Cidades Submersas
Vivem no fundo das
águas brasileiras, cidades castigadas no seu orgulho. Em certos momentos vozes
de seus encantados habitantes ressoam em cantos, atravessando os ares sons de
clarins, rufos de tambor; gritos, aclamações, aplausos, rumores confusos de
festas, batalhas , préstitos.
Câmara
Cascudo
Acredito que o sonho
dos fotógrafos verdadeiramente humanizados (especificamente os que se envolvem
por via da imagem com o calor ou frio do mundo) é capturar os espíritos das
coisas, por meio daquilo que as câmeras permitem. Efetivamente são incapazes de
revelar coisa alguma, mas pela técnica de captura dirigida, pela imagem
recolhida e retida em papel ou qualquer outro material, ainda podem sugerir
algo sobre nosso desejo. Então a imagem fotográfica teima em querer nos iludir
(e nós gostamos disso) com a verdade daquilo que foi, no exato instante que a íris vazou a luz na câmara escura. No fundo nos permite ver
ou antever, tudo que poderia ter sido. Uma cidade é um espaço natural, que os
humanos transformam em seu lugar. Aqui pode ter sido uma maloca, aldeia,
garrancho de vila, comarca e no fim uma metrópole. Toda ela é estranha, confusa
e outra. Ninguém conhece ninguém. Onde também ninguém se entende. Exceto pelas fotografias que torna tudo que distante, em imagines familiares.
Ao meu ver as melhores cidades são aquelas
embrionárias e ou as abandonadas. As cidades que só vi uma vez, de passagem, como Milton nascimento naquela canção. Penso também na beleza estranha de cidade inundadas por águas
naturais ou represas por calamidades. Pompéia, justamente porque conserva
alguma coisa da arrogância humana diante do tempo e da vida. A cidade de Mariana é um testemunho do nosso descaso e do descalabro do dinheiro em penca, no sonho dos exploradores sem alma. As cidades
melhores, ao meu ver, são aquelas que terminam devagar, quando já desaparecem seus
criadores, construtores, artesãos. São entes vivos que vão
desmilinguidos aos poucos e morrem como os antigos habitantes.
Tenho para mim que as piores cidades são
justamente aquelas cientificamente planejadas, ou outras transformadas em polos
de turismo, por onde muitos passam temporadas e pouca gente fica. São espécies
de cenários teatrais e, normalmente guardam muito pouco daquilo que
efetivamente foram um dia. As cidades são também tecnologias de convívio
humano. Cidades desumanas são aquelas que ao invés de propiciar convivência e
contraste, produzem opressão, medo e morte. Então as cidades mortas, mandam
mensagens para aventureiros e deserdados, vendilhões e gananciosos. Elas pedem
socorro contra a ação do tempo. Contudo não querem aceitar o fato. São cidades
sem desejo. Os humanos emprestam suas almas às cidades quando colocam seus
sonhos em picadas e quintas, ruas embrionárias, casas bem modestas, lugares acolhedores.
O poder,
esse fato humano deplorável, se instala,
então as cidades migram dos moradores. Fisicamente estão ali na arquitetura
monumental, mas já há muito que foram embora. Então os potentados as
transformam em maquinas de oprimir e vender, maquinas de triturar grãos e
sonhos, desejos e preceitos. Algumas se tornam embriões de impérios, registros
materiais e arquitetônicos das mais variadas expressões das iniquidades
humanas.
Viva então os donos da terra chamados para sempre de “índios
guaianás”. Pergunta sobre os mocambolas que construíram os casarões e estradas
de pedras de Guaratiga à Ouro Preto. Se alguma pedra se levantar contra o
horror, é que a cidade ainda há de respirar, ao menos mais uma vez, antes de
apodrecer o ultimo caibro.
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Salloma Salomão é
intelectual público e livre pensador.
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