Luz Negra. Um musical da Cia do faroeste.
Há um debate pouco audível, mas muito frutífero sobre Negritude e Teatro, Dramaturgia Negra, Produção e Formação Cultural em São Paulo. Sabemos que há presença negra na produção teatral e não é de agora, assim como não é de hoje sua invisibilidade. Spix e Martius com algum espanto, dele e nossos, descrevem atores, músicos e técnicos negros de teatro em São Paulo, na primeira metade do século XIX, por exemplo. Não sabemos se todos eram libertos.
Sabemos que somente corpos negros em cena não gera necessariamente teatro negro, é necessário intencionalidade e consciência, vivência e identidade, mas, sobretudo Cultura e protagonismo. Desde Edson Carneiro aprendemos isso. Não há cultura negra sem princípios civilizatórios africanos. A África é grande né? Podemos pensar sistemas culturais localizáveis na geografia com continuidades contemporâneas, sem necessariamente acatar limites de Impérios ou estados nacionais?
Assim como também não haveria teatro moderno se não fosse a expansão do ocidente, com tudo que isso significa. Para nós, tráfico, escravidão e racismo. Para a Opera e Aída. Gilroy propõe dividir com eles esse ônus sob o termo Modernidade Negra. Será que em partes iguais?
Há um debate pouco audível, mas muito frutífero sobre Negritude e Teatro, Dramaturgia Negra, Produção e Formação Cultural em São Paulo. Sabemos que há presença negra na produção teatral e não é de agora, assim como não é de hoje sua invisibilidade. Spix e Martius com algum espanto, dele e nossos, descrevem atores, músicos e técnicos negros de teatro em São Paulo, na primeira metade do século XIX, por exemplo. Não sabemos se todos eram libertos.
Sabemos que somente corpos negros em cena não gera necessariamente teatro negro, é necessário intencionalidade e consciência, vivência e identidade, mas, sobretudo Cultura e protagonismo. Desde Edson Carneiro aprendemos isso. Não há cultura negra sem princípios civilizatórios africanos. A África é grande né? Podemos pensar sistemas culturais localizáveis na geografia com continuidades contemporâneas, sem necessariamente acatar limites de Impérios ou estados nacionais?
Assim como também não haveria teatro moderno se não fosse a expansão do ocidente, com tudo que isso significa. Para nós, tráfico, escravidão e racismo. Para a Opera e Aída. Gilroy propõe dividir com eles esse ônus sob o termo Modernidade Negra. Será que em partes iguais?
By Salloma
A pergunta impertinente é: Dramaturgia negra e teatro negro se faz apenas com a
transposição da religiosidade, história ou da realidade negra para o texto e
para o palco?
Estamos ainda tateando os corpos negros no texto e no palco, nos redescobrindo nas nossas próprias contradições, criatividades e invenções ao longo do tempo. Também em cena. Cena que construímos a duras penas. Nessa caso nossas linguagens artísticas se fazem em duas vias, uma é o assalto e outra é a recusa. Assalto da linguagem e recusa da forma. Estamos enfim, conhecendo e experimentando os discursos sonoros, imagéticos e estéticos de matrizes africanas, de intencionalidades negras e diaspóricas, algumas são mais recorrentes. Me perdoem se utilizo em excesso os termos escolares, mas treinei muito pra fazer isso.
Estamos ainda tateando os corpos negros no texto e no palco, nos redescobrindo nas nossas próprias contradições, criatividades e invenções ao longo do tempo. Também em cena. Cena que construímos a duras penas. Nessa caso nossas linguagens artísticas se fazem em duas vias, uma é o assalto e outra é a recusa. Assalto da linguagem e recusa da forma. Estamos enfim, conhecendo e experimentando os discursos sonoros, imagéticos e estéticos de matrizes africanas, de intencionalidades negras e diaspóricas, algumas são mais recorrentes. Me perdoem se utilizo em excesso os termos escolares, mas treinei muito pra fazer isso.
