Cena do Cotidiano:
Fazendo compras no domingo de manhã, eu e um senhor magro e gentil, branco e pele tostada pelo sol. Nos esbarramos entre as prateleiras. Ambos na gôndola de laticínios, ele pegou um produto e me pediu para ler o texto da parte de ingredientes para ele. Queria saber se tinha sal. Pensei comigo, deve ser diabético como eu e deve vir daí sua dificuldade. Li o rótulo e ele com um sorriso leve e um tanto envergonhado, primeiro olhou pros lados, depois pediu desculpas e meio sem graça falou bem baixo, que não sabia ler. Liguei a chave antropológica e perguntei porque não aprendeu. Já um pouco a vontade disse que começou a trabalhar pequeno em olaria, ali no Potuverá ( Itapecerica, grande São Paulo, Brasil), a escola era longe e que os pais não acharam que era importante frequentá-la. Depois de adulto passou a ter vergonha de demonstrar para todos que não sabia ler, afinal aprendeu a se virar sozinho. Memorizava a cor dos ônibus, das notas de dinheiro, e mais tarde aprendeu com uma irmã a assinar o nome e fazer contas básicas. Agora que trabalha como pedreiro e, anda sempre com uma calculadora no bolso, principalmente para usar quando vai medir e contratar o serviço. Faz suas anotações precárias e ao chegar em casa pede ajuda de algum filho, para fazer os cálculos mais complexos e redigir os orçamentos, me disse. Cada um pegou seu produto e em seguida rapidamente nos despedimos. Por algum tempo não pude deixar de me lembrar daquele rosto magro e pensar em várias coisas: sobre relações humanas; sobre educação compulsória atual no país; sobre a permanência das desigualdades de acesso a escolarização básicas das classes baixas atualmente no Brasil, sobre idéias e interpretações sociológicas que temos sobre as condições de vida dos brancos pobres, em contraste com as dos negros tal qual; etc. Nós pesquisadores negros e negras poderíamos também estudar melhor as formas de perpetuação do poder , prestígio e mando das elites brancas? Imagine que conseguíssemos acompanhar por aos menos 20 aos as organizações patronais como a FIESP, ou acadêmicas, como a USP, por exemplo?. Creio Ninguém precisa me avisar das especificidades do racismo antinegro no Brasil e das nuances de degradação a depender do tom da pele negra e índia. Mas também creio também que, do ponto de vista da reflexão política, antropológica e histórica, a esta altura, já não é mais possível pensar e grafar “brancos” como categoria homogênea.
Fazendo compras no domingo de manhã, eu e um senhor magro e gentil, branco e pele tostada pelo sol. Nos esbarramos entre as prateleiras. Ambos na gôndola de laticínios, ele pegou um produto e me pediu para ler o texto da parte de ingredientes para ele. Queria saber se tinha sal. Pensei comigo, deve ser diabético como eu e deve vir daí sua dificuldade. Li o rótulo e ele com um sorriso leve e um tanto envergonhado, primeiro olhou pros lados, depois pediu desculpas e meio sem graça falou bem baixo, que não sabia ler. Liguei a chave antropológica e perguntei porque não aprendeu. Já um pouco a vontade disse que começou a trabalhar pequeno em olaria, ali no Potuverá ( Itapecerica, grande São Paulo, Brasil), a escola era longe e que os pais não acharam que era importante frequentá-la. Depois de adulto passou a ter vergonha de demonstrar para todos que não sabia ler, afinal aprendeu a se virar sozinho. Memorizava a cor dos ônibus, das notas de dinheiro, e mais tarde aprendeu com uma irmã a assinar o nome e fazer contas básicas. Agora que trabalha como pedreiro e, anda sempre com uma calculadora no bolso, principalmente para usar quando vai medir e contratar o serviço. Faz suas anotações precárias e ao chegar em casa pede ajuda de algum filho, para fazer os cálculos mais complexos e redigir os orçamentos, me disse. Cada um pegou seu produto e em seguida rapidamente nos despedimos. Por algum tempo não pude deixar de me lembrar daquele rosto magro e pensar em várias coisas: sobre relações humanas; sobre educação compulsória atual no país; sobre a permanência das desigualdades de acesso a escolarização básicas das classes baixas atualmente no Brasil, sobre idéias e interpretações sociológicas que temos sobre as condições de vida dos brancos pobres, em contraste com as dos negros tal qual; etc. Nós pesquisadores negros e negras poderíamos também estudar melhor as formas de perpetuação do poder , prestígio e mando das elites brancas? Imagine que conseguíssemos acompanhar por aos menos 20 aos as organizações patronais como a FIESP, ou acadêmicas, como a USP, por exemplo?. Creio Ninguém precisa me avisar das especificidades do racismo antinegro no Brasil e das nuances de degradação a depender do tom da pele negra e índia. Mas também creio também que, do ponto de vista da reflexão política, antropológica e histórica, a esta altura, já não é mais possível pensar e grafar “brancos” como categoria homogênea.
Óbvio que a reflexão pode descambar pro lado pessoal, afinal minha mulher é branca, etc. Tem mais de uns trinta anos que os movimentos negros elaboraram uma poderosa rede discursiva sobre mestiçagem e relações interétnicas, que ainda pauta muitas pesquisas. Reconheço portanto a importância da desconstrução da ideologia da mestiçagem. Mas será que atualmente podemos enfrentar esse debate a partir de outras referências, que não sejam Freyre, Fry, Viana, etc? Será que existe um caminho do meio entre estas duas tendências na leitura e interpretações sobre relações raciais no Brasil?
Lia Vainer Schucman (veja: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v26n1/10.pdf) está nos ajudando a compreender as práticas racistas perpetradas por brancos brasileiros e mensurando o nível de consciência que eles tem sobre isso. Ficamos bastante tempo estudando, compreendendo e combatendo os efeitos sociais e psíquicos do racismo antinegro e sabemos como é delicado, tenso e difícil criar mecanismo de captura das atitudes de ojeriza racial antinegra no plano interpessoal, dado a natureza da nossa cultura oficial. Os dois planos básicos de expressão do racismo interpessoal, quais sejam, o público e o privado. Por outro lado está também nos mostrando o desafio maior que é no processo da luta antirarracista os brancos foram homogeneizados em um tipo branco ideal. Esse branco é efetiavemente é racista, racista orgânico ou ideológico. Mas e os brancos que não são, como podemos qualificá-los, reumanizá-los e extraí-los da massa branca do contraste e da denuncia?
Humanizar e qualificar os brancos brasileiros, talvez seja uma tarefa que o humanismo negro tenha que se colocar, se quisermos continuar firmes e retos no projeto amplo de combate ao racismo. Ou aos racismos.
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