Entrevista
Neri Silvestre – realizada no dia 29 de
julho de 2016.
Como
nasceu a ideia de organizar o Sarau?
Na realidade, eu a
Gláucia, a Carla, a Maria, O Helinho, a Rita mais a galera que tá aí, a gente
se inscreveu no edital do ponto de cultura em 2009 dentro do programa Cultura
Viva. A gente foi contemplado, mas tinha uma dívida dentro da Associação de
Moradores que precisava pagar impostos e, por morar num bairro (Jardim santo
André) e as pessoas não entenderem que, pelo menos, elas precisavam declarar
que são isentos, sem fins lucrativos, tal… não tinha como pagar, aí decidimos
fazer um sarau, fazer uma noite da pizza com sarau. E aí foi muito loco, porque
a gente fez e várias donas de casa, vários moradores do bairro começaram a
declamar suas poesias, começaram a falar etc. Daí nasce em 2011 o Sarau na
Quebrada e era nossa intenção fazer no bairro e a gente fez por muito tempo
dentro da Associação de Moradores. E dentro disso, a gente foi construindo... e
ao mesmo tempo era um espaço de resistência, um espaço que a gente melhorou,
que a gente conseguiu mudar a estética, mudar a relação da comunidade, porém,
os casamentos acabam, nada é pra sempre.
A gente acabou
rompendo e continuou a fazer o Sarau na Quebrada pelos botecos, e a Rita por ter os equipamentos, emprestava
pra gente. E um dia a gente descobriu que tava tendo o edital do PROAC em São
Paulo, porém esse edital não atendia as nossas necessidades, do sarau. Ele não
poderia ser feito em bar, tinha que ser profissionais, era voltado pra editoras.
E por uma limitação nossa, como a gente estava num movimento de pontos de
cultura, e está ainda num movimento de Pontos de Cultura latino-americano e
brasileiro, a gente armou com a
Secretaria de Cultura do Estado para que construísse uma política pública
dentro da Secretaria de Cultura e dentro do PROAC. Aí em conjunto com a
Secretaria do estado de Cultura, o movimento de saraus de São Paulo construiu
um edital e esse edital possibilitou que outros saraus pudessem ter acesso a
esse dinheiro e à política pública
construída a várias mãos. Aí a gente conseguiu com que, tivéssemos equipamentos
e a gente começou a rodar nos bares da periferia. A além da cachaça, dos bêbados, que é onde a gente ficava e onde continua ficando
do mesmo jeito. Nos lugares mais precários a gente levava os livros os
equipamentos de vídeo e equipamentos de som transformando num pequeno centro
cultural uma vez por mês. Mas isso foi mudando e começamos a pensar que a gente
precisava ficar num lugar fixo. E agente vem tentando nos últimos três anos
ficar num lugar fixo. Já estamos com seis anos. Mas sempre acontece alguma
coisa, ou o bar quebra ou não é o mote do dono do bar. Ele fatura, mas não é o
que ele quer, porque a gente não pede nada pro bar. Aliás a gente pouco pede
pras pessoas, porque a gente não tem políticas públicas, mas a partir de coisas
colaborativas a gente quer fazer o sarau porque a gente gosta. Mas, no entanto,
fazer o sarau, pra gente foi a possibilidade de construir coisas juntos com
outras pessoas e também ter nosso espaço de fruição espiritual, que é nossa
possibilidade de tá colocando nosso sentimento pra fora através da poesia, da
música e das falas políticas.
E também tinha a
questão de construir o debate. Então o sarau trouxe, muitos temas como DSTs,
terceirização e precarização do trabalho, o extermínio da população negra,
preta e periférica, sobre a mulher, sobre o indígena, sobre a diversidade
cultural do Brasil. A gente fez do nosso jeito aqui na nossa quebrada. A gente,
na realidade, tem a ideia de criar um espaço democrático, onde se consiga
aglutinar forçar e, pelo menos, sobreviver de cabeça erguida diante do sistema
que é essa precariedade, a ausência de políticas públicas que atendam o que a
gente quer. Não há um entendimento da sociedade como um todo, artística e não
artística, que a cultura é importante dentro do processo civilizatório da
gente. Nós temos consciência de classe, porém as pessoas não tem… eu acho
também que é uma arrogância minha dizer que elas não tem… mas a gente vê que
não consegue unir outras pessoas pra lutar por políticas democráticas que sejam
públicas, que sejam construídas por várias mãos, pra que essas políticas,
dentro do município atendam nossas necessidades e que não vão só atender as
necessidades da gente, mas que vão ser ampliadas e vão atender outras pessoas.
