Olhar/Mosaico em perspectiva de práticas e conhecimentos, políticas e artes africanas/diapóricas. Biocaminho na esfera. Anima afim de experimentar toques e palavras, sons e ruídos, notas tortas, acalentando dissonantes rebeldias. Desejos de sorver quase tudo no cosmo, na Américafrolatina. Utopias à beira do Atlântico. Por desvelar e reconhecer as partes e o todo, durante a busca do estar pleno no mundo, enquanto for.
SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho
Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada. |
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
3 Miltons Teaser de lançamento 2016
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SALOMAO JOVINO DA SILVA
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terça-feira, 28 de novembro de 2017
Testamento sonoro.
Notas
tortas da madrugada: Canções e Letras.
Sons de internet
discada: Se o futuro é feito apenas de finos fios de desejos, o passado só pode
ser transcrito com lápis de sombras e brilhos... Meu tempo é esse e todo
passado é já esmaecimento, fonte de criação e dores superadas. O relógio sob a
retina não deixa dúvida e nem escolha, temos, tenho que seguir. A música me
levou a lugares que jamais poderia ter ido por mim mesmo. Ela maldição e
dádiva, é cultivo e desencanto. Mesmo que eu não queira ficam ruídos me
perturbando o ouvido interno. E por mais longe que eu vá, ela é almadia, canoa
dos Awá. Araquari e Lumiar, Bela Vista e
Grajaú, Penha e Copacabana, Guine Bissau e Perdizes, são sempre as
mesmas canções-canoas. Ferro riscando o vidro: Ouço, ouça, Donana lavando
roupa, Dusantos lavando louça, Antonio fazendo flauta de bambu num serrote
secular. Ele Antonio dos Bêta no violino de compensado, no cavaquinho
eletrificado ou na sua viola de arame. Ele tocando pra si, em chinelo de dedo e
calça rancheira. Não posso negar, caipira preto é o que sou. Bisneto de negra
Jovina e outros homens escuros sumidouros, falos embrenhado na capoeira do serrado.
Trago sempre no bornal minha pitada de Congo, uma viola D’Angola para atiçar
notas mortas. Somos banzo do futuro. Maquinas de pedal cozendo: Réu confesso,
meu lugar é o erro, pois aspiro a memória do mundo. Pausa longa, performance do nego Jansem
“moleque zaranza” no festival. Umas fotografias rotas e rasgadas, prisma em
preto e branco deles e saudade. Sempre é uma re-volta a cantiga do Dedé “não me
chame de negro da alma branca...” no festival de São Sebastião do Paraíso, num
inverno qualquer de 1979, com João Terra, João Batista da Silveira, Vandré e Lord
Bira da Silva. O chão é semeado de rasqueados de violas negras, calangos e
pagodes roceiros. Ngomas são senhoras de couro e madeira, células rítmicas
milenares, segredos abertos. “Moda de
viola não dá luz a cego”, canções do sargento pimenta também não. Sou caipira
preto, fugitivo para um quilombo eldorado, mas a cidadela é murada, cercas elétricas
indizíveis. Pia que pinga. Maquinas de fotocópia: Não fui a portobello road,
mas ouvi a canção que me veio do Suriname, senti aqueles acordes consonantes do
reggae e vi quando os primeiros rastas entraram altivos na metrópole e desceram
a Martiniano de Carvalho. As ruas de Passos eram minhas desde a entrega
daquelas marmitas no Cine astro. Campinho de terra, bola de meia, nada de
beiçola ou tifum, eu era uma Pelezinho. As soberbas de São João Batista do
Glória moravam lá. Quando o amor me visitou de prima, Ezir morava com a mãe num
prédio nobre no Brooklin. Porteiro beje me interditou a mando dela. Claro que
não foi a primeira vez nem a última, que senti o frio que vem do norte. É
preciso esquecer, mas não perdoar, ponho na canção o trauma, o medo e todo,
todo resto, todo lixo subumano que há no mundo e em mim. Tem uma coisa na
canção que me alimenta, uma alegria contida, como uma oração presbítera e um
canto umbanda fundidos. Sons do mato crescendo: Meu amor é afronórdica tesuda,
cristiana sem sê-lo, tem ombros de
feirante, forte gaivota e frágil desnuda.