Ainda nos ressentimos da constatação de que Negros e Negras tem sido apropriados por artes e literaturas que a nós negam, que nos destitui de complexidade e nos reduz a estereótipos e caricaturas. Já estamos bem fartos. Mas ainda se vê negros repintados e peruquencos em escolas, filmes, tvs. Folclorização, caras pretas, nega do cabelo duro, pedro mico, já basta. Né.?
Paulo Faria é um dramaturgo da velha escola de teatro denso, político e com compromissos. É cuidadoso e chega bem devagar, sabe o risco. De outro lado, mesmo sendo poucos, estamos bem atentos com expropriação. Almodovar em um banner na sala de recepção pede volta da rua do Triunpho, dos tempos áureos. Tempos áureos para quem? Um sobrado no centro, um projeto de higienização no entorno. Crakeiros, mendigos, sem tetos, a arquitetura monumental do centro velho, tá tudo lá. Do andar de cima olhamos curiosos para a Sala São Paulo e todo seu sentido real e simbólico. Ali onde fica uns 30% do recurso da Secretaria do Estado da Cultura. Voce ficaria estarrecido em saber que quatro instituições mais ou menos públicas/privadas mordem 70 % do orçamento da cultura em São Paulo.
Nessa caso do Faroeste, a trama do musical transcorre nos anos 1930 na área central da cidade de São Paulo, os panos de fundo são a Frente Negra Brasileira ( FNB) , o Teatro Experimental do Negro ( TEN) e a cultura musical negra. Historicamente essa foi uma das décadas mais duras da vida social dos negros em São Paulo. As memórias coletadas pelo escrito Quilombola Luis Silva Cuti, junto ao ativista José Correia Leite não nos deixa duvida sobre isso. Uma fantasia deliciosa de uma Rádio Negra em uma São Paulo alva até o osso. Algo que poderia ter sido se desde aqueles anos as concessões de rádio comerciais já não fossem privilégios da brancura.
Elenco bacana, ótimos atores jovens, negros e brancos. Redundância
falar do teatro no Brasil como lugar da celebração da brancura estética, do
eurocentrismo doentio, da perspectiva burguesa, do formato predominante de
palco italiano. Mano a música produzida a 8 mãos negras e nove vozes, timbres
negros sobre uma fundo branco. O verossímil é abandonado para que uma Rádio
Negra, com um ótimo programa entre no ar e no nosso imaginário.
Me chamou bastante a atenção a personagem de uma pianista negra massai em corpo masculino, dedilhando suavemente, deslizando suavemente entre notas e textos. Caramba uma gama tão fecunda de atores e músicos negros e negras, ainda tão mal absorvidos pela política cultural do país. Isso precisa mudar urgentemente.
Sem querer minimizar a qualidade geral do elenco, vou destacar Thais Dias. Confesso de público tinha medo, sofri antecipado que ela ficasse presa a personagem da "nossa antiga" do Movimento número 1, do Coletivo negro. Era algo muito forte. Mas o que vi foi um desabrochar de técnica vocal e texto fluído, um corpo forte e solto, de traços redondos e leves, flanando num espaço cênico módico. Cenário modesto, figurino cuidado e luz no ponto certo. Nada, nada em excesso. É estilo e não precariedade.
Os personagens Abdias, Zé Pretinho, Benedito, Rubinato, Zé Correa e Adan Smitih fazem tudo para não esbarrar em demasia nas três personas de fêmeas, nem obstruir Tinga, Flora e a esbranquiçada (quase rodrigueana) Vanda. Simultaneamente Leona (elegantemente sedutora) Jhovs, Thais Dias e Mel Lisboa.
É o segundo trabalho recente onde Luiz Gama surge como personagem vociferando poemas. O "bode negro" autoproclamado Orfeu de Carapinha.
Não somente por ser um musical as canções criam vários pontos altos da viagem, daquilo que poderia ter sido a história dos negros em São Paulo. Pensando nas canções e no clima, lembrei-me que Abdias ficou preso ali perto no Carandiru e viveu em uma pensão nas proximidades da praça princesa Isabel. Entende como é forte? Abdias, Carandiru e Isabel?
