Logun Edê comprova a tendência da boa safra de excelentes artistas jovens negros em São Paulo.
Grupo Pé de Moleque (Bruno Gavranic - Texto; Di ganzá - Composição e Direção
Musical; Felipe Candido - Figurino; Mawusi Tulani – Produção e Preparação de Elenco)
Direção Geral: Dagoberto Feliz
Musical; Felipe Candido - Figurino; Mawusi Tulani – Produção e Preparação de Elenco)
Direção Geral: Dagoberto Feliz
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http://grupopedemoleque.blogspot.com/
Desconfiado, fui ao Teatro Imprensa no sábado de tarde assistir o espetáculo Logun Edé, mediante o convite do músico Giovani de Ganzá, que acompanho o trabalho há uns três anos. Minha desconfiança é fundamentada no fato já constatado por outros, de que quando se pensa em cultura negra no Brasil, imediatamente se remete aos Yoruba. Por desconhecimento nosso e por redundância de trabalhos acadêmicos e artísticos que arriscam pouco e chovem no molhado, quase sempre o resultado é: Figurino feito de palha da costa, cânticos e movimentos advindos dos ritos dos Orixás, mesclados com fragmentos de textos recolhidos por Pierre Verger ou difundidos por seus similares.
De certa maneira o espetáculo Logun Edé por muito pouco não cai nessa vala comum. Mas é um musical tão coeso, harmonioso e simples, que aos poucos relaxei na cadeira, parei de fazer conjecturas sobre tratados antropológicos ou estética negra, diaspórica ou afro brasileira e fui me enfronhando na narrativa bem cadenciada da estória de Oxossi, Oxum, das sereias e de logun Edé. Me encantei verdadeiramente com os sons arranjados por Di Ganzá. E quando dei por mim, já tava emocionado.
Pouca luz, som capturado com pequenas deficiências, mas tava tudo lá, sem exagero nem caricatura. Quando fui pego na curva do cansado e do tempo um tanto longo, pesquei, não por eles, mas por ser no sábado depois do almoço e de uma longa semana de trabalho duro. Minhas filhas, contudo, coloram os olhos e ouvidos em tudo que se movesse ou saísse algum barulhinho. As coisas que eventualmente perdi, elas me ajudaram com a recontação.
Figurinos e cenário resolvidos com criatividade e pouco dinheiro, nada falta e nem sobra. Agora os atores, todos, sem exceção são do mais alto nível. Onde eles atuavam até então, não sei? Mas sei o que senti, ouvi e vi. Eles são tecnicamente muito bons.
Minha ênfase sobre a qualidade de atuação e tem a ver com um ambiente de segurança denotada pelos músicos e atores em cenas complexas e passagens delicadas, com exigência de movimentação, memorização de arranjos, impostação, afinação e projeção vocal que desafiariam gente tarimbada de minha geração.
Como educador e produtor cultural observo e conheço o quadro da realidade sócio-cultural da cidade, do estado e do país, acompanhando os altos e baixos das políticas culturais ou da sua ausência. Diria mais baixos do que alto, mas algo está mudando drasticamente em são Paulo nos últimos 5 anos e por enquanto não arrisco nenhuma hipótese sobre os principais motivos e nem sobre os possíveis desdobramentos.
Sabemos das oportunidades exíguas existentes na cidade para pesquisa e produção teatral fora das estruturas acadêmicas, estatais e do mercado cultural. Experimentamos como descendentes de africanos a dureza da seletividade racial, como do funil da seletividade de cor-raça em todos os campos profissionais e que não é diferente nas várias áreas artísticas. Exatamente por isso estou eufórico, comovido e surpreso com cena teatral paulista na qual tem emergidos esses artistas negros.
Os arranjos vocais-instrumentais são aspectos à parte. Imagino que Di Ganzá agarrou com unhas e dentes a oportunidade de formação em Violão Erudito na UNIC Sul e foi muito além daquilo que certamente apreendeu no curso, em termos de harmonização e contraponto. Seu trabalho em Logun nos lembra de uma tradição de compositores e arranjadores/orquestradores semi-eruditos afro-brasileiros que eclodiu na segunda metade do século XIX na figura de Joaquim calado e daí em diante nunca mais parou, vieram Pixinguinha, Carlos Cruz em São Paulo, depois Cipó, José Roberto Branco, Moacir Santos, Valtel Blanco, etc, etc.
As derrapadas na afinação da atriz que faz Oxum em momento algum comprometem o resultado da musicalidade alcançada, além do fato que isso acontece nos saltos e intervalos mais complicados. Seu timbre é invulgar, assim como a graciosidade de sua postura em cena. Ela encarna verdadeiramente o mito da sedução, atribuída a essa orixá. As demais cantoras são excelentes e igualmente singulares nos timbres e posturas, assim como os portadores de vozes masculinas.
Os arranjos instrumentais são comedidos, com exploração máxima das possibilidades dos poucos timbres, uma flauta, um cello, um violão e três tambores e as vozes, claro. Em outras palavras não fica buraco ou vazio para entre canto e instrumentos. Ainda há um lugar para os solos, além de que cada um dos instrumentos tem seu tempo e espaço para uma performance. As vezes tem algo de Edu Lobo sobretudo nas vozes, mas são exercícios, são parte de um processo no qual as aventuras, com timbres menos puros e talvez mais adinte, haja uma presença mais eloqüente de tambores de timbres extremos e combinações rítmicas mais arrojadas.