Desde o começo marcamos encontro na baquinha em Santo Amaro. Eu e Dubois em altas alemanhas. Antes vaguei por Rodas
de pai oxalá, foi minha primeira cantiga, fendida em um festival no ensino fundamental
com Raquel e Ana de Lucas e Susana Pimentel, Violão e tambor, e só. Depois que
veio e Inhola Trio. Imagine a saga, uma flauta doce e dois batuques, fecharam
escola para um show, cobramos ingresso e tal. São Paulo e Minas Gerais,
mas “não sei se vou, não sei se fico”,
minha dúvida e de Martinho, chegamos juntos. Ele pelas ondas do rádio, long
play na eletrola de pilha, sob a lona preta no Jardim Miriam. Eu? Via estação luz, chapando os olhos nos
arranha céus. Na escola um corpo de menina dança, cheiro, falo, sonho.
Periferia e cordel, pastel de feira e japonês, Harume, Kaoro, Mario Nishigawa,
Mitico, Ana Saiure, Akira S e Che Guevara, diversidade total, humana e real.
Descoberta do mundo e encontro. Cubo da feira, clube da esquina, Jorge Ben e
Jorge Bruder e o maestro Tarcísio um preto outro branco. Genão festival, Cabral
e Meire, Adalto em piscina cheia, canções autorais, quem quer mais, lazer na
periferia. Um envelhecido amigo arrastando a chinela da porta da casa até o
portão elétrico: Agora nomes parecem remotos, Raquel, Eugenio Vinci, Léa,
Marcão, Valada, Marcinha anos setenta, uma escola uma quadra, um festival de
música. Jatos supersônicos: Um pouco de futebol, ponto de ônibus, shorts
cumprido, skate e ditadura. Rangido de porta se abrindo. Do terreiro surtido
nas Gerais à mesa parca, pencas de bananas em fim de feira e a merda voltando
pelo ralo, rua das laranjeiras na Catarina, lá se foi o dedo do Gerson na
máquina de concreto. Era um espetáculo o corpo nú daquela jovem senhora na janela
do sobrado, cinema toda tarde. Eita molecada. Pula corda, sobe essa parte.
Pisando em poças d’água : Um cobertor bem quentinho com dragão chinês
estampado, nada se perde em são Paulo, obrigado Bete Ng. Betão, Rubão, Broks,
Claudionor. Corpos negros masculinos em profusão, virilidade do futebol, sou
eu, Pelezinho, canela fina, fujão. Num
mundo tão diverso, tudo era branco demais. São Paulo é poder, foder e cair.
Cida Ângela, Zaire, tranças e contas no cabelo é orgulho negro, black power,
irmandade e desejo, dançar soul no chão batido. Não tenho mais medo de bala,
corro em zigue zague, meu corpo não é fechado. Não vou morrer de tiros no
campinho, bola na quadra do Monsenhor, agora é área da Cooperifa, Marcio
batista, Sergio Vaz e Vaz de lima. Euller não conheceu Anastácio e Verinha,
Beiçola e Neguinxim, Al green e Ray Charles. Braço da eletrola no sulco: Bloco
do beco e Originais. Samba soul e Nascimento, Melodia e Zamba bem. Transa
negra, pertença, danças e amores nos bailes. Rituais, becos e muros do parque
santoantonio (oh favela, canta comigo: “a subida do morro é diferente, o
movimento é geral”, bem antes de racionais mcs). Um universo no corpo dela,
bela Arlete, meu negro amor saltando pinguelas. Onde andará? Viva Vilma correndo da morte, Carlo-Marco,
Maria de ontem é Cristina da Paz hoje. “Viva a mata e os olhos verdes da
mulata”. Saúdo seu zelo, porque seguem em cantoria no velho mercado velho. Pra
mim um santuário, escola e palco do Circo Novessencia e Na Corda banda. Em
plena ditadura, solidão, seguem amando a música que está em nós, cantando para
ir vivendo. Inhola trio, mulatos quase
brancos e velhos brancos bem racistas, mas pobres demais, sem força para nos
apartar. Guitarra com distorção: Né Bubina?