A gente não apresenta projeto cultural pra prefeitura, pra secretaria de
Cultura, nem dentro do Estado, nem municipal porque a gente acha que política
de balcão ainda é coisa da época dos coronéis: a gente conhece pessoas e acaba
apresentando projetos individuais, isso é muito centralizado, (como se diz?) é muito umbigal e não é nisso que a
gente acredita. (risos) acho que misturei um monte de coisas, mas é assim, vai
batendo na cabeça e pra seguir uma linha, é muito loco, porque aconteceram
várias coisas. A gente chegou aqui um dia e começou a fazer sentados no meio da rua, tinha seis ou
sete pessoas, depois oito, depois quinze, depois vinte, fez com o pessoal do
Projeto Crack Zero e foi muito loco… aí a gente foi fazendo com vários grupos.
A gente tem também a
possibilidade de: os equipamentos que a gente conseguiu com o PROAC emprestar
pra outros grupos, outros artistas, outros coletivos. A gente tem usado a
política pública não só em nosso benefício… como é equipamento público, porque
foi a partir de uma política pública… a gente tem feito parcerias com outros
coletivos. Temos fortalecido, feito do in antropológico, num sarau que é
o Sarau da Resistência que fica lá em Rio Grande da Serra, que pouca gente vai pra
lá. A gente leva nossos equipamentos, opera lá os equipamentos, mas são eles
que protagonizam, eles que fazem o sarau. É o Sarau da Resistência, numa
Associação, num lugar inóspito no sentido de políticas públicas, se aqui é
ruim, lá é menos política pública ainda. Lá é um diretoriazinha de
cultura e não tem incentivo nenhum, eles não acham que o que a gente faz é
importante e a gente trabalha com essa coisa simbólica. Não simbólico no
diminutivo e nem folclórico, mas o simbólico no sentido de que o que a gente
faz é parte da cultura brasileira, parte da necessidade humana de se
expressar, é transformar o que a gente
sente em poesia.
Ele acontece
regularmente?
Então, ele estava
acontecendo uma vez por mês, uma vez a cada dois meses, porém, eles tem lá as
dificuldades de organização e a gente também, porque há uma certa precariedade.
Quando a gente tem grana fica legal, a gente põe gasolina coloca os
equipamentos no carro e vai pra lá. É muito lindo! Tem momentos de encantamento
maravilhosos, uma relação afetuosa com Rio Grande da Serra. Tudo que a gente pode fazer a gente faz, porém é uma
dificuldade lá deles de organização. A gente queria que eles avançassem mais
isso, mas eles têm feito uma discussão com a sociedade local pra que as pessoas
entendam que a cultura é importante dentro do processo humano nato e isso pra
gente também é importante: uma construção de coisas por aquilo que nos une.
Neri pergunta: Você
faz Federal? Respondo: Sim, Instituto Federal de São Paulo. Neri: Ah, eu quase
fiz Gestão em Turismo lá e quando eu ia entrar, falei: Não, vou pra
Gastronomia. (risos)
Por que a escolha
desse local pro sarau?
É porque aqui tá o
nosso povo, aqui é o meu bairro. A renda per capita é de 850,00. Há uma
dificuldade, a gente vem de luta por moradia, luta pelo asfalto, luta pela
água, pelo emprego. Aqui a gente fala de
assunto que tem a ver com a população local. Também to inserido dentro dessa
população local, então me conto como agente do processo, mas também
protagonizando, podendo ter a oportunidade de fruir espiritualmente, de colocar
meu sentimento pra fora. Acho que a nossa relação é afetuosa com nosso bairro.
A gente é internacionalista, porém a gente tá no bairro. As coisas tem que vir
de baixo pra cima, é de baixo a cima que a gente vai transformar a cidade, o
estado, o País. A gente acredita muito nisso. Então a gente tem feito essa
discussão, e traz a temática do sarau,
que a gente fala que é cultural… e ele é de muita importância porque é cultural
e a cultura tem uma importância gigantesca dentro do nosso processo de vida.
