Fotografias de Januário Gracia.
Rio de
Janeiro
Era uma
vez, em 11 de maio de 1988, há 30 anos.
Nesse
dia, ocorreu a famosa “marcha contra a farsa da abolição”.
Ela
reuniu milhares de negros, mestiços, simpatizantes, sindicalistas, operários,
brancos, na passeata que saiu da Igreja da Candelária, no Centro, em direção a
Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
O
objetivo da marcha era protestar contra às comemorações oficiais dos 100 anos
da abolição em 13 de maio de 1988 que iriam ser feitas pelos poderes públicos
para demonstrar como o negro estava integrado em nossa sociedade que cultivava
a “democracia racial”.
Na visão
dos manifestantes, não havia nada a comemorar no centenário da abolição, pois,
os negros continuavam sendo discriminados, perseguidos e humilhados.
Ou seja,
a “abolição”, na verdade, fora, na visão dos militantes, para inglês ver.
Na
verdade, a escravidão continuava, com outros modelos, dessa vez, se associando
com o capitalismo, para dar uma cor mais palatável a exploração da mão de obra
negra.
Assim,
desde 1987, no Rio, foi tirado um comando da marcha contra às comemorações
oficiais, sem que o poder público e as autoridades policiais soubessem do fato.
Esse
comando, por conseguinte, criou subcomandos, e assim, foram desenvolvidas
seções na capital e no interior onde militantes organizavam reuniões sobre a
marcha que deveria ocorrer em 11 de maio de 1988. A marcha envolveu também
setores sindicais e trabalhistas interessados na conspiração negra.
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Nesse
sentido, surgiram as estratégias negras daquela ocasião que eram muito
pertinentes com os objetivos da marcha: esta, por essa perspectiva, não iria
fazer o circuito tradicional, ou seja, os protestos que vinham desde ditadura
militar(1964-1985). Em outras palavras: as manifestações vinham da Igreja da
Candelária e seguiam em direção a Cinelândia, no Rio, onde, ali, em palanques,
a massa repercutia a marcha.
Não,
dessa vez, o movimento negro carioca usou de um estratagema inovador.
A marcha
viria da Candelária em direção a Central, ou seja, invertendo a trajetória
tradicional.
Ou seja,
dessa vez, a marcha ia para o oeste e não para o leste como estava acostumada.
Amauri
Mendes Pereira, um dos líderes da marcha, disse certa vez que a intenção de
mudança do trajeto tinha uma causa geográfico-política.
Em outras
palavras: a marcha ao vir em direção da Central do Brasil, no final de tarde,
faria com que militantes e trabalhadores dos subúrbios e da Baixada Fluminense,
majoritariamente negros, se transformassem no mesmo público.
Ou seja,
os trabalhadores que viam da Rua Marechal Floriano em direção a Central do
Brasil, para pegar o trem, eram um só mesmo, e ao mesmo tempo, engrossava o
número de manifestantes sem querer.
Muitos
brancos de esquerda que estavam solidários a marcha não entenderam essa
estratégia do movimento negro e quando procuravam saber o porquê os
interlocutores desconversavam. Alguns ficaram sabendo, mas ficaram calados.
Assim, os
militantes contavam em ter a adesão dos trabalhadores que poderiam ficar na
Central do Brasil apreciando as falas dos militantes sobre a farsa da abolição
nos palanques montados colados ao prédio do Comando Militar Leste.
Por falar
em Exército, havia uma pedra no meio do caminho.
Naquele
11 de maio de 1988, o Centro do Rio amanheceu ocupado por forças do Exército.
Quem passava por ali não entendeu o que estava acontecendo. O prédio do Comando
Militar Leste, vizinho a Central do Brasil, estava cercado de militares com
baionetas.
Na
verdade, o Exército queria impedir que a marcha passasse em sua porta ou que
firmasse pé nos arredores de sua sede.
Os
militares cercaram e depredaram os palanques montados pela Riotur em frente à
Central do Brasil, reprimiram e prenderam militantes que chegavam dos subúrbios
e da Baixada Fluminense nos terminais ferroviários e destruíram faixas,
cartazes.
Eles se
posicionaram em maior número frente à igreja da Candelária e início da Av.
Presidente Vargas, onde seria a concentração dos manifestantes.
Qual a
razão dos militares intervirem de forma violenta horas antes da manifestação
começar?
O fato é
que, nas discussões pré marcha, nas entidades negras da Baixada Fluminense,
militantes negros levantaram a tese segundo a qual Luiz Alves de Lima e Silva,
o Duque de Caxias, Patrono do Exér5cito, fora exterminador de escravos na
Guerra do Paraguai(1864-1870).
Ou seja,
majoritariamente foram os escravos usados por Caxias para combater no front da
guerra sob promessas que ganharia a liberdade pós conflito.
A tese se
propagou, assustou os militares e a cúpula do Exército resolveu reprimir a
manifestação que iria passar em frente ao Monumento a Caxias em frente a sede
militar. Esse monumento estava cercado por dezenas de soldados. Os militares
disseram que a manifestação não ia passar por ali.
Os
manifestantes negociaram passar pelo outro lado, mas mesmo assim o aparato
militar continuou mobilizado com suas baionetas apontadas para os
manifestantes.
A
repressão do Exército ao ato entrou para a história negra.
Isto porque as mídias nacional e internacional repercutiram a marcha com generosidade de textos, fotos e imagens de vídeo.
Isto porque as mídias nacional e internacional repercutiram a marcha com generosidade de textos, fotos e imagens de vídeo.
O mundo
passou a conhecer um fato desconhecido: o movimento negro brasileiro tinha
manifestantes que provocavam a reação da mais alta Força da nação para uma
simples passeata de negativa da história oficial.
Naquele
mesmo dia, num estado governado por Moreira Franco( esse mesmo que hoje aparece
nas páginas dos jornais), as autoridades policiais, principalmente o Secretario
de Segurança Pública, Hélio Saboya, procurou os líderes para saber mais a
respeito do protesto e identificar aqueles mais “perigosos”.
As
autoridades ficaram surpresas com a organização da movimento, pois, julgavam
que a militância negra não tinha capacidade de executar tremenda manifestação
que paralisou o Centro da cidade durante varias horas.
O que
vocês querem, qual a intenção de vocês, perguntava um aturdido Hélio Saboya
para os vários líderes negros.
De
qualquer forma, dois dias antes das comemorações oficiais do Centenário da
Abolição, em 1988, esta fora melada pelas organizações negras, que deram um
outro tom aos eventos harmoniosos, pacíficos e graciosos que os setores
oficiais prepararam para 13 de maio de 1988.
Passados
30 anos daqueles fatos, podemos afirmar o seguinte:
-nunca
mais o movimento negro carioca conseguiu feito tão retumbante.
-não
conseguiram surfar nas consequências positivas do ato histórico.
-mais à
frente, ficou comprovado que a abolição nunca fora uma farsa, pelo contrário,
fora o maior movimento social do século XIX.
-A farsa
fora os eventos montados pelo poder público em 1988 pelo comemorar o centenário
dela.
-Só em
momentos excepcionais você consegue unir toda a diversidade conflituosa dos
movimentos negros.
-Nos anos
2000, algumas caminhadas saindo da Candelária em direção ao Monumento de Zumbi,
próximo a Central do Brasil, lembrou o grande ato de 1988, com pouca gente.
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