Né Kolchereiber? Nem Pusinkas, nem Mandim, nem Cremm, nem Bochiglieri. Primeira
cama de mola, rangidos da cama dançando. Meu amor nunca foi puro, confesso. Mas
também quase nunca aceitou fronteiras. Porque só os afetos são eternos. São
eles que continuam vibrando quando os nossos corpos jazem frios. Eloquência da
vida é Beto vovô e nega senhora, a índia mais linda que eu conheci. Vera é
vera, passou bem cedo, choramos e catamos seus sonhos. Ecos de tiros e bombinha
de mil: Foram tantos outros que eu nem vi, não velei como Nenê. Não é morte, é
ceifa: Sabão de Côco, Zédoido, Marcio
Caveira, Zédimas. Falo sério sobre subcidadania, da sobrevivência em terra
alheia que é sua. Nomes e listas nos bares, pés de patos e avatares, matadores
de aluguel, a cidade é uma maquina de moer gente. Os demógrafos nada sabem
sobre nós, estudaram muito, até que cobriram os olhos com teias rendadas de
números. Meu Estanislaw ( não Sergio Porto) era um branco bem raro, bom de bola
pra caralho, mas inviril e fingidor. Descobriu que amizade não é amor, é lucro.
Identidades em jogo de construção, operário Carlão, Frust, João Loruenço,
Tchak, Banana-Ana, Chicão, Marilena quase fome, criançada, subemprego e
marmelada. Para o poeta Nono éramos todos metalúrgicos e nordestinos,
provincianos em revolta comunistas, proletários letrados, mas sem a grana do
Caio Prado, do Carlos Prestes ou do Niemayer. Chico era um operário do BNH, no
violão de sete cordas ele está são e resiste. Lá na igreja do padre Luis era
seu Raimundo fazendo folia urbana, subindo e descendo morros escorregadios, sob
os olhos da velha índia de pele negra. Sons abafados de tambores: É poesia do
Chico não meu véi, é vida vivida nos Grajaus da vida, no lado que a cidade é
partida, onde quase nunca se junta. As cidades são miragens, os bairros são
teares. Eu sou besouro se pau zunindo seus ouvidos. Feira de Santana e Bosque
da Saúde, João Braga e Helo “oh quão dessemelhante”. “Triste Bahia”. Carlos
Boquinha e Carlos Gianazzi eram Caetanos da periferia. Triste Interlagos, Chico
Czar na Capela do Socorro, Parelheiros, “os
olhos tristes da fita rodando no gravador”. O neguinho é esteio, Luis Rosa,
Buda bantu. Plantou ruas de harmonias pra eu navegar com meu canto torto. Notas
que eu sempre pus na beira, sem trena. Não só por isso sou muito grato.
Lamentamos juntos nossos irmãos que jazem aqui nesses campos de asfalto,
fuligem e lama. Rabiolas de pipas no ar: Canções são sempre maiores que nós,
rompem o tempo ficam vagando.Tornar-se irmão do irmão, contabilizando as perdas
e ir costurando sonhos e risos, sem vangloria, não é pra qualquer. É coragem
sem tê-la. Oliveira árvore sã, seu óleo é sacro, cabocla-negra, senhora filha
da velha aroeira, indígena parelheira, centenária. Pra cada perda uma poesia,
para cada negra filha, uma ilha amarrada aos pés continentais. Amor é da nossa
condição animal, sem ele não há como prosseguir. Meu coração tava aberto quando
ela chegou, só perguntei seu nome, algo estranho me ocorreu sobre sua cor rósea
queimada do sol da feira livre, seu cabelo dourado e seus olhos marinhos. Mas
não me ative ao texto da interdição e da exogamia. Racismo é ojeriza e ódio
pelo humano que vem ao encontro. Como? Se eu não caibo em mim mesmo, se eu nem
existo pra mim. Como poderia existir para o outro? “Mesmo que os racistas
vençam, ninguém poderá me roubar a memória, das marcas dos meus dedos em suas
costas.” Tem muita alegria e vitoria espalhada além de santoamaro, Miranda
d’Ouro é canto puro mundo inteiro, Maga Lieri com alma amansada pela dor,
também canta humilde e divinamente. Conheci outras tantas mulheres negras, não só
na cor, no mundocanto, cujas formas ainda busco. Sara e Geni, ora. Oração,
inselença e Kalunga Zambi. Os fragmentos dos seus corpos geraram outros bem
mais fortes, Danusa Novaes, Meire Palma,
Nádia Rosa, Luan, Marcus e Marina. Filhas, filhas e irmãs. Detalhe: são
portadores de cantos, herdeiros daquelas mulheres. Novamente famílias negras
acolhedoras nas beiras de Diadema e Jardim Miriam, por onde passei ao chegar e
voltei pelo Jabaquara um centro cultural. Televisão de válvula esquentando: As
crianças vingaram, estão forras e a cidade os habita, ainda que na beira.
