forma todos partilham um mesmo sentimento onde o medo da repressão e o sonho da liberdade lançado no horizonte se misturavam. Rashinish (Osho) espalhava seus monges vermelhos pelas capitais, enquanto a Liberdade e Luta captava os meninos para suas hostes. individualismo e democracia possível se misturavam com a Rota nas vielas e os pés de pato (matadores de aluguel) agiam livremente nas quebradas. Havia também um largo consumo de cigarros e outras substancias, principalmente as canabis vinda do nordeste e ou das latas achadas na praia. Todo esse clima figurava ao lado do início da teceirização e automação, da inflação e custo de vida altíssimo e uma terrível falta de emprego.
De alguma forma todos partilham um mesmo sentimento onde o medo da repressão e o sonho da liberdade lançado no horizonte se misturavam. Rashinish (Osho) espalhava seus monges vermelhos pelas capitais, enquanto a Liberdade e Luta captava os meninos para suas hostes. individualismo e democracia possível se misturavam com a Rota nas vielas e os pés de pato (matadores de aluguel) agiam livremente nas quebradas. Havia também um largo consumo de cigarros e outras substancias, principalmente as canabis vinda do nordeste e ou das latas achadas na praia. Todo esse clima figurava ao lado do início da teceirização e automação, da inflação e custo de vida altíssimo e uma terrível falta de emprego.
Os
temas das canções variavam da política à filosofia, da cultura negra e ao
espiritualismo, enquanto as melodias e harmonias deixavam escapar influências
de Milton
Nascimento e dos arranjadores do Clube da Esquina. Os
arranjos flertavam com o jazz-rock do Jetro Tull e astros da chamada MPB,
sobretudo Ney Matogrosso e o extinto Secos e Molhados. Tambores, violas, contrabaixos,
guitarras e flautas timbravam para os desenhos vocais que ansiavam recriar
contrapontos dos grupos vocais em ascensão, a exemplo do Boca Livre.
Mais
tarde vieram as contribuições de Antonio Braga, Maga Lieri, Jones Cabral,
Matias, Geni Isidoro e Akira S.. Com este time percorreram a grande São Paulo
realizando apresentações em bibliotecas, escolas, igrejas, associações de
bairros e centros culturais. A vida seguiu seu indecifrável curso, uns migraram
para longe do país, outros para outros estados, uns mergulhados nas lutas
cotidianas, outros subsumidos em combates com seus medos e fantasmas próprios,
mas todos percorrendo os misteriosos caminhos da existência artística no mundo.
Passadas
três décadas, desse período efervescente restaram muito mais que algumas
fotografias esmaecidas pelo tempo, sobretudo os vínculos de afetos que as
contradições humanas e nem o tempo não foram capazes de esgarçar ou romper. Há
também umas duas dezenas de canções que marcaram profundamente as vidas
daqueles jovens e do público que teve e oportunidade de assistir suas
performances memoráveis.
As
tecnologias de comunicação e produção contemporâneas emergem como espaço de
confluência e encontro, assim possibilitando a conexão e objetivação entre os
desejos que ainda pulsam. Este projeto visa recuperar parte do repertório
poético-musical do Circo Novessência, com a participação física ou virtual de
pessoas que estavam presentes na cena da primeira e da sua segunda formação,
assim como dos descendentes daqueles e outros colaboradores. Essa arqueologia
musical nada tem de saudosismo, melancolia, ou ainda de apego a um passado
irretocável. Antes, vem da certeza de que toda produção cultural e criatividade
contemporânea somente é possível em virtude desse passado recente e da
experiência cultural acumulada, ainda que perifericamente, pelos agentes e
protagonistas de várias tribos, inclusive do Circonevessência.
A realização dependerá do apoio de dezenas de pessoas, a
concepção e produção do Cd é de Salloma Salomão, os arranjos de Luiz Rosa e a
seleção musical e documentação de Daniel Fagundes. Trata-se de uma ação
cultural independente, seu resultado será fruto da vontade coletiva, mas poderá
contar apoio institucional, na medida da disponibilidade, mas não como
pré-requisito. Aliás, o pré-requisito essencial, tal como no passado, ainda é a
vontade humana. Salienta-se que uma eventual captação de recursos via editais,
poderá viabilizar reuniões dos parceiros, apresentações de lançamentos e
produção de um livro e documentário em DVD sobre o processo.
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