Paulo Faria confessa pouco depois da sessão que tem trechos do texto, que foram extraídos das falas dos formadores, inclusive a minha. Isso confirma uma estranha sensação minha durante a apresentação (por vezes pensava comigo, mas essa frase parece que foi eu quem disse, nem sei onde. Será? . Ele todo educado. Poderia ser uma forma bacana de incorporar a formação na construção de um saber e texto coletivo (individualizado). Mas se ele grafar isso nos documentos do grupo, deixará de ser simples expropriação e produção de invisibilidade intelectual para se transformar em estética pós- moderna de criação. Né?
Não sei como serão os próximos anos em termos de expansão e equidade do universo do entretenimento, do lazer e da cultura, mas sei que temos que nos preparar politicamente e tecnicamente cada vez melhor para construir isso com os agentes presentes na cena. Sob o risco de mais uma vez sermos incorporados como corpos e saberes, mas não como protagonistas de nossas próprias existências e criações estéticas, tecnológicas, filosóficas e materiais.
Parabens Pessoal Do Faroeste .
Me chamou bastante a atenção a personagem de uma pianista negra massai em corpo masculino, dedilhando suavemente, deslizando suavemente entre notas e textos. Caramba uma gama tão fecunda de atores e músicos negros e negras, ainda tão mal absorvidos pela política cultural do país. Isso precisa mudar urgentemente.
Sem querer minimizar a qualidade geral do elenco, vou destacar Thais Dias. Confesso de público tinha medo, sofri antecipado que ela ficasse presa a personagem da "nossa antiga" do Movimento número 1, do Coletivo negro. Era algo muito forte. Mas o que vi foi um desabrochar de técnica vocal e texto fluído, um corpo forte e solto, de traços redondos e leves, flanando num espaço cênico módico. Cenário modesto, figurino cuidado e luz no ponto certo. Nada, nada em excesso. É estilo e não precariedade.
Os personagens Abdias, Zé Pretinho, Benedito, Rubinato, Zé Correa e Adan Smitih fazem tudo para não esbarrar em demasia nas três personas de fêmeas, nem obstruir Tinga, Flora e a esbranquiçada (quase rodrigueana) Vanda. Simultaneamente Leona (elegantemente sedutora) Jhovs, Thais Dias e Mel Lisboa.
É o segundo trabalho recente onde Luiz Gama surge como personagem vociferando poemas. O "bode negro" autoproclamado Orfeu de Carapinha.
Não somente por ser um musical as canções criam vários pontos altos da viagem, daquilo que poderia ter sido a história dos negros em São Paulo. Pensando nas canções e no clima, lembrei-me que Abdias ficou preso ali perto no Carandiru e viveu em uma pensão nas proximidades da praça princesa Isabel. Entende como é forte? Abdias, Carandiru e Isabel?
Paulo Faria confessa pouco depois da sessão que tem trechos do texto, que foram extraídos das falas dos formadores, inclusive a minha. Isso confirma uma estranha sensação minha durante a apresentação (por vezes pensava comigo, mas essa frase parece que foi eu quem disse, nem sei onde. Será? . Ele todo educado. Poderia ser uma forma bacana de incorporar a formação na construção de um saber e texto coletivo (individualizado). Mas se ele grafar isso nos documentos do grupo, deixará de ser simples expropriação e produção de invisibilidade intelectual para se transformar em estética pós- moderna de criação. Né?
Não sei como serão os próximos anos em termos de expansão e equidade do universo do entretenimento, do lazer e da cultura, mas sei que temos que nos preparar politicamente e tecnicamente cada vez melhor para construir isso com os agentes presentes na cena. Sob o risco de mais uma vez sermos incorporados como corpos e saberes, mas não como protagonistas de nossas próprias existências e criações estéticas, tecnológicas, filosóficas e materiais.
Parabens Pessoal Do Faroeste .
By Salloma
TERÇAS E QUARTAS 21H
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