Outros caipiras urbanos, caralhos rubros, alma cheia e cabeça oca, broca ou
fábrica de filhos. Não. Como eu, são apenas homens sustentados por dois falos e
uma perna, uma paranga ou guimba. Sobre os filhos deles, não fossem as mães
seguras e velhas, gente que cria e recria a si mesma, teriam sido engolidos
pela enxurrada, tragados pelas ruas. Não me furto ao papel de juiz e serei
julgado pelo por tudo que fiz e pelo que não fiz. Melhor assim, do que passar
incólume. Hoje penso que eu sei quem sou e o que me tornei. Um homem negro. Meu
ser está preso nesse corpo melanínico e fálico. Sei que daqui de dentro desse
corpo sinto que a justiça e a polícia, simplesmente me odeiam. Apenas meus
irmãos tateiam cegos para me achar no meu corpo. Ele apenas me sustenta no
mundo e eu o sinto. O mundo. Máquina de pedal: A canção é uma costura
pacientemente feita entre a luta cotidiana e o mundo ao derredor. Banda Tribbu,
Vândalos de Chocolate, timbres e sonhos, medos e tons, sons que arrebatam e
fazem o corpo reviver. Em conjunto as canções formam flashs iluminados, nas
rotas escuras da corrida encarniçada pela liberdade. Pele roçando a pele: Satranga
de lima seria um caso a parte pela generosa reciprocidade e vigor. Uma lição
viva de afeto, pelo gesto e pelo cunho libertário de sua canção, pela
radicalidade como viveu e vive seu amor pelos outros homens, quando s e
descobriu livre. Nos dois nas beiras
gélidas do sena, canções, luzes e amores na cidade rica. Ainda assim,
canabistas adeptos sinceros tendem a falar muito sobre o mesmo, mas ao menos
não se quedaram em dog-máticos cruzadistas. Tendência avassaladora atual. Nessa
margem externa dos pinheiros quase todos os bares foram reformados e convertidos
em casinhas de cambio jesuíticas. Há muita música de transe e grandes amigos
nossos, hoje vivem lá.. Esperam a salvação ou campeiam algum trocado, a vida é
dura mesmo. Constato apenas, não julgo e não lamento. Martelo sobre a madeira: Os girolamo-scantamburlo
e schultz serão sempre parte de uma reserva afetiva interrracial e não
importará o que acontecer daqui em diante. Nego Jansem frisava o quilombo
imaginário de santamaro e a noção do triplo pertencimento, sem saber das
revoltas indígenas do século XVI, imaginário em expansão. Negros claros e
brancos caídos, circuncisos ainda meninos Gil Assis, Chechetto, Sechanechia,
Urbano, Binho, Telmo anum, João grande, Beto de Tore, Carrasco, uma quantidade
infinita de nomes, certezas e tons de pele. Novamente canção, feixe de ego e
cisão. Não é geografia sonora, é infixidez do território, seminomadismo tonal,
zona fronteiriça entre a música e a dúvida, entre a dádiva e a maldição .
Tigrão e Célia, Magnólia, Eufra e Mauricio, meus mestres me ensinaram a arte de
ficar invisível e a coragem sonhando.
Aprendemos pela experiência cotidiana, que por vezes o viver do lado de
cá da ponte é marcado por um sentimento terrível de holocausto, que não cessa
nunca, dezenas de vidas ceifadas numa única noite, é aterrador, sufocante.
Circuncisos na vida adulto, eu, Caminha, Mano, Godoy, Suete, Salete, Tai,
Elcio, Caçapava e os Fischer. A arte
nos parece ser única coisa capaz de dar um contorno compreensível a essa nuvem
de silêncios e narrativas sobrepostas, imagens recortas e sobrepostas, vidas
quase fictícias, temporalidades e
geografias entrechocadas. Por conta das divisões internas, mal conseguimos
saber de onde vem o chumbo. Sequer conseguimos sustentar um teatro livre como
aquele da Bielorrússia. Serra o papo do vovô: A arte aqui tem a ver com a
urgência existencial das coisas frágeis, sopros envolvidos numa engrenagem,
quase sempre desgovernada e cruel. Clarianas, Capulanas, Quizumba, Crespos e
outros tantos negros coletivos, são bons presságios, um refresco para tanta vida
vã. Kaká um dia verá, fomos poeira do mesmo rastro no tempo. Semente
ngaguelano, chão do quilombo da Mombaça, nova tribo. Maria e Cristina da Paz Gomes, todos os Gomes
e Olgins, marlenes e tiznau, nomes e sobrenomes de bambas. Mas homens que
dançam também matam. Ronaldo e Naldinho,
Fl´pavio e Celinha, Irani e Solange, maria do nico, Margarida, Regna, João,
Abrão, Maria, Rafael, e batismos de sangue e canhão. Até quando?
