Congos e
Bambas: Reis e Rainhas Capitães negros no trânsito sul atlântico
“Salloma”
Salomão Jovino da Silva
Os tênis que usava na infância podiam variar
entre Conga e Bamba. A compra dependia do orçamento dos meus pais nos finais de
cada ano. Nos meus pés duravam o tempo do calendário escolar e serviam para
passeio e pelada, futebol de várzea ou quadra, festas, igreja e escola. Nem
tanto baratos eram confeccionados de borracha branca e brim, nas cores branca,
azul ou preto. “Baixando os olhos para ver os pés se sabe de onde és?” Os
nossos eram considerados calçados de gente pobre. Numa sociedade em que os
lugares são antes definidos pelos pés e pelas cores. Freire nunca me disse que
e percepção do mundo é também cromática.
Consumo frustrado porque sonhava “ostentar”
um tênis de couro colorido, de marca importada. Como aqueles, que me vinham bem
gastos, enviados pelos filhos das patroas de minha mãe. Como eram boas as
patroas-madrinhas, para as quais minha mãe trabalhava como doméstica. Comadre,
quase sempre por ser ama de leite. Afetos e interesses se mesclam na cultura do
paternalismo. As tetas negras de Donana eram divididas com crianças brancas,
mas não como aquelas sugadas pelo outro Freyre.
Prezado leitor desconhecido, desculpe se
te causar algum incômodo começar um texto dessa natureza, com lembranças
sentimentais de coisas banais e historicamente desprezíveis. Esqueça as tetas
das mucamas negras da experiência social concreta e da literatura antropológica
sentimental.
Quero lançar o desafio para quem leia, localizar
atualmente no Brasil, um produto industrial, que tenha sido batizado com nome
centro-africano, tal como Conga ou Bamba, cujas referências linguísticas
são, sem sombra de dúvida, o Império do Kongo[1]
e o reino de MBamba[2].
Sabemos que muito além do mundo do samba, o termo bamba pode ser popularmente aplicado no Brasil, aquele que detêm
alguma sabedoria especial ou diferenciada. Fulano é bamba em tal assunto.
Caso consiga, seu premio será um Cd,
enviado pelo correio, anote meu email[3].
Não vale Kalunga[4],
rede de lojas de insumos para escritório.
Se o projeto de branqueamento biológico
das elites brancas do início século XX não surtiu sucesso, ao nível cultural
parece ter sido o contrário. Ao que parece a sociedade e brasileira foi se
tornando cada vez menos permeável aos valores civilizatórios africanos, na
mesma proporção em que se industrializou, urbanizou e modernizou.
Contudo, em Conceição da Barra no Estado
do Espírito Santo e em Ilha Bela no litoral do Estado de São Paulo, em Passos,
São Sebastião, Pratápolis e Itaú e no
sudoeste de Minas Gerais assim, como na região de Contagem na Grande Belo
Horizonte, no mesmo estado, os fragmentos de um registro da memória centro-africana
se apresentam nas festividades/musicalidades/religiosidades urbanas em forma da
dança, música, encenação, coreografia e texto poético oral. Embora, nem sempre
com todos esses elementos e tem duas dimensões bem definidas, uma suntuosa e
pública e outra privada, esta iniciática, devocional, secreta e, ás vezes, fúnebre(se
considerarmos as cantigas Vissungos do Candombe e Jongo, como partes
constituintes das Congadas). Então estas
práticas culturais negras são muito mais que festas.[5]
Contemporaneamente o Ticumbi capixaba, o
Congo de Saiote da Paraíba, a Congada do litoral paulista, os Catopes e Congos
de Minas Gerais, têm a mesma matriz, as coroações de Reis Congo. Há neles uma
trama história mestra, que enseja um jogo dramático e figuras cênicas que
sustentam a presença de soberanos dos reinos do Congo, sempre representados por Embaixadas, comandadas por capitães.[6]
Hoje é possível dizer sem medo, de ser
acusado por essencialista ou –histórico que, os enredos dos Congos, Conguinhos,
Congadas, Congados e Moçambiques têm como pano de fundo os conflitos entre estes
próprios reinos africanos e seus inimigos circunstanciais, sobretudo os
portugueses e holandeses e brasileiros. Mas não só, alguma memória tênue há de
batavos e índios, a considerar os Maracatus, Quilombos e Caboclinhos do
nordeste afora. Um dado contundente dessas representações é a legitimidade, que
advém da maior ou menor proximidade com símbolos cristãos, especialmente a
proteção dos Santos Negros.[7]
Essa proteção tem sua origem na catequética ibérica, sobretudo naquela
disseminada pelas Irmandades católicas ibéricas.
As Confrarias negras foram registradas inicialmente
em Portugal e Espanha e Posteriormente nas Américas. São Benedito é um dos
Santos mais populares no Brasil não apenas entre os descendentes de africanos. Meu
sogro de origem alemã coloca uma xícara de café toda manhã diante de sua
imagem. Seu culto é publico e familiar está profundamente ligado não
diretamente a África, mas a evangelização da população escravizada na Europa e
na América, em especial no Brasil. Em Minas Gerais era e é o Santo de devoção
das Irmandades negras que faz par com as Irmandades do Rosário e que permaneceram
como guardiãs de muitas comunidades negras semiurbanas, ou de antigas cidades
medianas. Inúmeras Igrejas foram erguidas em sua homenagem em todo o país, assim
como em Portugal desde o século XVI, conforme nos informou Didier Lahon.[8]
Resumidamente
e em consonância com a literatura vigente, podemos dizer que as Irmandades eram
instituições permitidas pela igreja, tolerada pelas elites e utilizadas como
estratégias de deslocamento e mobilidade social pelos negros, mas também
correspondiam a cosmovisão das forças protetoras e confortadoras no infortúnio.
Em sociedades regidas pelas leis dos reis e da igreja, as irmandades funcionaram
como uma fresta de liberdade possível, identidade factível e fé pragmática. John
Iliffe considera as diferenciações entre dogmatismo e pragmatismo o aspecto crucial
que definia as duas visões religiosas que se coadunaram no processo cultural
difundido no atlântico sul negro, a centro-africana e a católica ibérica:
“Este
pragmatismo conferiu ecletismo às religiões Africanas: as idéias e as práticas
eram aceitáveis se funcionassem, viessem donde viessem, e pouco interessava a
consistência mútua, mas sim a tolerância, não porque os africanos fossem
simplórios ou irrefletidos – os seus mitos e o seu simbolismo refutam isso –
mas porque não tinham razões para serem sistemáticos, a menos que fossem
desafiados por um credo sistemático importado. Por conseguinte, as religiões
eram mutáveis; eram talvez o aspecto cuja mudança era mais rápida na cultura
africana. Por isso espantaram observadores muçulmanos e cristãos com a sua
diversidade, fragmentação e incoerência, sobretudo na falta de textos
escritos”. [9]
Parte da legitimidade passou então a advir
da ortodoxia (plástica) do catolicismo ibérico, entretanto, quase nunca livre
de mensagens cifradas pela teologia heterodoxa oral centro-africana, de tal
forma que em certo tempo, talvez em um espaço não superior a um século, se
haviam tornado una. Quer dizer o catolicismo ibérico foi profundamente
assimilado e vice-versa nas práticas religiosas do Congo que suas imbricações e
implicações serão sentidas nos movimentos anticoloniais centroafricanos do
século XIX e XX, sobretudo em Angola.[10]
Seus resquícios ainda podem ser visto em monumentos religiosos excepcionais
preservados em Portugal e Espanha e abundantes em todo Brasil.
