Desenvolvendo:
Abordar a questão dos movimentos sociais
contemporâneos, enquanto formas de manifestação da importância fundamental na
constituição dos cenários atuais, é uma tarefa árdua e espinhosa, dada ampla
generalidade do conceito. Afinal o que pode ser considerado “movimento social”.
(1991)
Hamilton
Cardoso, com Colaboração de Wilson Matos, Paulino Cardoso e Silvia Camara.
Era uma sexta feira, final de tarde quente de março
de 2004. Estava descendo as escadarias do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais (IFCS) da UFRJ, onde sou professora há mais de 30 anos, quando vi um
cartaz anunciando um debate sobre o projeto de reforma universitária com a
presença do reitor Aloisio Teixeira e de Ali Kamel, entre outros convidados.
Ali Kamel foi o primeiro a falar criticando veementemente as políticas de cotas.
Yvonne Maggie
Yvonne Maggie, uma das antropólogas de maior brilho
em nosso país, brindou-me com sua amizade e com uma troca de e-mails que
alimentou meu gosto pela discussão: sei ela guarda reservas em relação a
posições minhas , mas sei ainda com muito mais certeza que isso não a afasta um
milímetro sequer da disposição de ouvir e ponderar.
Ali
Kamel
Logo, como Gilberto Fryere e outros fui obrigado a
reconhecer que e “democracia racial” é um importante valor que, certamente, não
impede o racismo, mas o define como anátema . pensei mesmo, se o não-racismo
nunca tivesse sido realizado na prática, era um patrimônio singular e preciso
num mundo cada vez mais dilacerado pelo nacionalismo, pelo fundamentalismo e
pelo racismo.
Peter
Fry
Em relação à violência física, agressões e mortes,
os indicadores se repetem: o maior número de vítimas encontra-se entre jovens
negros de sexo masculino. Pesquisas recentes apontam que casos de violência têm
lugar, dia e hora marcados para acontecer, geralmente periferias , nos finais
de semana e à noite.
Ana
Lucia Silva Souza.
Ementa:
O que nos espera no século que se inicia? O que
carregamos do passado recente? Que atores somos nós nos níveis local, nacional
e atlântico-diaspórico? Que demandas fomos capazes de colocar à sociedade
brasileira no pós abolição e quais foram minimamente respondidas? O que
representa a “geração tombamento” quando vista na perspectiva história e
sociológica do ativismo negro? O que tem sido a nova percepção do racismo
antinegro e do ativismo digital antirracista? Qual o legado da introdução das
temáticas raciais nos quadro mais geral das legendas partidárias de
centro-esquerda? Será possível saber que mudanças a lei 10.639 produziu na
cultura escolar brasileira, antes de ser removida? É possível fazer um balanço
do desempenho dos candidatos e candidatas negras nos partidos políticos no período
pós ditadura? E da participação negra nos movimentos sociais e sindicatos já
podemos ter um quadro analítico? Quando se fala do feminismo negro, quais seus
espectros ideológicos e se apresentam no Brasil atual e que geografia podemos
desenhar? Que lugar a cultura artística ocupou no processo de construção dos
movimentos negros? Quais papéis e influências têm exercido os acadêmicos e
intelectuais orgânicos negros e negras na construção da luta antirracista? Que
abordagens históricas, antropológicas, estéticas e sociais se poderia fazer das culturas negras populares ao longo do século
XX? Qual importância das religiões de
matrizes africanas e seus agentes na elaboração política, estética e cultural
da negritude contemporânea brasileira? O que são a fontes das agressões
neopentecostais recentes? A morte de Dom José Maria Pires, a nova dinâmica dos
cursinhos pré-vestibulares promovidos pelo grupo de Frei Davi e a assunção da
igreja Carismática, podemos dizer que há algum legado e futuro para os clérigxs
cristãxs negrxs no catolicismo? Após o fim de um período marcado pelos diálogos
inter-religiosos, qual o nível de organização politicas das sacerdotisas e
sacerdotes de matrizes africanas no país? Quais papeis exerceram ativistas e
intelectuais brancos nas frentes de lutas antirracistas?
Estamos vivendo um período de crise entre as
elites, no qual estão sendo decididas as linhas de manutenção de privilégios em
relação ao estado e aos direitos, enquanto o congresso atual retalha a
constituição de 1988, sobretudo naqueles direitos universais que atingem em
cheio as classes pobres. Mas principalmente estarrecemos ante o desmonte daquelas
políticas pontuais voltadas a mitigação da radical exclusão desse contingente,
principalmente nas áreas de educação superior pública ou financiada.
A agendas das agremiações partidárias mais
importantes estão tomadas por uma luta sangrenta pela sobrevivência a era
Temer, mas todas já voltadas quase que exclusivamente para o pleito de outubro
de 2018. O fascismo com todas suas nuances ideológicas que estava na paisagem
de forma latente, agora se apresenta, saí às ruas em diferentes pontos do país,
reivindicando seu lugar no quadro de possibilidades. Durante todo século XX as
demandas do ativismo negro no interior das organizações sindicais e dos
partidos políticos foram adiadas em nome de uma promessa de democracia e
socialismo, ou ainda foram proteladas e deslegitimadas com argumentos universalistas simplórios e
mais manutenção da hegemonia branca. Conquanto não se possa comparar os níveis
de desigualdade inter-raciais na ilha, uma visão histórica minimamente crítica
do socialismo cubano, por exemplo, não deixou dúvida da capacidade de
perpetuação racismo antinegro, mesmo em quadro de emergência revolucionária.