Ao que parece, o grupo Pé de Moleque existe desde 2007, mas não fica claro quais dos integrantes atuais participam desde o início. A menção a consultoria de Reginaldo Prandi e a Mariana de Osumaré, ao que parece, garantem a preocupação com a pesquisa e o respeito ao manancial cultural de origem africana no Brasil.
O trabalho avança anos-luz, se pensarmos em outras tentativas similares na Bahia, Rio e São Paulo dos anos 1980 para cá e melhor mencionar que, a partir daqui parece que suplantamos de um vez por todas a história terrível de atores brancos pintados de preto já tão bem retratado em Negação do Brasil.Tomara que outras frentes se abram apara esses jovens, para que possam exercer plenamente suas habilidades já tão desenvoltas. De forma tal que meus netos possam futuramente ir ao teatro ver pessoas que tenham a sua mesma origem, tratando de temas e recriando valores culturais e projeto estéticos que seus ancestrais levaram milênios para elaborar.
Release:
“O espetáculo de teatro infanto-juvenil Logun-Edé – Uma Pequena Yorubópera - em cartaz aos sábados às 16 horas, no Teatro Imprensa - Essa pequena ópera, conta a história de Logun-Edé, orixá adolescente filho de dois mundos distintos que reflete em sua figura características de seus pais, enquanto busca sua identidade, transformando os padrões estabelecidos.” Com um elenco formado por cantores líricos e atores que cantam e contam a história do menino encantado, o espetáculo traz também uma pequena orquestra formada por violão, violoncelo, flauta transversal e percussão, em uma mescla de referências e influências que passeiam harmoniosamente entre o erudito e popular, resultando em uma alegre e inusitada sonoridade, que nos leva a atentar à riqueza das mais diferentes formas de expressão artística que estão á nossa volta. O processo do espetáculo contou ainda com a participação de colaboradores que nortearam a equipe a encontrar os melhores caminhos para contar e cantar em cena, com a voz e o corpo a história de Logun-Edé: Reginaldo Prandi, antropólogo professor da USP, autor do livro-referência Mitologia dos Orixás e Mariana de Osumaré, sacerdotisa de culto nigeriano em São Paulo conversaram com a equipe sobre as figuras dos orixás abordadas em cena e o universo mitológico do candomblé; e Wellington Campos, membro do Grupo Abaçaí de Cultura e Arte ministrou oficinas de dança dos orixás.
Tudo começa quando Oxum (Mawusi Tulani), deusa das águas, do ouro e da fertilidade, se apaixona por Oxóssi (Claus Xavier), entidade protetora dos caçadores. Para conquistá-lo, ela finge pertencer à mata, encantando o pretendente com sua beleza. Ao descobrir a farsa, ele fica furioso e rompe o namoro. Da relação, porém, nasce o espevitado Logun-Edé (Carlos Alberto Júnior). Indeciso entre o desejo de Oxóssi, de torná-lo o melhor dos caçadores, e a vontade de Oxum, ansiosa para vê-lo como o guia do curso das águas, o garoto apronta muitas confusões. Durante uma caçada, pai e filho encontram uma aldeia de feiticeiras que escondem os segredos do mundo embaixo de um pássaro mágico. Oxóssi mata a ave com uma flechada e os dois são amaldiçoados pelas bruxas, ficando cegos. Logun-Edé sabe como voltar a enxergar e usa um esperto truque para tentar reaproximar a família. Graciela Soares, Jane Fernandes, Nilcéia Vicente e Leonardo Devitto completam o coeso elenco”
Saloma,deve ser uma peça muito bonita!Fiquei interessada!Excelente sua análise!Parabéns pelo lindo blog!Bjs e boa semana!
ResponderExcluirAdorei o seu blog!!recheado de assuntos interessantes!! visitarei mais vezes!
ResponderExcluirconheça o meu blog: http://culturasemportugues.blogspot.com/
abrços, Fran
Olá Sallomão, boa noite!
ResponderExcluirMeu nome é Felipe, sou um dos integrantes do Grupo Pé de Moleque, e gostaria de agradecer ao texto que você escreveu sobre nosso espetáculo.
Gostaria de informar também que tomei a liberdade de publicá-lo também em nosso blog.
Abraço!
Felipe Candido
Olá Salomão!
ResponderExcluirMuito legal seu comentário. Admiro muito o trabalho do Pé de Moleque, porém discordo com você em alguns pontos. Definir o trabalho do grupo à "Arte Negra" é reduzir muito a grande arte que esse grupo tem.
Também não é possível definir o Grupo como um "Grupo Negro", pois pelo que percebemos, você desconhece a história do grupo e seus integrantes. O núcleo do Grupo é formado por quatro integrantes, sendo que dois deles são brancos. Inclusive o autor do texto é loiro, de olhos azuis. O que prova que talento, capacidade artística e, principalmente RESPEITO à nossa cultura não tem cor.
Olá Saloma!
ResponderExcluirSeu Bolg é super legal e rico de informações, parabéns pelo trabalho. Abraços
Muito bom mesmo, cheio de riquezas. Terei sempre prazer d visita-lo neste blog.
ResponderExcluirEsto dando os primeiros passos aguarde.
Adailton do Carmo