Na
prática, as confrarias tornaram-se as únicas instituições escravagistas abertas
a participação de africanos e seus descendentes. Embora existissem desde o
século XVI[11], adquirem novos
significados nas Minas Gerais nos século XVIII e ampliam suas atuações nos princípios
do XIX, principalmente quando começam a surgir às primeiras ações
abolicionistas. Além confortar os vivos, enterrar os mortos, administrar os
bens moveis e imóveis, também organizavam as festas do calendário afro-católico
e financiavam alforrias, acobertavam fugas e agilizavam redes de solidariedade
e informações que envolvia tanto escravizados e como também os libertos. Os
conflitos com a sociedade hegemônica eram constantes, emergindo em todo canto
dos impérios escravagistas em que as irmandades negras se instalassem.
Efetivamente é surpreendente haver se
conservado, ainda que de forma fragmentária e intricada no Brasil, noções tão
elaboradas sobre as contendas políticas e militares e intercâmbios culturais
ocorridos na África central entre os séculos XV e XVIII.[12]
Os jogos, musicalidades, danças e teatros negros que originalmente tenham
função estritamente religiosa e ritualística transformaram-se em espaço lúdico
e de preservação de memórias das experiências sócio-políticas centro africanas
na diáspora e, não somente no Brasil.
Estou sugerindo que, as Congadas do século
XX registrada por folcloristas em quase todo país, ainda podem ser lidas como
memórias centro africanas, resultadas de bricolagens justapostas, recriações
hoje festivas, que nos remetem a uma longa batalha cultural de dimensão
atlântica. Isso não significa entende-las como congeladas no tempo, nem portadoras
de essências congo-Angolanas.
Mas, os registros históricos e a
literatura nos dão a entender que houvera ao menos três mudanças fundamentais
nas coroações de reis congos no Brasil. A primeira é aquela da travessia,
quando chefes de linhagens ou seus filhos foram capturados por inimigos ou
mercadores e enviados como cativos ao “novo mundo”. Reconhecidos por seus pares
étnicos esses soberanos no exílio (exemplos de Chico Rei e Ganga Zumba), foram
conduzidos a uma liderança própria as condições específicas do mundo hegemônico
escravagista. A morte de Nganga Zumba
ainda hoje é interpretada em função do tabu cristão ocidental, mas se encaixa
com precisão na concepção africana de suicídio ritual dos soberanos
africanos.
A segunda se dá ainda no mesmo contexto dos
séculos XVII, XVIII e primeira metade do XIX, quando populações consideráveis
de africanos e crioulos formavam grandes contingentes populacionais rebelados,
formando Kilombos[13].
Ao se verem diante da necessidade de estabelecer uma liderança, capaz de
conduzi-los à terra prometida (Quilombos) e resguardar a segurança, produção e
fixação na terra, estes procuram alguém de traços próprios, que também foram ungidos
reis, porque uma hierarquia fundamentada na história e na tradição centro africana.
A terceira mudança diz respeito à passagem
do século XIX para o XX e está relacionada aos novos deslocamentos territoriais
e simbólicos, quando a urbanização avançou sobre as culturas negras semiurbanas,
mas estas também foram atraídas pelas oportunidades dos novos centros urbanos
ou premidas pela atualização dos padrões culturais hegemônicos. Assim reconfiguram
seus valores transmutando os seus lideres tradicionais em chefes aparentemente festeiros.
Meu objetivo nesse texto e refletir um
pouco com você sobre as antigas civilizações da África Central Ocidental e Oriental
(das atuais regiões dos países República Democrática do Congo (Zaire), Congo,
Angola e Moçambique) e seu impacto sobre a formação cultural das populações
afro-brasileiras do sudeste, especialmente Minas Gerais. Faço isso tendo como
base uma boa literatura histórica e antropológica publicada no Brasil, Angola,
Moçambique e Portugal sobre o tema central e assuntos correlatos. Fui jogando
para as notas de rodapé muitos dos sub-temas, ao tentar deixar o texto mais
ensaboado. O que você acha?
Enquanto escrevo para você, ouço o Cd de
músicas e depoimentos do compositor afrocarioca Donga.[14]
Nascido no século XIX e batizado Ernesto dos Santos.
Penso em Áfricas espelhadas e espalhadas
no Brasil, penso também nos rotos pares de tênis “afros” da minha infância,
durante a ditadura civil-militar. Reflito sobre nos 4 milhões[15]
de africanos que o Brasil recebeu “de braços abertos”, fruto das mais de 12 mil
viagens dos negreiros e tumbeiros portugueses e brasileiros[16],
entre este território que viria se tornar nossa pátria e o continente africano,
terra dos ancestrais.
Assimilando criticamente Paul Gilroy,
estamos calibrando as lentes de ver o passado, para enfocar histórias do atlântico negro sul. Por
favor, não nos venha com secções cognitivas do tipo cartesianas, nem com psicologismos
levianos disfarçados em diagnóstico, sobre os recalques da negritude. São
armadilhas que já não nos prendem mais, pois hoje sabemos que História e Memória,
também são campos de litígio cultural, lugares de anti-hegemonia. A escrita tem
sido uma maquina de guerra contradomínios, como querem os sábios franceses.
Antes
de entrar no tema propriamente dito, digo que sou o portador de uma má noticia:
o povo Banto não existe. Em compensação
gostaria também de comentar que existiu uma civilização, cuja língua-mãe terá
sido a base de quase todas as línguas nativas da África central, de uma costa
outra, dos oceanos Atlântico e Índico.
Segundo tal hipótese, essa população originária
empreendeu uma épica jornada de descolamento para o sul e sudoeste do
continente, que durou muitos séculos. Humanizou boa parte do território transpondo
montanhas, florestas e savanas, planaltos e rios, depressões, grandes lagos e
planícies. Hoje esse território corresponde a Bacia do Congo, planaltos de
Katanga e Bié, região dos Grandes Lagos, a parte sul da Grande Fossa Africana e,
a costa Indica desde a desembocadura do Rio Tana até Durban, sem deixar de lado
as ilhas Índicas, inclusive Madagascar.
Sabendo disso podemos dizer que, existiu
uma população originária negroafricana, culturalmente homogênea, cujo nome nem
sabemos, mas que os lingüistas, ou seja, cientistas especialistas em línguas
antigas africanas denominaram Banto, ou Bantu.[17]
Muitos elementos do português falado no Brasil advêm de línguas pertencentes a
esse troco lingüístico e foram conservadas em sistemas dialetais, por pequenas
comunidades de falantes e sobretudo nos espaços rituais.
Isso pode deixar a gente meio capenga para entender não é? Por um lado podemos concluir que o “famoso
povo banto” que falamos nas rodas de Capoeira, Grupos de Congada, nos Terreiros
de Candomblés Angola e Centros Umbanda é, todavia, do jeito que utilizamos
agora, um termo inventado por um lingüista e redefinido por outros. Mas de outro lado, e para nós, o termo Banto
foi convertido numa bandeira, símbolo ou metáfora que alude à unidade de um
passado plausível, projetada nas contingências do presente e utopias do futuro
desejável. Ainda assim, não é menos importante ou menos histórico, já que os
sonhos coletivos são socialmente construídos, embora imateriais. Quer saber
mais um pouco? Vou te contar, não é lenga-lenga
não, é falta de jeito mesmo, já que nunca escrevi publicamente sobre isso.