Eu costumo dizer que a
gestão cultural tá dentro de casa. É dentro de casa que tá inserida há muito
tempo a gestão cultural, nos arranjos familiares onde há mediação através da
cultura: eu gosto de uma comida e não faço porque minha mãe não come
determinado ingrediente, então faço a comida respeitando o espaço dela. Por ex:
não faço peixe, porque ela não gosta de peixe por causa do cheiro, etc. Porém e
a gente tem lá a mediação na hora de assistir um Datena, por ex., um programa
na cultura, comer, varrer o quintal, qualquer ação no formato que a gente tem
de casa, nossas brigas, nossos conflitos também são mediados pela cultura.
Então eu digo: que a gestão cultural está dentro da casa da gente. A gente tem
que entender isso e quando a gente
entender isso vai entender outros processos culturais que rodeiam a nossa vida.
Então, o sarau, a base dele é isso e é nesse sentido que a gente tenta se
conectar com os moradores do nosso bairro.
Quais a dificuldades
enfrentadas para a organização do sarau?
Uma coisa é criar
horizontalidades, criar possibilidades para que outras pessoas se empoderem,
tomem conta, façam no nosso lugar, dominem esses espaços, que se multiplique a
ideia, que as pessoas possam, de fato, contribuir pra construção de um lugar
melhor, de um país melhor. Sabe, acho que são utopias assim, a gente cria
utopias a partir do nosso coletivo, mas são utopias criadas de forma diária,
direta, é esse o processo nosso dentro do sarau.
E físicas?
Quando a gente sai de
um lugar... vai pro outro. Mas a gente ta emancipado em equipamentos, a gente é
emancipado, domina, porque acabou
fazendo curso de gestão cultural, curso técnico de som, a gente tem um carro velho que a gente vai e
faz. Acho que a maior dificuldade é não ter a política pública que viabilize,
por exemplo, a nossa produção escrita, as nossas poesias. A gente tá na luta de
classe, a gente tem que ter a consciência de classe que: a burguesia vai ser
sustentada de alguma forma. É por isso que as políticas de balcão são nocivas
ao que a gente faz, porque elas não ampliam a possibilidade da gente, mas
daqueles que sempre estiveram inseridos dentro do poder e com a relação mais
íntima com o poder. Acho que a maior dificuldade é não ter uma política pública
que possa concretizar os nossos livros, os nossos discos, nossos filmes, as
nossas artes plásticas… esse mundo da arte, né. Porque você faz e quer mostrar
pros outros. Você quer compartilhar com os outros aquilo que tem de melhor, de
mais bonito, de mais encantador. Então a
gente tem essa dificuldade, não ter uma política pública que atenda a nossos
anseios. Que seria uma luta não nossa, seria uma luta de todas as classes.
Como eu vejo a cultura
como dimensão humana, parte do humano, acredito que as pessoas deveriam se
engajar na luta: a classe média, os professores, os educadores, os artistas,
todos deveriam se engajar na luta pra que houvesse políticas públicas robustas
e que essas políticas fossem fortalecidas e construídas a partir das outras
pessoas que nos rodeiam. Isso é uma sociedade, é uma democracia, e democracia
se faz pelo pressuposto que as pessoas colaborem umas com as outras, porque a
gente carrega as coisas de forma comum, bens comuns, como comunista, pessoa
comum, acredito nisso. Não sei estou certo. Mas essa é minha linha de
raciocínio.
Nossa dificuldade
poderia ser amenizada ou construída com outras classes sociais, porque são elas
que detêm o capital cultural e o capital econômico. Nós detemos algum capital
cultural que aliás eles desconhecem, porém acham que a formação de público tem
que ser deles pra nós. Eles desconhecem o nosso samba, desconhecem os nossos
arranjos culturais, nosso samba de boteco, nossas conversas de padaria de manhã
tomando café, desconhecem tudo. Na realidade eles querem formação de público
pra eles, pra música erudita, teatro, pras artes. De um lado tem fomento pra
eles fazerem isso. Do outro lado pra nós não tem nada, só tem “de receber”. O
processo de colonizador deles: vem, tamu aqui ó, vocês vão aprender música
erudita. É como fez Pedro Alvares Cabral, o pessoal do Colombo, Anhanguera,
como fizeram outros colonizadores etc. Vêm pra explorar a nossa precariedade e
nossa possibilidade de fruir espiritualmente.
E você frequenta
outros projetos, outros saraus?