Toda palavra é excesso e um gesto é sempre feito de incompletude. Embrulho
poemas em papel de pão: Escrevo eu meu computador de bordo, meu cérebro
eletrônico coevo. Pode ser por culpa da escola, das professoras que me deram trela, foram tantas, uma Alcione
Abramo, outra Angelina, Antonieta, Maria
várias. Nunca me escolarizei por completo, conquanto doutor
semialfabetizado e vingativo. Resquícios de oração: Me fiz em contracanto um
juntador de letras, um catador de palavras e algumas frases com e eixo tenho me
esmerado nisso. Notas e palavrões
escritos no vento: Também vendo quinquilharias variadas. Sou letrista
que canta. Me dá licença! Quero entrar no seu campo de sentidos, para ver se
minha vida ganha algum. Agora estou, estamos a caminho de Tonande Porã: Salve
Zambi.
Postado por
SALOMAO JOVINO DA SILVA
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quinta-feira, 23 de novembro de 2017
PIAF e BRECHT, a cor vermelha do sangue azul do teatro brasileiro
FONTE: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/11417_UM+ENCONTRO+QUE+ECOA+E+TRANSCENDE
A cor vermelha do sangue azul do teatro Brasileiro. Ou Brecht e Piaf visitando Paulo Eiró.
A cor vermelha do sangue azul do teatro Brasileiro. Ou Brecht e Piaf visitando Paulo Eiró.
Edith Piaf, nascida Edith Giovana Gassion (
1915-1963), foi a mais famosa e influente da canção francesa, conhecida em todo
mundo civilizado, mesmo pelos que não falam francês.
Eugen Berthold Friederich Brecht (1898-1956) Nome artístico,
foi um dos melhores poetas da língua alemã. E também seu dramaturgo e teórico
de teatro mais importante. E o mais influente encenador do século XX.
Livreto
SESC
A vida em vermelho: Brecht e
Piaf, com Leticia Sabatella e Fernando Alves Pinto
Texto de Aimar Labaki,
Direção de Bruno Perillo.
Direção Musical de Lincoln
Antonio
Músicos: Demian Pinto- Piano,
Zeli Silva –Contrabaixo, Giba Favery- Bateria e Percussão.
Eu e outros professores e
professoras periféricas fomos ao SESC Santo Amaro assistir entusiasmados a peça
mais recente de Aimar Labaki. A vida em vermelho: Brechet & Paif. Um
encontro fictício entre a cantora francesa Edth Piaf e o dramaturgo e encenador
germânico Berthold Brecht.
O que vai refletido aqui, está baseado no texto do caderno de apresentação do espetáculo e uma recepção de um espectador ativo. Muitas das terminologias utilizadas constam nesses materiais. Meu objetivo continua sendo esgarçar as telas dos cânones artístico-culturais das elites brancocêntricas para fazer emergir novas imagens e sons, capazes de ultrapassar o véu que nos separa e nos torna estranhos a nós mesmos. Segundo Caetano, já parafraseando um num sei quem: “Só é possível filosofar em alemão”. E talvez escrever canções só em língua francesa.
O que vai refletido aqui, está baseado no texto do caderno de apresentação do espetáculo e uma recepção de um espectador ativo. Muitas das terminologias utilizadas constam nesses materiais. Meu objetivo continua sendo esgarçar as telas dos cânones artístico-culturais das elites brancocêntricas para fazer emergir novas imagens e sons, capazes de ultrapassar o véu que nos separa e nos torna estranhos a nós mesmos. Segundo Caetano, já parafraseando um num sei quem: “Só é possível filosofar em alemão”. E talvez escrever canções só em língua francesa.