Você entendeu então porque é tecnicamente
um erro utilizar o termo “o povo banto” no singular, para se referir as
populações da África Central e seus descendentes na diáspora?[18]
No caminho para o sul, essa gente banta originária
se transformou muito ao encontrar e assimilar e ser assimilada por outras
populações e desenvolver novas tecnologias e novas formas culturais. A língua e
as técnicas de cerâmica e ferro sugerem ter sido os principais rastros que
deixou pelo caminho, guardando também frágeis memórias de mitos fundadores e o
nome do seu ser supremo, que nós aprendemos a designar como deus criador: Zambi.[19]
Zambi é evocado em cantigas de Umbandas e Congados do sudeste centro-oeste do
Brasil, como sinônimo do Deus Pai cristão, Javé.
Canções dessa natureza extrapolaram o
espaço ritual e foram incorporadas nos anos 1960 pela indústria do disco e entretenimento
urbano. Também foram gravadas e difundidas por artistas afrobrasileiros que
possuíam íntima ligação com religiosidade, especialmente a Umbanda.[20]
Tudo que diz respeito à literatura sobre
essa língua originária do tronco lingüístico também designado Niger-Congo sugere
uma história complicada e longa. As pesquisas revelam também embates acadêmicos,
cheios de idas e vindas. A lição que podemos extrair disso é que em ciências
humanas tudo conhecimento é lacunar e marcado pela provisoriedade.[21] Por isso vou recorrer a Reader para tentar
resumir. Moringou mana? Então Reader
fala mais:
“Estimativas do numero total de línguas dentro do
grupo banto apontam para mais de 600, dependendo do traçado da linha de
separação entre uma língua e um dialeto (alguns entendidos julgam que estaria
mais próximo da realidade um número que apontasse para cerca de 300
línguas distintas). (...) Os falantes do
banto começaram a dispersar-se a partir de
seu berço natal há cerca de 5.000 anos, provavelmente em consequência de uma
deriva natural, à medida que as populações cresciam e os habitantes das aldeias
se deslocavam para novas áreas um ou duas vezes por década, preferindo
clareiras naturais, margens dos rios e orla das florestas, ambientes adequados
às suas sementeiras, evitando simultaneamente áreas que já estavam ocupadas. Em
pouco menos de 3.000 anos os povos falantes do banto tinham colonizado
praticamente todo continente. ” [22]
As pesquisas fundamentadas principalmente
na lingüística e arqueologia demonstram cabalmente que, realmente houve uma base
comum original e a convivência em geografias próximas e movimentos alternados de
concentração e dispersão, permitiu muito mais que similitudes eventuais. Mas
temos problemas para estabelecer conclusões definitivas no diz respeitos as
distâncias e proximidades culturais, quanto mais espalhados estes povos estejam
hoje, no território e circunscritos as fronteiras nacionais.
Este espalhamento confunde os
especialistas. Por quê? Tivemos guerras antigas, guerras recentes, secas e
outras calamidades naturais e principalmente a colonização que incidiram
brutalmente sobre as formações dos complexos sócio-culturais, que os pesquisadores
passaram a estudar ao início século passado. Uma coisa que aprendemos na escola
é que não dá para tirar boas fotografias retroativas, portanto esqueça máquina
do tempo, e lembre-se também que nem documentos, nem artefatos falam por si.
Então para começar a refazer esses fios de
novelos do tempo e espaço, vamos admitir que os africanos em sua terra natal, mesmo
quanto apresentam elementos culturais
comuns, sejam diferentes entre si na atualidade e também o fossem no passado,
isto é: antes do começo do Holocausto Negro.
As proximidades e distâncias culturais das
sociedades africanas confundiam e atordoavam os europeus, talvez por uma
deficiência cognitiva explicável. Na altura das explorações da costa ocidental
da África do século XV, a Europa havia se tornado o que era em função de
aspectos culturais unificadores muito fortes e decisivos, a saber: a religião
cristã, a língua latina, as heranças culturais do império romano e as guerras
religiosas. As concepções teológicas e políticas urdiam um todo diverso em
estados nacionais pré-modernos bem pronunciados. As antigas sociedades da
África central constam no nosso campo de reflexão, segundo M’Bokolo nos seguintes termos:
“Ao sul da grande floresta equatorial , a emergência
dos estados continua a ser um processo mal conhecido,. Existiram provavelmente
numerosas unidades políticas de dimensões muito diversas no seio das quais as
fontes européias carreiam as informações mais numerosas : o império do Mwene Mutapa e o reino do Kongo.”[23]
Como aprendemos pouco ou quase nada sobre
África durante nossa escolarização normal e os negros já aparecem na “nossa
história” como escravos, e não como pessoas que foram escravizadas, somos induzidos
a crer, que “eles” já eram assim na sua origem, ou desde todos os séculos e
séculos, amém. Negros escravos. Estamos
reaprendendo sobre nós, para assim olhar melhor para outros.
Somos descendentes de populações africanas
escravizadas, mas que originalmente pertenciam as diversas sociedades autônomas
e outras submetidas. Algumas delas sistematicamente ligadas diretamente ou
indiretamente aos Impérios, reinos e civilizações africanas, entre as quais os
Reinos do Mani Congo e do Império de Mwene Mutapa.[24]
Mas também sociedades nômades e não urbanas, não deixam de ser importante por
isso, é preciso colocadas no bojo da reflexão, para não fazer um história
africana pela via aristocrática, tal qual aprendemos tão bem com os
eurocentrismos escolares.
Este último teve características urbanas e
comerciais e parece ter sido habitado uma população próxima de 10 mil pessoas
por volta do século XV. Seus centros comerciais foram as cidades-portos de Solafa
e Kiloa (nome de um grupo musical da zona sul de São Paulo nos anos 1980), na
costa do oceano Índico. Era por lá que se fazia comércio com povos árabes e
onde se localizaram moedas cunhadas com alfabeto semita, uma especialmente em
nome de Al hassan ibn Suleiman do Iemen, no século XIV e o ouro terá sido o seu
principal produto de exportação.
Grosso modo, foram estas grandiosas unidades
sociais, culturais e políticas as principais encontradas pelos europeus na
África central na época da expansão européia nas duas costas oceânicas. Ao
longo do índico predominou uma língua mista de raiz banto e elementos árabes,
geralmente descrita como suahili, mas
esta ainda é um grande bloco de línguas bem aparentadas como o Macua, Tonga e o
Caranga, de populações também identificadas por tais nomes e circunscritas a
região de Moçambique e Zimbábue, ou Zimbábwe atuais. O uso de u ou w depende da
origem da grafia, se inglesa ou portuguesa.
Todavia não seja nosso foco o império de Mwene Mutapa os pesquisadores o conectam
as impressionantes ruínas do Zimbabwe (nome de equipe de som e baile de música
soul nas periferias de São Paulo nos anos 1980). Sobre suas origens o Atlas
Cultural da África diz que: “No século XII, os chonas fizeram construções de
pedra e iniciaram um uma tradição arquitetônica áfrica única, da qual se
preservaram o Grande Zimbábwe e mais de
400 restos megalíticos disseminados por todo país.” [25]
Batizado Rodésia, transformou-se numa
propriedade particular de um empresário britânico durante a colonização e só obteve
a libertação do jugo inglês em 1980. A atual nação Zimbabwe corresponde a um
país sem saída para mar, em fronteira com Zâmbia. Moçambique, Botsuana e África
do Sul e Malawe. Sua capital é Harare e a língua Chona ou Shona é falada por
aproximadamente 75% da população. Entretanto: “Em meados do século XV os chona
fundaram no norte, o império de Munhumutapa ou Monomotapa. Em finais do século
XVII, o império de Changamire ou de Rozvi,(...) tinha dominado a maior parte da
zona correspondente ao Zimbábwe moderno.”[26]
Por exemplo, apreendemos recentemente com
Elikia M’Bokolo em “África Negra, História e civilizações” [27]
que, embora dominação colonial e racismo antinegro façam parte de um mesmo
pacote da expansão ocidental, suas histórias não se coadunam no tempo. Por
algum tempo o racismo pseudo- científico, aplicado a história negou com
veemência que as ruínas do Zimbábwe pertencessem as civilizações negro
africana. Hoje é possível ver com clareza enegrecida que tais premissas estavam
fincadas em uma ideologia meio tosca que
abarcava todos os campos do saber.
