Alceu- Banda Tribuu- ( sentido horário) Bob de Soua, Mauro Nobuga, Carlos Mariya, Greson Surya, Ricardo Dardes, André Urbano, João Grande, Salloma Salomão e antonio Cralos Ninho,
O raggae, as tranças, as transas, a trama, tudo nos levava a Jamaica e de lá ao oeste e nordeste da África, de novo a diáspora. Tudo vinha e a gente sem sair de São Paulo
Salloma Salomão Jovino da Silva
Em abril de 2008 morreu o percussionista João Grandão (João Batista Mendes dos Santos), percebo que se passaram exatos 20 anos, desde o tempo em que participamos juntos na culminância musical do trabalho da Banda Tribbu e quase três trinta que nos conhecemos. Enfim, faz um bom tempo, o bastante para que nossos filhos estejam bem e crescidos. É, portanto um momento adequado para um balanço, certamente é um balanço arbitrário e capenga, porque eu o faço unilateralmente.
Este é um texto/tributo à memória do músico, artesão e percussionista João Grandão, meu companheiro musical por uns vinte anos, nesses agora vistos como bons tempos. Na vielas, fimbrias da urbe, na Urbana Quimera fomos parceiros de música e festa, projetos e sonhos, desenredos e desilusões. Como em toda relação verdadeiramente humana, experimentamos laços de afetos e desencontros, solidariedades e desafeiçoes tão agudas, quanto tolas. Tudo era intenso no processo de auto-construção dentro das musicalidades nossas e daquelas que gostávamos.
Seletiva narrativa que pretende repor o passado vivido, elevado grau de subjetividade, razão e emoção conjunta. Este ensaio sujeito a equívocos, ausências, omissões, erros de datas, lugares, nomes e outros vexames, que podem ser parcialmente superados com alterações, revisões e adendos posteriores. Além disso, peço que entendam as eventuais inverdades e falseamentos (não intencionais) como compensações para casos mais graves de impotência diante da realidade.
Fatos políticos e sociais tidos relevantes, aqui são apenas “pano de fundo”. Uma contação da história não linear, tem seus marcos e começa nos início da década de oitenta sob o governo do último general/presidente, João Figueiredo.
Nós protagonistas ouvimos ao longe os ecos do Movimento pelas Diretas Já, passeamos pela Sé em dias ordinários. Flertamos com a política cultural do prefeito biônico da cidade, Mário Covas, quando o secretário de cultura era o Dramaturgo e ator Gianfracesco Guranieri. Tocamos durante o strip-tease de uma escultural atriz negra no prédio da atual Universidade Livre de Música, que na época chamava-se Centro Cultural Mário de Andrade.
Freqüentamos o palco, com um equipamento de som péssimo, quando do último comício para campanha a prefeitura da mulher nordestina Luiza Erundina. Surpreendentemente eleita, tudo parecia realmente promissor. Debatemos com equipe da Secretaria de Cultura ao longo dos anos temas como apoios, cachês, espaços. Misturamos anseios com a inércia da maquina pública, sonhos com as acrobacias partidárias, ativismo cultural com a luta pela sobrevivência. Depois, um pouco estarrecidos com a pirotecnia dos gabinetes deslumbrados, em meio a contratos milionários, fomos publico de eventos elitistas e discurseira academicista. Calamos e saímos juntos de cena, nós e os donos da bola.
Mais significativo para mim foi “Primeira Lavagem da Rua da Mentira”, a rua Treze de Maio no Bexiga. Uma demonstração de organização, unidade e força do Movimento Cultural Negro da cidade de São Paulo. Aos poucos foram se aproximando as figuras Históricas do Movimento Negro Unificado. Nosso guru era o Lumumba. Contatos visuais com Geraldo Filme que trabalhava na autarquia Anhembi Turismo. A emblemática Teresa Santos e a os tambores de afoxé da Banda Lá na quadra da Escola de Samba Peruche. Euforia na chegada de Moa do Catendê, um dos fundadores de Male Debalê. São Paulo, as vezes, parecia uma Cidade Negra .[1]
O saber/fazer musical de João Grandão, que se desenvolveu nesse contexto é um mote adequado para compreender a mudança do papel dos músicos responsáveis pela presença dos tambores na cultura musical urbana brasileira e mundial nas décadas finais do século XX. Mais que isso, esse foi um tempo em que se descortinou para nós questões que relacionavam música e a diáspora africana.
Aliás, esse termo, diáspora entrou definitivamente em nosso reperorio pela boaca do rasta Ivan. Era um horizonte de valores velhos demais, mas novos pata nós. A gente via se descortinando um mundo negro onde figuravam Marcus Garvey e a Black Star Line, Edward Dubois e a Unidade Africana e termos como Pan-Africanismo, Cristianismo Copta, começaram a fazer sentido. Tudo isso podia ser desencadeado por um vídeo de Bob Marley e os Waillers no evento de um ano de Libertação do jugo colonial de país remoto da costa leste africana, que em São Paulo era nome de uma equipe de baile e depois gravadora, Zimbabwe.
A gente acompanhou de dentro esse processo em meio a muita música ouvida, criada, tocada, gravada em K7 e fita sde rolo, música sentida em muitas partes do corpo. Nos consumimos nas bordas e centros de uma cidade árida e cada vez mais voraz.
Mas a cidade, ela é nada, nós somos a cidade, mesmo que ela nos seja negada. Se fosse tão somente ruas e avenidas, casas, barracos, edifícios e objetos mecânicos mas inanimados, a grande São Paulo, nossa megalópole, simplesmente não existiria, ela é campo, território de conflitos.
Ela, a cidade é uma plataforma de visibilidade e uma maquina de invisibilidades. Palco de encontros, estranhamentos e trocas. As trocas afetivas e sonoras, são as que mais me moblizam.
[1] O poeta , letrista, pesquisador Antonio Risério, não é único mas ainda no início dos anos 1980 captou a importância desse mesmo processo em Salvador nos finais de 1970 e publicou Carnaval Ijexa, . Ver: Risério, Antonio. Carnaval Ijexá.
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