Eu não tenho feito
mais tanto isso. Frequentava bastante o do Fórum, do Ademar. A gente tem o Cine
Sapo que é uma espécie de sarau, é feito lá na favela do Sapo no Thelma, que é
uma construção de muitos coletivos, gente de muito afeto, que a gente ama muito
e que tem possibilitado o protagonismo de um lugar precário. São moradores
locais que tem feito e desenvolvido ações culturais dentro dum lugar, onde se
costuma ter aquela visão tosca ah, esse lugar não tem cultura! E pelo
contrário, as pessoas vão e se divertem, se alegram. A gente consegue tirar
cem, duzentas pessoas de frente a televisão. E o Faustão fica, pelo menos
naquele momento, sem aquele público e a
gente consegue passar um domingo. Isso acontece a cada dois mês e é muito
doido, você precisa conhecer.
E sobre o Ademar?
É um dos saraus que
nos inspirou, porque a gente fazia de forma tímida e ali, uma poetisa da Zonal
Sul do bairro Ademar em São Paulo, e ela dizia Neri olha, quando você fizer
um sarau, escreve as suas poesias, escreve o que você quiser, fala o que você
quiser, não liga, canta uma música, dança, faz qualquer coisa. Vai lá, faz, que
é assim que a gente tem que fazer. A gente tá ligado que tá num bairro que
é difícil mesmo. As pessoas não entendem que é difícil essa nossa relação com o
bairro e que o bairro tem uma relação com a cidade. A gente é chamado aqui de
cordão da miséria, porque o Jardim Santo André tem uma renda de 850 reais per
capita, o Cata Preta tem mais 800 reais, o clube de Campo são 750, a represa
700 reais. Nossa mão de obra barata para toda cidade e o Bairro Jardim, no
centro. São as lavadeiras, passadeiras, as babás, são as auxiliares de casa
doméstica. Então a gente tem que de alguma forma dar visibilidade. E essa
visibilidade, se diz no sentido de sair das páginas policiais e passar pras
páginas da cultura dos jornais locais. A gente tem feito muito isso. Então ora
sim, ora não, a gente tá lá com a nossa consciência, com o nosso falar sobre
cultura. A gente tá disputando a cultura que já não é daquela forma ingênua. Não
vamos lá falar eu tenho uma banda, eu sou o Neri. A intenção nossa é
repartir, compartilhar, viver de utopias infinitas - que as pessoas precisam
ter essas utopias - mas sabemos que as pessoas precisam também contribuir de
alguma forma.
Você percebe a participação
de pessoas ou coletivos de outras cidades aqui no sarau?
Ah sim! Sempre tem gente diferente. Hoje tem a Márcia
de Mauá, teve um Senhor do Jardim Santo André São Paulo, um pessoal de São
Bernardo que está aqui, teve um pessoal do Ipiranga, o crack Zero, poetas da
Zona Sul. Gente do Sarau de Mauá, teve gente de um monte de lugar. A gente não
é fechado, o sarau é aberto e quer contribuir para a construção de uma
possibilidade pra cultura. Falar da cultura é falar de processos horizontais,
processos que não tem a ver com a personificação de alguma coisa que você faz,
não personificamos nada aqui. Obviamente que
agente tá aí, mas a ideia de que viessem outras pessoas pra fazer junto
com a gente ou por nós, sabe, eu to com quase cinquenta anos.. essa é uma luta
nossa.
O que eu percebi,
frequentando os saraus, eu vejo a circulação de pessoas comuns, o que você acha
disso?
Obviamente tem aquela
coisa de afins, né. A pessoas são afins. É aquilo que nos une, essa coisa da
gente poder também intercambiar. Por que o nosso sarau é diferente do Sambado,
do Fórum, a gente tem uma outra característica, a gente é mais bicho grilo,
mais malucão no que faz, não tem muito uma certa ordem. Os do Fórum é os
meninos Mcs do Rap, o Sambado já é
aquele a mistura de cultura popular e mais as poetisas e tal. Então a gente tem uma mistura de feministas, de punks
que colam, tem um intercambio e aí eles podem provar de outros formatos, de
outros modelos, de juntar pessoas para celebrar a vida.
Você sabe de algum
caso que, a partir do sarau, alguém tenha sentido-se motivada a montar outros
projetos?