Imagens e textos narram que os restos arquitetônicos
dessa cidade murada tinham forma circular e oval. Com 2.500 metros na parte
mais longa e mil metros no eixo mais modesto. Um conjunto bem variado de
construções em pedra no seu interior, com casas, mercados, palácios, área para
recolha de animas, outra para plantio e jardins erguidos sem alicerce ou
argamassa, mas todas distribuídas em espaço totalmente terraplanado. Os
diferentes tipos de residências e prédios estimulam as inferências sobre as
técnicas construtivas posteriormente abandonadas, como também sobre as divisões
sociais complexas, que permitiram tão eficiência. O fato de ainda não haver uma
História conclusiva sobre as relações entre os povos locais, atuais e a antiga
civilização que deu origens do Grande Zimbabwe, não deve nos impedir de seguir por
exemplo.[28]
Conquanto
fontes diversas façam alusão as Minas do rei Salomão e atribuam ao Zimbabwe
origens alienígenas, M’Bokolo faz uma contundente genealogia dessas teses ao
longo do tempo e conclui pela confirmação e fixação da tese autóctone, por um
arqueólogo denominado Roger Summers em fins dos anos 1960. Indicam também as pesquisas, que essa região
tivera acumulado grande experiência na prospecção e utilização do ouro, que
corrobora para confirmação de fontes árabes e africanas de rotas de ouros
conectando, a África mediterrânica e portos nos dois lados do mar Vermelho aos
interiores do continente, bem antes da chegado dos europeus. Ainda M’Bokolo:
“O próprio relatório da primeira escavação fornece uma
lista de objetos impressionante: ‘Pérolas de ouro, pulseiras e fragmentos de
delgadas placas de ouro, largos fragmentos de placas de ouro, algumas das quais
lavradas, Eram os restos de pequenos rinocerontes feitos de delgadas placas de
ouros, fixadas por pequenos pregos de ouros ou sobre uma espécie de miolo de madeira
ou de outra substância, que fora destruído”[29]
É ainda M’Bokolo quem sustenta que a palavra Zimbábwe é seu dúvida de origem
shona, por aproximações com dzimba dza
mabwe, qual seja, casa de pedra, ou
ainda: dzimba woye ou casa venerada.
Ainda pesam duvidas sobre as origens das populações originárias do Zimbábwe,
para uns seriam povos San também chamados bosquimanes e para outros populações
de língua banto ancestrais do Shona ou Chona. Sustenta que populações de língua
banto já estavam presentes nas regiões da África austral desde a idade do
ferro. Quando os europeus atingiram a
costa indica da África encontraram um império próximo do auge de sua pujança e
extensão territorial, mas já próximo do início de sua decadência. Os povos nativos
do atual Moçambique tem suas ascendências nos antigos povos da costa oriental,
entre os quais aqueles cujas histórias também se conectam ao império do
Zimbábwe.
Tudo bem! Há em um território bem vasto
das Minas Gerais uma prática cultural chamada Moçambique, em que uma das
características é o fato dos homens usarem saias e no passado terem utilizado
xilofones(Mbila), cuja descrição os aproxima dos instrumentos musicais ainda
nos anos 1970 eram usados em Moçambique, nos distritos de Zavala, Inharrime e
Panda[30].
O nome dá indícios de gente vinda da costa oriental africana, mas é apenas isso.
É só? De onde vieram os negros das Minas
Gerais? Será possível que entre africanos escravizados nas Minas houvesse algum
que tivesse adquirido técnicas extrativas de ouro na costa oriental d’África
entre os Shona?
Precisamos ultrapassar essa visão de
negro=escravo e de África primitiva para
fazermos certas perguntas, cujas respostas podem ser esclarecedoras, mediante
ao que queremos apreender, por exemplo: Como se formou a população negra de
Minas Gerais?
Sabemos que os primeiros negros a alcançar
as regiões das Gerais eram fugitivos da escravidão das antigas regiões do Rio
de Janeiro, São Paulo e Bahia, que se embreavam no mato e se mestiçavam com as
populações indígenas locais. Outros eram componentes das bandeiras dos
paulistas aprisionadores de índios e caçadores de riquezas que acabaram ficando
por lá.
Depois da descoberta do ouro, magotes de
africanos recém chegados foram levados para serem vendidos aos garimpeiros
autorizados. Eram utilizados no terrível e penoso trabalho nas lavras. Com a
expansão das lavouras de subsistência, da criação de gado e das atividades cafeeiras
após os anos 1820 novas de remessas peçoas
foram enviadas do Rio Janeiro para as zonas limítrofes entre os dois estados.
Também após o fim oficial do tráfico
transatlântico em 1850 Minas ainda recebeu escravizados vindos da região norte
nos fluxos do tráfico interno. De que regiões da África vieram os africanos que
“colonizaram” involuntariamente as Minas Gerais?
Vamos tomar como certo as afirmações de
diferentes pesquisadores de que nas Gerais, desde o século XVIII, predominaram
pessoas advindas da África Central. Também vamos concordar com tenham sido das
macro-etnias Umbundo, Ovimbundo, Quimbundo e Congo, embarcadas principalmente
nos portos situados nas costas de Loango e Angola.
Ainda que não tenha havido preocupação
nesse sentido, Marcos Andrade[31]
e também João Luiz Ribeiro[32]
por diferentes abordagens e leituras nos apresentam o episódio de revolta de
escravizados, liderada por um liberto, ocorrido em Minas Gerias em 1833 e
conhecida como Insurreição de Carrancas. Entre os vários insurretos constam
João Cabundá, Pedro Congo, Manuel das vacas ou Manuel Benguela, Bernardo Congo, Sebastião Angola e
Julião Congo em uma longa lista
daqueles que foram identificados e mortos, ou capturados, julgados e condenados
as galés ou enforcados.
Contrariando a idéia corrente de que pena
de morte foi editada somente após revolta dos malês, ocorrida na Bahia em 1835.
A lei que punia com a morte escravos que matassem seus senhores já estava em
uso no período anterior, mas foi promulgada alguns anos depois, quando teria
sido reformulada e difundida, imediatamente após o evento de Salvador. Conforme
trabalhado em pesquisa de João Jose Reis.[33]
As referências cruzadas indicam aquilo que
tem sido recorrente nas análises sobre as formações identitárias no seio da
vida comunitária afro- brasileiras, grupos que se formam em função das macro
regiões de embarque Benguela, Congo, Cabinda, Mocambique e Angola, etc. Contudo aqui e ali aparecem
nomes inéditos indicadamente centro africanos como Cabundá.
Quero deixar a questão da revolta em
segundo plano para lembrar que a região de Benguela, ao sul de Angola era
também conhecida como “Bahia das Vacas.” No meio de tantos pretos executados
por matarem senhores brancos vão saltando nomes mais precisos e localizáveis
com etnias da África central: Joaquim Ganguela
(Nganguela), João Songo, Jose Moange, Henrique Chiba, José Cangulo, Miguel
Maginga, Pedro Cassange. Esse levantamento feito a partir de fontes judiciais na
pesquisa, do já citado de Luiz Ribeiro. Segundo Mapa Étnico de Angola, o termo Songo é designativo um grupo que fala
uma variante da língua Kimbundo e
situa-se no centro sul do país.