Quando olhada em retrospectiva a história e memória
das lutas negras formam desenhos que narram avanços, quedas, muros e
expectativas. A negras utopias podem ser visualizadas como novos ritos ou
canções, narrativas mosaicas de ânsia de um outro futuro.
Em 1988 o Instituto de Estudos da Religião sediado
no Rio de Janeiro lançou a publicação Catálogo de Entidades de Movimento Negro
no Brasil, sob assinatura de Caetana Damasceno, Micenio Santos e Sonia
Giacominni. Continha a estratégia da pesquisa e uma breve análise dos
quantitativos e perfis de grupos de diferentes origens e atribuições,
localizados em 20 estados da federação.
No início do século XX as populações negras, em
qualquer abordagem da elite intelectual apareciam como “problema negro” e é
mesmo nestes termos que alguns estudiosos tidos como mais afeitos ainda tratam
a questão dos “preconceitos” em fins da década de 1950. Após os anos 1970, o ativismo negro parece
ter se capacitado para filtrar e denunciar os conteúdo pragmáticos de
manutenção da ordem racial, dissimulado em práticas de violência seletivas e
discriminações ordinárias, mas também apresentado no campo acadêmico, em novas adequações
teóricas, nos tradicionais estudos do negro brasileiro.
A redemocratização animou o ingresso nos partidos e
o levantamento de hipótese sobre a ascensão social por via da educação formal.
As práticas artísticas assumiram conteúdos étnicos-políticos nunca antes
apresentados. Tal politização das artes negras ainda hoje são interpretadas de
formas enviesadas, ou seguindo antigos padrões que separam de forma radical
cultura e política.
Mas, os anos 2000 vimos emergir uma acirrada
batalha com os meios de comunicação, com forte participação de ideólogos e
mistificadores da mestiçagem redentora. Uma poderosa empresa de comunicação com
ampla cobertura geográfica e temática, possuidora de plataformas de difusão de
conteúdos impressos, televisivos e digitais abriu guerra declarada ao ativismo
negro em todo país. Desferindo golpes cotidianos e instigando a população
geral, mas com mensagens cifradas a classe média branca, contra as políticas
afirmativas. Peter Fry (2205), Yvone
Maggie e Demétrio Magnoli (2008) assumiram a vanguarda dessa indisfarçável
estratégia reacionária, mas foram capitaneados pelos número dos executivos da
mesma empresa, Ali Kamel (2006).
O ativismo negro respondeu a mais esse desafio de
diferentes maneiras, espraiou-se para zonas rurais, atingiu a juventude negra
urbana e periférica como nunca fizera antes, capilarizou-se nas instituições universitárias,
assumiu novos contornos nas práticas artísticas, polemizou o debate sobre saúde
física e mental das mulheres negras e população negra. E esses temas perturbaram em
maior ou menos grau as agendas dos governos estaduais e municipais, mesmo em
situações bastante conservadoras.
Parece ter sido a luta dos quilombolas rurais e
urbanos o lugar social onde a noção de consciência negra mais avançou, não sem
causar reações entre os proprietários rurais e especuladores urbanos. A mídia apenas
redundou palavras de ordem políticos profissionais representantes de ruralistas
e incorporadoras, sobre o termos de uma verdadeira onda quilombola negra, promovendo
invasões e perturbando a velha ordem no campo e cidades. A ideia da Invenção de
Quilombos, punha em cheque um dos pontos da constituição de 1988, que mais resistência
teve ante sua regulamentação e aplicação prática. A demarcação de terras e
atribuição de títulos as comunidades remanescentes de quilombos, foi reconfigurada, retirada da
alçada do executivo e direcionada ao congresso, na sua conjuntura mais
conservadora, dominada por representantes de ruralistas, de industriais, de neopentecostais
e fabricantes de armas.
Por fim começaram despontar práticas de violência contra
pessoas e instituições ligadas as religiões de matrizes africanas. Ataques as
pessoas paramentadas e templos, culminaram nos eventos ainda não investigados,
mas circulando amplamente na rede web, onde supostos traficantes promovem e
filmam intimidação armada, com destruição de templos e cárcere privado de
sacerdotes na baixada fluminense.
Contudo essa inflexão conservadora e explicitamente
racista antinegra não ocorreu nos últimos dois anos, como poderíamos pensar de
imediato. Ela foi construída e direcionada por setores da intelectualidade em
parceria com representantes de altos escalões da mídia corporativa, foi
reforçada e defendida publicamente por políticos conservadores ligados as
igrejas-empresas.
Líderes dessas empresas religiosas participaram
ativamente do pacto que levou a chegada do Partidos dos Trabalhadores ao
planalto e tiveram funções ministeriais não desprezíveis no arranjo de “governabilidade”.
O desafios do ativismo antirracista contemporâneo são
vários e enormes. Um desses desafios passa por estudar e compreender a presente
conjuntura, reformular práticas e premissas de uma luta secular, tendo em vista
os avanços e retrocessos da sociedade Brasil, próxima de completar 30 anos da
Constituição de 1988.
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