Uma cultura teatral de elite
agoniza hoje no Brasil, estamos assistindo então as buscas por refugio dos
detentores de uma cultura artística vinda da Europa no século XIX e que se
prolongou com vigor aqui até a década de 1990. Agora seus últimos suspiros. Sua
respiração é feita por aparelhos. Um desses aparelhos é o SESC São Paulo. Um dos
seus médicos mais primorosos e resilientes é Danilo dos Santos Miranda.
O tempo idealizado do refugio é a
Europa do entre e pós guerras.
Brecht (Fernando Alves Pinto)
cantava suas próprias de parcerias com Kurt Weil, aqui traduzidas por Cacá Rosset.
Piaf (Leticia Sabatella) também canta
suas e de outros. Tudo tem cunho didático,
facilitação de Brecht e Piaf para gente inculta, tal como somos vistos, desde
que a tal elite fez contato visual e cultural conosco há alguns anos.
Um trio de músicos brancos, dois
solistas iguais. Ao que parece apenas um dos camareiros era negro.
O texto de tão leve e
pretensamente didático, chega a ser leviano. Reduz o contexto altamente
complexo da guerra fria e transito épico de Brecht de um extremo ao outro
daquele mundo cindido. Também esquece o fato da industrialização da cultura
musical e teatral naquele tempos e quase
arrasa as personas de Piaf e Brecht.
FONTE: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/11417_UM+ENCONTRO+QUE+ECOA+E+TRANSCENDE
FONTE: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/11417_UM+ENCONTRO+QUE+ECOA+E+TRANSCENDE
As canções intercalam os textos e
os arranjos são eficientes, não sobra nem falta. Algo no teor recorrente e mais
geral do texto nos dá a entendem que Brecht era um “mulherengo” típico,
enquanto Piaf parece ter preferência especial pelo sofrimento. A vida e o acaso
são bem mais complexos que isso. Muito mais que tensão entre razão ( Brecht) e
emoção (Piaf).
No caderno de apresentação Labaki
sustenta que se recusa ao dualismo.
Seria a síntese? Aparentemente Breceht e Piaf ocupam lugar antitético na
construção da cultura europeia do século XX. (Alguns hão de reafirmar com razão
e alguma raiva: Na cultura universal, seu silvícola) Eu admito que sou um
verdadeiro bárbaro nigro diante de um suposto prédio romano blanc expandido.
A Chansson derramada e
sentimental de Piaf em tudo dialoga com certas
tradições musicais
afro-americanas e todos os elementos do Jazz atravessam e atravessam as
concepções de Kurt Weill.
Labaki diz:“ Já vivi o bastante
para saber que a vida não é preto e branco- a vida é cinza.
Ainda que estes tempos de
radicalismos verbais e perplexidade parasilsante nos levem acreditar em
dualismos pétreos”
Para Labaki o vermelho evocado em
seus textos é como uma cor signo que liga Piaf à Brecht, “um vermelho
imprescindível “, não aquele do “sangue nos olhos ou da guerra ininterrupta,
mas o vermelho do sangue nas veias“.
Piaf é resumida em paixão e
emoção, mas sua opção pelo afeto é racional ao passo em Brecht há espirito de sacrifico
em prol da revolução nos palcos ou nas
ruas.
Algumas poucas piadas sobre a
cultura digital, ao culto às celebridades e mais efetivamente aquilo que os
dramaturgos contemporâneos podem oferecer, uma diversão boa e barata, em uma
unidade avançada do SESC. Nenhuma dose de contradição ou calor humano prometida no
caderno. Falta febre e sangue, falta vemelho-quente. Sobra o sangue azul-verde
da friagem costumeira. E não mais o verde das matas nem dos olhos dos olhos da
“mulata”.
Um suposto conflito entre duas
psiques e experiências sócio culturais diversas não aflora, caminham em
paralelo , mas não se tocam, não entercruzam. Mas parece possível supor que que
sejam reconstruídos num textos
para incultos como nós, dois símbolos da cultura ocidental que fascinam as
elites culturais brasileiras.
O germanismo e o francesismo
podem ser entendidos como duas formas complementares de adesão cultural de
diferentes tempos e setores das elites brasileiras entre os séculos XIX e XX. Na
segunda década do século XXI, quando os silvícolas estão a porta e os
pseudo-colonos foram definitivamente abandonados pelas suas metrópoles, parece
não restar outra saída senão a idealização das (puras) culturas artísticas
europeias do século XX. Mas que sejam leves e sem compromisso com as questões
da sociedade brasileira contemporânea.