A título de exercício levantamos que Cassange poderia ser uma variação na
grafia de Kasizanje, ramo do grupo
lingüístico Ambundo. Mas Mesquitela Lima[34]
em seu livro “Os kiaka de Angola”, indica que Kassanje foi um soberano pertencente linhagem do clã Kalunga, de origem imprecisa Luba ou Tchokue, que teria criado um estado que levara seu nome, a partir
de então tanto o soberano, como seu território eram designados por Yaka
Kasandzi.
Os Nganguela,
embora localizados em Angola há indicação de que tenham origens na Zâmbia. Mais
uma vez estamos diante das dificuldades e limitações existentes em fazer
transposições automáticas para grupos lingüísticos atuais de termos grafados há
mais de um século, quando cenário de distribuição espacial etnolinguísticos na
África central era outro bem diferente. Mas esta língua em Angola encontra-se
bem localizada atualmente nas províncias de Kwando Kubango e na Wila.
Outras pesquisas poderão levantar listas
de grafia de nomes escravizados em diferentes contextos temporais e espaciais
no Brasil e processar o cruzamento com fontes de conteúdos lingüísticos nas
matrizes centro africanas. Embora minucioso, talvez seja possível chegar mapas
de falantes, que tenham se desdobrados em línguas residuais e fragmentárias
atuais como, por exemplo, nas comunidades de Cafundó em São Paulo, Mata do
Tição, Uberlândia e Grande Belo Horizonte em Minas Gerais. Mas isso é outra
tarefa.
Alguns
pesquisadores tem se adiantado sobre os insucessos de Vogt e Fry no Cafundó, em
Sorocaba, São Paulo e Patrocínio, Minas Gerais e oferecido leituras e
interpretações tanto despretensiosas, quanto inovadoras, aplicadas a
territórios restritos, mas com resultados bem mais interessantes, que aqueles
sobre comunidades lingüísticas afrobrasileiras.
O antropólogo afro-paulista Jose Carlos
Gomes da Silva, trabalhando nos anos 1990, em Minas Gerais, na região de
Uberlândia sobre as Congadas, prospectou na região do Triangulo Mineiro,
especificamente na cidade de Oliveiras o seguinte quadro:
“No município de Oliveiras identificamos um rico
material lingüístico presente nos cânticos dos congadeiros. Nestes casos os
vocábulos, textos e canções são utilizados como marcadores de identidade
etnicorracial. O uso do dialeto e de simples expressões e palavras africanas
revelam os esforços do grupo em se contrapor ao mundo branco. De fato este
parece ter sido, do ponto de vista das comunidades negras, o significado mais
profundo da recorrência a língua.” [35]
Silva indica que o dialeto kalunga falado na região do triângulo
teria se disseminado a partir de as áreas de garimpos clandestinos, nas margens
do rio Bagagem naquela mesma região, onde atuam junto velhos faiscadores
africanos ainda ativos na década de 1950, conforme um dos seus informantes mais
idosos. Já é possível aventar hipótese sobre a configuração de uma geografia
provisória de línguas africanas nas Gerais, se atentamos para registros
dispersos.
Aires da Mata Machado, folclorista mineiro
talvez fora sem dúvida o primeiro pesquisador a chamar atenção para legado
cultural centro-africano nas Minas Gerais, coligindo cantigas e narrativas
orais no final dos anos 1920, fez inéditas analises da realidade social e
cultural da população negra, da região de Diamantina, na localidade de São João
da Chapada.
Segundo Machado trata-se de um “dialeto
crioulo” de raiz banto, cuja difusão local foi objeto da observação do
folclorista, cuja intenção era colocar Minas gerais no foco dos interessados em
estudar as influências africanas no Brasil no contexto em que tanto interesse
recaia sobre a região nordeste.
“A importância dos ‘vissungos’, sua difusão local,
desde os primeiros tempos, a necessidade que tinham os brancos de aprender a
língua dos negros, a influencia africana no começo do arraial, os vestígios da
língua na linguagem corrente, na onomástica e na toponímia, tudo isso acabou de
me convencer, dando corpo à antiga suspeita, de que existia em São João da
Chapada um dialeto crioulo de negros bantos. E , efetivamente, de agora em
diante, já não cabe dizer que somente existiu, no Brasil o dialeto dos negros
nagôs na Bahia.”[36]
O que nós aprendemos sobre isso? Primeiro
é muito raro estudar algo qualquer sobre a África na escola, mas aprendemos um
pouco mais sobre escravidão. Não é? Mata Machado Filho esteve atento aos
quilombos como espaços de sociabilidade negra e continuidades culturais
africanas em Minas Gerais. Vislumbrou permanências quilombolas, cultura
material e técnicas construtivas das cubatas
centro africanas, na forma de casas dos negros mineiros, moradias identificadas
por ele como cafuas em São João da
Chapada, e conclui que: “Circundando o sitio hoje ocupado por São João da
chapada, havia seis quilombos famosos: Carambolas, Maquemba, um perto do córrego da Formiga, o quilombo de Antonio Moange, na Valvina, perto do morro do Macumbá, um na Madalena e outro nos
terrenos da fazenda do Bezerra. ” [37]
Vamos guardando os termos num em uma quiçamba de segredos e revelando as indaca[38].
Carambolas. Maquemba, Moange, Macumbá,
jogamos no chão essas palavras soltas para ver o desenho que formam, enquanto isso
sondamos os territórios chamados kilombos
em Minas. Ainda segundo
Machado “Não são raros em Minas casos idênticos ao do quartel de Indaiá. São
comuns as ilhas de população arisca e afastada, antigos quilombos, ou lugar
escolhido pelos pretos para viverem suas vidas sossegados.”[39]
Antes
de seguir é importante salientar que, segundo Joseph C. Miller, Kilombo teria
sido nos séculos uma sociedade e iniciática dirigido inicial e
preferencialmente por lideranças femininas e desenvolvida pelos Imbagala e
posteriormente adotada pelos Umbundo, sendo também um local remoto e sagrado,
no qual apenas os guerreiros ritualmente iniciados podiam ingressar. [40]
Esse grupo étnico foi grafado largamente
na literatura colonial portuguesa, por seu nome externo e de conotação
pejorativa, qual seja: Jaga. Não temos referências ao termo Imbangala no
Brasil, mas o termo jagunço ficou definitivamente associado á ações violentas e
armadas.
Seguindo as explicações de Miller essa organização
militar ritualística quebrava antigas regras definidas pela linhagem e estabelecia
novos regimes associativos:“Tendo em conta a rapidez com que o kilombo passou por metamorfoses, de
década para década, e a escassez de dados diretamente referente a ele antes de
meados do século XVII, seria provavelmente imprudente qualquer tentativa de
desenvolver uma descrição demasiada pormenorizada da sua estrutura interna
nessa altura”.[41]
Certamente quilombo aqui e kilombo lá não guardaram os mesmo sentidos
e mesmo em Angola, Miller nos avisa que o termo foi aplicado a deriva no século
XVIII em diante, ou seja: “Contudo, a informação disponível mostra efetivamente
que o kilombo amadureceu primeiro
como um complemento dos reis kulembe,
ao sul do Kwanza, e que representou uma forma evoluída das estruturas não
linhageiras, do tipo comum daquelas que chamei de instituições transversais.”[42]
Associando livremente tais informações com
a literatura brasileira sobre revoltas, mocambos e aquilombados parece provável
que termo tenha transitado muito cedo nas rotas do atlântico sul, adquirindo
semânticas locais muito próprias, mas de alguma maneira mantendo conotações de
espaço fortificado e lócus de guerreiros. Calma ai! Estamos nos aproximando da África,
lembre-se que o Atlântico, mesmo sendo um rio de Kalunga, é largo demais. Se essa viagem cansa, é porque tem muita
gente viva em terra e gente defunto aquática para eu pedir bença.