Não sei, eu tava
querendo te dizer o seguinte: a nossa ideia é o que a gente chama de … foi o
que o Gilberto Gil chamou de do-in antropológico. A ideia do Gil quando ele
criou a Cultura viva e os pontos de cultura era valorizar aquelas atividades
culturais do Brasil que já existiam, que ele reconheceu como pontos vitais da
cultura e eles precisavam ser massageados para que pudessem expandir, para que
eles pudessem virar o ponto de apoio dentro da comunidade onde estavam
encetados, inseridos. E a gente tem essa ideia também. A gente foi valorizado e
a gente quer valorizar outros grupos pra que eles possam valorizar outros
grupos e ampliar aquilo que a gente chama de potência. A gente vê nas pessoas a
possibilidade. Vê nas pessoas um mundo novo possível. A partir da construção do
outro e da felicidade do outro, construir a nossa felicidade e nossa
possibilidade de vida, dentro dessa coisa que a gente chama de mundo, dessa
epopeia humana. E dentro disso a gente quer construir com coisas comuns para
que outras pessoas sejam mais felizes. Não sei se a gente consegue, mas essa é
nossa esperança: valorizar outros para que os outros possam valorizar a gente.
O que o outro faz é importante e o outro tem que achar a mesma coisa.
Você frequenta outros
projetos culturais?
Sim, eu sou uma pessoa
da discussão da cultura.
Você estava falando
do Rogério, o que você faz com ele?
O Rogério da
Afro-escola é um projeto muito legal que tem.
Você tem alguma
participação nesse projeto?
Não. O que a gente tem feito é uma discussão, é uma
conversa, um momento de fruição nossa também lá. Então a gente vai e ele pra
fazer um projeto em parceria, ele tem feito coisas de forma coletiva.
Então tenho
frequentado lá, mas tenho também feito a discussão sobre a lei Rouanet em São
Paulo, tenho discutido a questão das políticas culturais dentro do PSOL, fora
do PSOL. Não sou do PSOL, mas acho importante nesse momento de eleição a gente
tá construindo o debate sobre políticas culturais e principalmente nós que
viemos da periferia e que a intuição não valia nada e que hoje ela tem um certo
valor e que a nossa capacidade de pensar a cultura já não é mais aquela coisa
simplória como te falei. Então agente tem feito
inúmeras discussões e pra gente falta espaço pra fazer a discussão. Mas
a gente vai cavando oportunidades, construindo. Nós fizemos aqueles diálogos no
SESC, foi um negócio muito interessante porque é um espaço pra levar agentes da
cultura e acabamos levando pessoas da cultura: pessoas do futebol de várzea,
das escolas de samba, grupo de teatro da periferia, levamos mestres Griôs,
teatro infantil, juvenil. A gente tem feito outras discussões.
Os diálogos no SESC
era um projeto seu?
Curadoria minha e da
Adriana Leandro e mediação nossa também. A gente teve a felicidade, o SESC
abriu as portas pra gente pra fazer a discussão. A princípio eu tinha ficado
arredio nessa questão de ser curadoria, porque eu acho que curadoria tem a ver
com essa coisa elitista da arte como processo de deslumbre individual, de
umbigo. Mas me convenceram do contrário: que eu poderia falar de uma outra
maneira sobre curadoria e sobre mediação. Sei lá, acho que to pirando nesse
negócio. A gente tem que construir um modelo de cultura politica que possa
elevar o nosso processo civilizatório. A gente anda muito, com muita
dificuldade, muita disputa e não sou de muita disputa. Não to aqui pra disputar
nada com ninguém e sim compartilhar as coisas com as pessoas.
Sua construção no
pensar cultura, fazer cultura, como você pensa isso pra região do ABC?
Bom, eu acredito na
gestão cultural. Eu acredito na cultura como dimensão humana. Então a partir da
gestão cultural e da dimensão humana da cultura eu acredito que a política
cultural tem que atingir as pessoas, não mais atingir só os artistas.