Mesmo na periferia atual de
sampa, quando uma artista quer comprovar sua ascensão estética decora ou
memoriza ao menos uma canção de Edith Piaf. Na primeira oportunidade trata
de exibir tal erudição nos saraus. Sim, o contraste está feito, se pode ser
periférica, mas não inculta como a massa esquálida de restos silvícolas.
Leticia Sabatella se ergueu um
tanto além das figuras típicas da elite cultural brasileira. Fez crítica ao
patrão, se irmanou de mulheres negras, andou em acampamentos. Recusou o lugar
destinado as celebridades televisivas convencionais. Parabéns.
Os espetáculos deles, desde os
anos 1960, devem muito a televisão, assim como o teatro deve a telenovela.
Tarcísio Meira nosso herói bonitão dos anos 1960-1960 advindo do teatro para a TV
e daí novamente para o teatro, foi quem disse isso em uma recente entrevista de
radio: “A telenovela é, no Brasil, o
verdadeiro teatro dos pobres”.
De fato o teatro e a dança têm
sido guardados por eles como se fossem reservas especiais de vinhos importados
das altas Europas. O humanismo, embora contraditório funcionava como uma
espécie de freio das perversidades modernas. Agora que os valores do ocidente
foram definitivamente para o vinagre, as elites brancas daqui se vêem obrigada
a repartir algo que restou da ideia de liberdade e civilidade, mas não nos
franquiam as mesas e nem nos oferecem as melhores safras. Creio que pensam em
facilitar nossa digestão, afinal nosso paladar não poderia apreciar gostos de
tal requinte.
A alta classe média paulistana,
inclusive aquela ligada a produção
artístico-cultural privada ou estatal, via de regra se nega, a se ver como
elite. Eu entendo essa recusa. Nos discurso oficiais ainda paira a ideia geral esse
país de verdes matas, cachoeira e cascatas nunca houve terremoto e nem
antagonismo de classe. O racismo só pode ser entendido como autoflagelo de
negro e índios. Todos são mestiços de alguma forma e branco mesmo nunca houve.
Os brancos, em certas ocasiões também se recusam a sê-lo. Todas as pesquisas recentes que indicam sistemática
concentração de poder, prestígio e renda entre os descendentes de europeus são,
na verdade, calunias ou sandices de pesquisadores da FGV, SEAD, IPEA, IBGE.
Ao início do século XX, a cultura
musical erudita havia passado uma régua sobre todas as formas de expressivas de
musicalidades da Europa ocidental. A forma canção na França somente se exprimia
de forma agonizante como cantiga de rua e de prostibulo, mas ainda assim já
parecia depender de conteúdos vindos da musica negra estadunidense. A pardal,
Piaf então é símbolo de uma França que agoniza sob a pressão germânica. Labak
se lembrou bem disso.
Ao fim Piaf é resumida em paixão e
emoção, mas sua opção pelo afeto é racional ao passo em Brecht há espirito de sacrifico
em prol da revolução nos palcos ou nas
ruas.
Algumas poucas piadas sobre a
cultura digital, ao culto as celebridades e mais efetivamente aquilo que os
dramaturgos contemporâneos podem oferecer, uma diversão boa e barata, em uma
unidade avançada do SESC. Nenhuma dose de contradição ou emoção prometida no
caderno. Falta febre, calor e sangue vemelho-quente. Sobra o sangue azul-verde
da friagem costumeira. E não mais o verde das matas nem dos olhos dos olhos da
“mulata”.
Um suposto conflito entre duas
psiques e experiências sócio culturais diversas não aflora, caminham em
paralelo , mas não se toca, não entercruzam. Mas parece possível supor que que
se encontram reconstruídos num textos
para incultos como nós, dois símbolos da cultura ocidental que fascinam as
elites culturais brasileiras.
O germanismo e o francesismo
podem ser entendidos como duas formas complementares de adesão cultural de
diferentes tempos e setores das elites brasileiras entre os séculos XIX e XX. Na
segunda década do século XXI, quando os silvícolas estão a porta e os
pseudo-colonos foram definitivamente abandonados pelas suas metrópoles, parece
não restar outra saída senão a idealização das (puras) culturas artísticas
europeias do século XX. Mas que sejam leves e sem compromisso com as questões
da sociedade brasileira contemporânea.