Flavio Gomes historiador afrofluminense,
angoleiro diplomado por ter aprendido artes de pesquisas e escrita em
territórios hostis, fez uma belíssima performance para chegar a obra densa “História
de quilombolas, mocambos e comunidade de senzala no rio de Janeiro, século XIX.”
Gestou a concepção de “campos negros”, como espaços de autonomia, troca
culturais e interfaces com a sociedade hegemônica, que acabavam forçando o
mundo senhorial a realinhar suas estratégias. No que diz respeito a Minas
Gerais do século XVIII, vamos ouvi-lo:
“A população da capitania reclamava de alguns
vendeiros que tinham comércio freqüente com os quilombolas, ‘indo buscar a Vila
carregações de águas-ardentes, farinhas e rapaduras e o mais a esse respeito
para venderem para os venderem a negros fugidos’. Na região aurífera, conexões
dessa natureza eram muito comuns. (...) Dizia-se até que alguns ‘alguns
escravos iam de dia ao quilombo conversar com negro fugido. Informações davam
conta de que ‘a maior parte dos quilombos estão ao pé de fazendas , para destas
serem providos de mantimentos e terem aviso de qualquer movimento quee haja’.
Enquanto em outras comunidades de fugitivos em Minas Gerais os quilombolas
tinham ‘suas próprias roças’, na região de Diamantina , no século XVIII,
fugitivos dedicavam-se ao garimpo, abastecendo-se Ed suprimentos com os
brancos.” [43]
Flavio Gomes nos apresenta um texto cheio
de invenções e delicadezas, computa dos quilombolas capturados, identifica e
problematiza as classificações
étnicas corrente entre a primeira
e segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. Localiza-nos o quilombo do
Bomba e um rancho intacto era mantido com a sepultura de um ex-chefe africano e
apresenta documentos que indicam que técnicas de ferreiros eram aplicadas aqui
na fabricação de armas e ferramentas.
Conclui que os quilombos do Iguaçu (hoje Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense) eram majoritariamente habitados por africanos originários de Cabinda, Cassange e Congo. Mas parece
ter flagrantemente se esquivado de discutir ou sondar as procedências étnicas
efetivas daqueles africanos, ou mesmo de refletir sobre a idéia de quilombo dos
aquilombados.
Gomes recupera para História do Brasil o
protagonismo negro, como poucos empreenderam. Bem sedimentado na documentação
narra, apresenta e interpreta uma saga excepcional do grupo de Manoel Congo e
Mariana Crioula, rei e rainha do quilombo, que lideraram com Epifânio
Moçambique uma revolta generalizada, na região de Vassouras em 1838.
Estima-se que por volta de 1820, o Brasil
tinha uma população aproximada de 4.400.000 habitantes, sendo aproximadamente 2
milhões de escravizados. Obvio que são números questionáveis, pois não levavam
em conta as populações indígenas não aldeadas, as comunidades de quilombolas,
etc. Nesse mesmo período a província de Minas Gerais concentrava a maior
população de escravizados, seguindo em ordem numericamente decrescente, pela
Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco e São Paulo.
Haver reis e rainhas negros em quilombos
não é uma novidade do século XIX. Ao que parece tão logo os e escravizados se
viam livres do domínio senhorial tratavam de buscar nas linhagens africanas
originais traços de liderança que teriam caracterizados as culturas de
soberania no continente mãe. Isto é não se tratavam de uma legitimidade advinda
da concepção linhageira como querem Vansina e Miller, mas antes uma reinvenção
desta, com novas bases. Um dos elementos dessas novas soberanias poderia ser o
conhecimento especializado sobre o teatro dos combates contra os senhores de
escravos por exemplo.
É o médico/antropólogo Artur Ramos, que
apresenta uma das primeiras e mais elaboradas explicações para existência de reconfigurações
étnicas africanas, nos principais centros receptores e irradiadores de pessoas
negras escravizadas nas regiões litorâneas do país durante o século XIX, quais
sejam, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, Pernambuco e Maranhão. Embora
falecido precocemente, durante todo século XX, Ramos forneceu balizas para as
pesquisas antropológicas sobre presença africana no Brasil. Quais teriam os
limites de sua pesquisa?
A população escravizada de Minas Gerais,
ao que parece avançou de 168.545 pessoas por volta de 1820, para em 191.952 em
1885. Nesse caso é importante salientar
que nessa época a política de branqueamento, estava apenas sendo desenhada
pelas elites brasileiras. Conquanto já nesse tempo se possa demonstrar pela
documentação sua existência, as variadas estratégias que se revestiu, desde a
chegada dos primeiros prussianos em Santos em 1827. Mas a ideologia que se
criou e as práticas de segregação que se revestiram posteriormente, em 1885
eram apenas ensaios.
Nas atividades mineradoras, quase raro
passar de 10 anos, as médias de tempo de vida produtiva de escravizados, no
auge desse tipo de exploração. Morriam de doenças mais variadas, como
tuberculoses e outras infecções nos pulmões, contraiam chagas, esquistossomose
e outras tantas verminoses letais. Quando nas minas profundas podiam ser
soterrados, em função da precariedade das perfurações ou inalarem gazes tóxicos
vindos do subterrâneo. Entretanto para traficantes e comerciantes de escravos
isso era muito bom, quanto mais mortes, mais demandas, assim a máquina de moer
gente girava cada vez mais veloz.
Temos um campo vasto de elementos advindos
da cultura material, da linguística e da cultura imaterial, sobretudo, aspectos
relevantes da religiosidade, que hoje nos permitem reconectar historicamente
elementos culturais afromineiros com culturas centro africanas. Podemos
fazê-lo, tal como já empreenderam esforços pesquisadores, como Julita Scarano,
Gerard Kubik, Edmilson Almeida Pereira e Nubia Pereira de Magalhães, Elizabeth
Kind, Marina Mello e Souza, Leda Martins, Romeu Sabará, Clovis Moura, Edison
Carneiro, etc
Quando olhando com atenção para as Minas
dos séculos XVIII e XIX, além de ver muitos negros, nos deparamos também com
duas instituições distintas e negras, Irmandades e Quilombo, ou
Calhambolas e Confrades, como grafam os
documentos. Quando nos detemos nos século XX os fenômenos culturais que aparecem
com destaque são as Congadas. E para nosso espanto, o mapa das Congadas da segunda
metade do século XX, na maioria dos casos ainda se encontram delimitadas por
seus registros anteriores e para nosso espanto coincide com as áreas dos
antigos quilombos dos séculos XVIII e XIX. Será coincidência?
Pelo que consta nos documentos analisados
por diferentes historiadores a presença de quilombos na região datam do começo
da própria formação daquela província, quando foi localizado o ouro em final do
século XVII. A incidência de Kilombos ou
quilombos de maiores ou menores proporções não cessaram durante dos setecentos,
ainda nos oitocentos muito preocupavam as autoridades coloniais e depois
imperiais.