O Brasil quando
promulgou a Constituição de 88 colocou lá que a cultura é um direito. O
ministério da Cultura reconhece a cultura como direito e fala das três
dimensões que eu também acho legal: a
dimensão cidadã, a dimensão simbólica e a econômica. Então todos nós, qualquer
coisa nossa, tudo que a gente faz é pela
cultura e para a cultura. Isso veio lá dos neandertais, até agora, sendo
mudado, construído e evoluído diante de ações, a partir da cultura. Uma ferramenta,
a comida, o jeito de falar, o jeito de se reunir, os modos de morar, tudo isso
é cultural. Então a gente crê que falta ao Estado, e eu coloquei o Estado,
porque é o Estado que vai disponibilizar recursos e políticas que façam com que
a população além de se emancipar, reconheça no outro a possibilidade de
vivência de forma igual. Não menos igual ou mais igual, mas igual. Eu acho que
a cultura tem esse papel: a emancipação do homem e trazer a igualdade e, a
partir disso, os processos de paz. A partir dos nós da cultura poder conviver
com a diversidade, conviver com o outro, conviver com a natureza, respeitar o
meio ambiente, entender que as pessoas fazem cultura, mesmo a partir de
qualquer precariedade: sem saneamento básico, etc. Mas todo mundo precisa fazer
cultura, fazer arte, porque é … o nosso sentimento e a gente quer botar nosso
sentimento pra fora: a gente quer namorar, quer jogar futebol, quer ir pra
igreja, quer ir pro batuque, a gente
quer fazer outras coisas.
Eu acho que pensar em
cultura no ABC é pensar o povo do ABC. Pensar que o ABC é parte da Grande São Paulo e é uma
lindeza, uma riqueza, e tem uma diversidade cultural gigantesca. Além das
artes, a gente tem outros processos. A gente tem o terreiro Tambor de Mina, que
é uma vertente do candomblé lá em Diadema, o samba de terreiro, o Sapopemba(mestre
da cultura), as crianças do ABC, minha mãe que tá com 89 anos, sua família, sei
lá, a gente tem um monte de gente. A gente passou muito tempo acreditando nessa
coisa que cultura quem faz é só artista, e não é. A população em geral tá
fazendo cultura a todo tempo, o tempo inteiro. Porque faz parte do nosso
processo humano. Penso que o Abc é uma coisa doida. Nossa, to separando o ABC …
é o Brasil... o Brasil é essa dimensão gigantesca, é uma cultura maravilhosa.
Se for pensar no Brasil fico empolgado, eu vi Coco, ciranda, gente me tratando
com muito carinho, vi Griôs, os mais velhos tendo uma responsabilidade, vi
crianças batucando, cantando, dançando. Tem do bom e do ruim. A grande parte da
população brasileira faz cultura do bem, claro que do jeito dela, com a
instrução que ela tem. Como a tem uma diferença muito grande educacional, há
uma dificuldade da gente fazer de um jeito ou de outro. Mas acho que o ABC a o Brasil, é uma possibilidade gigantesca, é um
mundo novo. O Brasil, se for por essas relações, a gente vai embora.
Entrevista realizada por Jô Barranova Curso de Licenciatura em Geografia do IFSP.
Neri Silvestre. É dono de um coração imenso e imerso nesse brasil de meu deus. Mas as vezes parece prolixo e difuso, sendo um poeta. Seu texto, no entanto, traz uma percepção bem aprumada sobre o papel da cultura e das artes no processo de emancipação social e política. Não é ingênuo, mas sua experiencia concreta num projeto feito em uma favela do ABC, mostrou o quanto de autonomia se pode obter construindo ações pequenas e obtendo parcerias no próprio bairro é muito mais importante, que elaborar sofisticas planos de captação de recurso. Sua fé numa reversão da tendência de consumismo e desumanização, o empurrou para contatos na América Latina e fortalecimento dos laços no seu território. Esteve profundamente ligado aos processos de formação dos pontos de cultura e agora , tal como nós, se pergunta sobre as alternativas que podemos construir diante de uma situação de total desmonte das poucas políticas culturais que existem no País.
Neri Silvestre. É dono de um coração imenso e imerso nesse brasil de meu deus. Mas as vezes parece prolixo e difuso, sendo um poeta. Seu texto, no entanto, traz uma percepção bem aprumada sobre o papel da cultura e das artes no processo de emancipação social e política. Não é ingênuo, mas sua experiencia concreta num projeto feito em uma favela do ABC, mostrou o quanto de autonomia se pode obter construindo ações pequenas e obtendo parcerias no próprio bairro é muito mais importante, que elaborar sofisticas planos de captação de recurso. Sua fé numa reversão da tendência de consumismo e desumanização, o empurrou para contatos na América Latina e fortalecimento dos laços no seu território. Esteve profundamente ligado aos processos de formação dos pontos de cultura e agora , tal como nós, se pergunta sobre as alternativas que podemos construir diante de uma situação de total desmonte das poucas políticas culturais que existem no País.
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