Mesmo na periferia atual de
sampa, quando uma artista quer comprovar sua ascensão estética decora ou
memoriza ao menos uma canção de Edith Piaf. Na primeira oportunidade trata
exibir tal erudição nos saraus. Sim, o contraste está feito, se pode ser
periférica, mas não inculta como a massa esquálida de restos silvícolas.
Leticia Sabatella se ergueu um
tanto além das figuras típicas da elite cultural brasileira. Fez critica ao
patrão, se irmanou de mulheres negras, andou em acampamentos. Recusou o lugar
destinado as celebridades televisivas convencionais. Parabéns.
Os espetáculos deles, desde os
anos 1960, devem muito a televisão, assim como o teatro deve a telenovela.
Tarcísio Meira nosso herói bonitão dos anos 1960-1960 advindo do teatro para a TV
e daí novamente para o teatro, foi quem disse isso em uma recente entrevista de
radio: “A telenovela é, no Brasil, o
verdadeiro teatro dos pobres”.
De fato o teatro e a dança têm
sido guardados por eles como se fossem reservas especiais de vinhos importados
das altas Europas. O humanismo, embora contraditório funcionava como uma
espécie de freio das perversidades modernas. Agora que os valores do ocidente
foram definitivamente para o vinagre, as elites brancas daqui se vêem obrigada
a repartir algo que restou da ideia de liberdade e civilidade, mas não nos
franquiam as mesas e nem nos oferecem as melhores safras. Creio que pensam em
facilitar nossa digestão, afinal nosso paladar não poderia apreciar gostos de
tal requinte.
Eu e outros professores e
professoras periféricas fomos ao SESC Santo Amaro assistir entusiasmados a peça
mais recente de Aimar Labaki. A vida em vermelho: Brechet & Paif. Um
encontro fictício entre a cantora francesa Edth Piaf e o dramaturgo e encenador
germânico Berthold Brecht.
A alta classe média paulistana,
inclusive aquela ligada a produção
artístico-cultural privada ou estatal, via de regra se nega, a se ver como
elite. Eu entendo essa recusa. Nos discurso oficiais ainda paira a ideia geral esse
país de verdes matas, cachoeira e cascatas nunca houve terremoto e nem
antagonismo de classe. O racismo só pode ser entendido como autoflagelo de
negro e índios. Todos são mestiços de alguma forma e branco mesmo nunca houve.
Os brancos, em certas ocasiões também se recusam a sê-lo. Todas as pesquisas recentes que indicam sistemática
concentração de poder, prestígio e renda entre os descendentes de europeus são,
na verdade, calunias ou sandices de pesquisadores da FGV, SEAD, IPEA, IBGE.
Ao início do século XX, a cultura
musical erudita havia passado uma régua sobre todas as formas de expressivas de
musicalidades da Europa ocidental. A forma canção na França somente se exprimia
de forma agonizante como cantiga de rua e de prostibulo, mas ainda assim já
parecia depender de conteúdos vindos da musica negra estadunidense. A pardal,
Piaf então é símbolo de uma França que agoniza sob a pressão germânica. Labak
se lembrou bem disso.
A Piaf de Labaki está acocorada sobre aquela recentemente vista no cinema, mas é mais magra e bem menos complexa.
A Piaf de Labaki está acocorada sobre aquela recentemente vista no cinema, mas é mais magra e bem menos complexa.
Paif e Brecht agora são de todo mundo, inclusive daqueles que pertecem ao mundo incivilizado.
A pouco mais de 500 mestros do SESC, fica o Teatro Paulo Eiró, um dos poucos postos avançados da cultura teatral. Paulo Eiró foi um dramaturgo paulista da segunda metáde do século XIX, vivia em Santo Amaro, uma comunidade modesta, numa província pobre. São Paulo de anteontem.
O teatro se refugiou na telenovela durante a ditadura, pelo visto a telenovela está se refugiando no teatro na era do trumpismo e temerismo. Mas a culpa há de ser nossa, os incultos.
O teatro se refugiou na telenovela durante a ditadura, pelo visto a telenovela está se refugiando no teatro na era do trumpismo e temerismo. Mas a culpa há de ser nossa, os incultos.
Postado por
SALOMAO JOVINO DA SILVA
às
04:21
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