Documentos atestam certa similaridade
entre as eleições de reis e rainhas de irmandades e a presença de reis e
rainhas entre as populações quilombolas mais numerosas, quer dizer acima de 400
pessoas. Também vale dizer que segundo o historiador Carlos Magno Magalhães os
Reis, Rainhas e Capitães eram as figuras de prestígio e mando entre as
comunidades quilombolas mineiras. São
também, ainda hoje, ícones de poder simbólico entre as Companhias, Ternos,
Batalhões ou Guardas de Congo em vasta área das Gerais, conforme atesta boa
parte de bibliografia folclórica da segunda metade do século XX e a literatura
histórica antropológica mais recente.
Observo que na minha infância em Passos,
sudoeste de Minas Gerais, um dos Congadeiros mais afamado da região chamava-se
Dito Baianinho, em alusão a origem de seu pai. Pouco se sabe até aqui sobre o
que especialista denominam “tráfico interno ou interprovincial”. Ainda assim
não vamos capengar, estive estudando um
pouco, por isso vou te contar. Congadeiro é um termo externo para identificação
dos praticantes do Congado, sem necessariamente precisar sua função.
Os grupos de Congos podem ser definidos
como organizações religiosas e musicais cuja origem remonta o século XVII. Sua
estrutura interna tem funções especificas para cada membro e uma hierarquia
própria, com poucas variações de uma região para outra. Os reis e rainhas,
capitães e guardas, parecem compor um corpo fixo que e permitem arranjos
variados. Também a música sugere ter sido um ponto resistente da sua
ritualística e performance pública. Contudo ainda há o que se estudar sobre o
papel dos músicos de corte junto aos soberanos nas sociedades imperiais da
África centro-ocidental.
Do Maranhão ao Rio Grande do Sul há
registros esparsos no tempo e espaço que apontam para a existência de
festividades negras identificadas pela coroação de reis e rainhas como
múltiplas expressões de etnicidade. Seu caráter político tem sido checado por
autores como Marina Mello e Souza e parece não haver dúvida que os reis e
rainhas congas exerceram papel político não desprezível entre populações forras,
comunidades quilombolas e fugitivos aquilombados.
O cargo de rei e rainha eleitos nos
quilombos oitocentistas e nas congadas irmandades para ser um marca bem
definida em varias comunidades contemporâneas, também a figura do Capitão,
parece se manter presente em diferentes temporalidades e experiências africanas
e afrobrasileiras. Os termos portugueses como fidalgo, vassalos e embaixador,
também transladam de um ponto a outro do oceano com sentidos bem definidos.
Em que momento da história cultural
afrobrasileira os Congos se converteram unicamente em festividade de fundo
religioso? Essa parece ter sido uma inversão ocorrida a partir de em meados do
século XIX.
Os
africanos trazidos como escravizados embora não abandonassem suas antigas
religiões encontravam na retórica e filosofia do catolicismo um momento de comunhão
entre si e os outros e acima de explicação razoável para seu sofrimento. A
Imagem de um negro cristão martirizado, por isso santificado era a
correspondência mais direta ao suplicio da escravidão, a qual padre Veira
aludiu e Paul Gilroy, sem sabê-lo, complementou com seu o conceito de Escravo Sublime[44].
Ao
mesmo tempo as festas do calendário cristão faziam parte da imposição das
religiosidades católicas, esta era um das estratégias de dominação que começam
ainda antes do embarque nos navios negreiros.
Os enterros, festas religiosas e eventos públicos, eram outros espaços
de sociabilidade aproveitados pelos africanos e seus descendentes para fazer
valer suas culturas e identidades.
Desde
o final século XVII já se tem noticias da relação entre as irmandades e os
grupos negros denominados Congos. Esta temática no Brasil é recorrente,
inclusive em várias outras sociabilidades de origem africana, qual seja,
cerimonial de coroação de reis e a rainhas, sob a devoção de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos.
Atualmente
concentrados nas regiões sudeste, centro-oeste os grupos de Congo e Moçambique
transformaram-se em verdadeiros mantenedores das tradições afro-católicas
brasileiras, na medida em que é na sua maioria composta por descendentes de
africanos organizados em torno da devoção dos Santos Pretos. A entronização dos
reis e rainhas do Congo que faz parte do calendário cultural da cidade é muito
mais que simples folguedo como querem os folcloristas, trata-se de uma
modalidade de catolicismo africanizado surgido no século XVI, onde se imbricam
vários componentes religiosos de matriz africana.
Embora
o cristianismo já fosse conhecido na Costa Oriental da na África desde o século
três, a região do Congo tornou-se o principal foco de evangelização e exploração
da costa ocidental desde o século XV. Alguns soberanos chegaram a enviar seus
filhos para serem formados em Conventos de Portugal. Entre os convertidos ao
catolicismo encontrava a Grande Rainha do Congo, batizada como Ana, mas era na
verdade a herdeira do trono conhecida em toda costa ocidental como rainha Jinga
ou Nzinga Mbande.
Embora
os instrumentos africanos, como por exemplo os balafons ou marimbas tenham
desaparecidos em sua maioria destas manifestações culturais, foram entretanto
mantidos os tambores e chocalhos designados gungas, especialmente na tradição
do Moçambique em Minas Gerais, São Paulo e Goiás.
Nas cidades do sudoeste de Minas Gerais resistem
algumas das mais vigorosas e desconhecidas práticas culturais afro-brasileiras,
os Congos e Moçambiques. Desde o final da década de 1970, acompanho alguns
grupos e figuras como Tijolinho, Pascoal, Feliciano, guardiões dos cantos e
ritmos ancestrais e dos rituais de coração de “reis congos”. Mais tarde passei
a fotografar filmar, entrevistar componentes e lideranças dos grupos de Congos,
Folias de Reis, Moçambiques, Escolas de Samba e Terreiros de Umbanda. Constituí
um rico acervo videográfico e iconográfico que há muito desafia minha
capacidade interpretativa.
Quando falamos em África central, do que
precisamente estamos falando? Jan
Vansina, reconhecido especialista na História e Culturas África Central
sustenta que:
“Quase metade dos africanos que cruzaram o Atlântico
veio da África Central. Eles foram para todos os lugares: de Bueno Aires a Colômbia
e Peru, ao vasto Caribe, assim como Suriname
e as Guianas, e a região costeira dos estados Unidos, de Nova Orleans a
Nova York, até alcançarem finalmente a Nova Escócia, no Canadá. Isso contrasta
de certa forma com os africanos da costa ocidental, que tenderam a se
estabelecer em pequenos núcleos. Exemplos : Bahia e Haiti, vindos da planície
da Guiné; ou Jamaica, por povos oriundos do que é hoje considerado Gana. Mas,
mesmo nesses lugares , também se estabeleceu um grande número de centro-africanos.
Congo é ainda muito lembrado na Jamaica , Haiti, Brasil, Colômbia, Nova Orleans
e nas planícies das carolinas.”[45]
Podemos dizer que é uma parte das
caraterísticas dos seres humanos a capacidade que têm de criar diferenças, diversidade
de ideias, valores e atitudes. Na África
essas diferenças também podem em alguns casos ser enormes, embora a maioria das
populações possa ser identificada como composta de pessoas negras, existem
variações físicas de tons de pele, altura, cabelo e formato do rosto, diferenças
de língua, costumes, religiosidade, modo de vida, enfim de cultura.[46]
Jan Vansina, Joseph Miller, John Thornton
e Linda Heywood pertencem a uma linha de pesquisadores que têm se esforçado na
configuração de pesquisas que se pautam na reconstrução histórica das culturas
centro-africanas originais e que ao serem transladadas com sues portadores para
as Américas, constituíram a base de uma nova cultura transregional, que alguns
designam atlântica. Mais uma vez Vansina nos chama a atenção: “O resultado foi
que, ao chegar as Américas os imigrantes compartilhavam uma linguagem comum. Os
portugueses em Angola estavam tão cientes dessa dinâmica que na metade do
século XVIII chamavam Quimbundo a língua geral do país.”[47]
Tanto Linda Heywood quanto John Thornton
são contundentes em dizer que os centro africanos já partilhavam um cultura
afrocatólica ou crioula antes de pisarem em terras americanas. Joseph Miller
olha para essa ênfase com cuidados e faz ressalvas as tentativas muito radicais
de análises e conclusões totalizadoras. Contudo, aceita também alguns
argumentos sobre correspondências litúrgicas ibéricas-católicas e centro-africanas,
noções de pessoa e individualidade, concepção de morte e vida após morte, etc. Argumentando
em torno da expansão do comércio de centro-africanos nas Américas no século XVII, Miller sustenta que:
“Assim as vítimas do comércio escravo chegavam as
Américas não com noções de instituições estáveis como ‘Estado’, em suas mentes,
mas pensavam em metáforas de poderes protetores exercidos por benfeitores em
favor de clientes leiais , por meio de demonstração ad hoc contínuas de eficácia, muitas vezes apoiadas metaforicamente
nos ancestrais e me outras figuras espirituais . Mais tarde, lideres igualmente
eficientes entre as populações escravizadas nas Américas podem, ter evocado
memórias dos benfeitores respeitados ou temidos na África, como Mani Congo ou a
famosa rainha Nzinga.” MILLER, Joseph C. África Central durante a era do
comércio de escravizados, de 1490 a 1850. In: HEYWOOD, Linda (Org). Diáspora
negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. P52.
Os pesquisadores, entretanto, concordam
sobre o fato das dinâmicas de reconfiguração identitárias de africanos no
continente americano, sobretudo no Brasil, se moveram em diferentes direções,
mas que na maioria dos casos estiveram associadas aos valores originais africanos
e atividades religiosas de catequese cristã. Linda e Thornton parecem ver uma
miragem cultural afro- atlântica integrando Reinos Africanos, traficantes,
captores mestiços e mundo litorâneos americanos, que Miller desconfia, logo
trata de por uma pedrinha mal talhada na mureta do casal de pesquisadores
estadunidenses:
“John K. Thornton enfatiza a completa conversão
popular ao cristianismo no reino do Congo no século XVI e, juntamente com
outros estudiosos desenvolveu essa premissa para afirmar que muitos dos povos
levados como escravizados da África Central e, de fato, de outras partes do
continente, pelo menos até meados do século XVII, teriam sido selecionados
pelos traficantes europeus pela familiaridade que tinham na África com o mundo
da cultura dominante no qual estavam prestes a entrar nas Américas. Muito
embora os congoloses incorporassem o cristianismo e integrassem as mercadorias
europeias em sue modo de vida, não está claro se eles percebiam a si mesmos
como parte do mundo atlântico emergente: sua reação ao serem excluídos como
escravizados dos amplos benefícios da economia atlântica , aguarda analises
históricas” Idem p.59.
Todavia os temas relacionados ao tráfico
ainda são bastante abertos à discussão e na medida em que evoluem pesquisas, mais
difícil fica chegar a uma síntese definitiva. Ainda que de forma provisória é
importante saber e lembrar como, de onde e o que os nossos antepassados
trouxeram e modificaram. Quero dizer: Alguém pode roubar tudo de uma pessoa,
mas ninguém é capaz de roubar a língua
falada, os pensamentos, os desejos, os medos e os sonhos. Sim os sonhos, aquilo
que nossa mente cria quando não estamos no controle dela ou das nossas vontades
mais íntimas.
[1]
Em termos didáticos, segundo o livro de História de Angola do M.P.L.A (
Movimento de Libertação de Angola), Congo foi o grande Império agropastoril e
costeiro da África central ocidental dividido em seis províncias, cujo limite
ao norte atingia o Rio Ogoue no atual Gabão até altura do Rio Kuanza ao sul, no
atual território de Angola. História de Angola.
Publicado em Argel em 1965, pelo centro de Estudos Angolanos, Grupo de
Trabalho História e Etnologia. M.P.L.A.:
Porto: Afrontamentos, 1965.
[2]
“MBamba- Era província mais rica e a que tinha mais gente. O Mani Mbamba,
governador desta província, era de família real e tinha grande exército para
combater os vizinhos do sul, que as vezes invadiam o Congo. A capital era
Kibala.” Idem p.47.
[3]Envie
para sallomasallomao@gmail.com,
abs.
[4]
Este termo aparece largamente disseminado nas cantigas afrobrasileiras,
etmologicamente originário do associado
as águas e mimetizada na boneca negra nos Maracatus de Pernambuco.
[5]
Marina de Mello e Souza com documentação oitocentistas historiou as Congadas do
Brasil escravistas como festa anual de rememoração do “mito fundador de uma
comunidade católica negra”, e destacou os vínculos com suas matrizes afrocatólicas
congolesas, veja: SOUZA, Marina de Mello e. Reis
negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de Rei Congo.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
[6]
Elizabeth W. Kiddy também explorou documentação escrita convencional a relação
entre as Irmandades católicas, Congadas brasileiras oitocentistas e a cultura
política da África central. Veja; KINDY, Elizabeth W. Quem é o rei congo no Brasil. Um novo olhar sobre os reis africanos e
afro-brasileiros no Brasil . IN: HEYWOOD, Linda (Org). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009, p165,192. Veja
também: Kiddy, Elizabeth W.Blacks of the Rosary. Memory and history in Minas
Gerais, Brazil. Second Printing, EUA: The Pensylvania State University,
2007.
[7]
Principalmente Santo Antonio, Santa Efigênia, São Benedito e Nossa Senhora do
Rosário. Veja por exemplo capítulo 3 de: LAHON, Didier. O negro no coração do Império. Uma memória a resgata séculos XV-XIX.
Lisboa: Secretariado Coordenador dos programas de Educação Multicultural, Ministério
da Educação. Portugal, 1999.
[8]
LAHON, Didier. O negro no coração do império, uma memória a resgatar , séculos
XVI-XIX. Lisboa: secretariado coordenador dos Programas de Educação
Multicultural- Ministério da Educação, 1999.
[9]
ILIFFE, John. Os Africanos: histórias dum, continente.
1ªed. – Lisboa /Portugal : Editora Terramar, 1995. p.117.
[10]
Antonio Custódio Gonçalves, elaborou interessantes estudos sobre a emergência
do que designa Movimento Antoniano (Kimpa Vita), no século XVIII e o
Kimbanguismo, conjunto de revoltas populares
angolanas do início do século
XIX, interpretados na chave sociológica de “messeanismo”. Veja: GONÇALVES:
Tradição e modernidade na (Re) Construção de Angola. Biblioteca de
Ciências do Homem, Porto-PT:
Afrontamento, 2003.
[11]
Idem. p.59 . “Mas, desde o fim do século
XIV, existiam na Espanha confrarias religiosas de diferentes invocações
dirigidas principalmente por negros. É, portanto, na Península Ibérica que leas
nascem e depois passam para continente americano, quase em simultâneo com
introdução dos escravos africanos.”
[12]
Um conjunto de documentos extraídos da dominação portuguesa em Angola, mostra
que desde o século XVI registros escritos por africanos testemunham uma trama
intricada da relação entre portugueses e soberanos africanos. Os termos desses
documentos colocam questões muito interessantes sobre uma “diplomacia” e
cultura política especifica surgida da relação desigual entre africanos e
portugueses, mas também são narrativas que atestam uma altivez de africanos que
a historiografia conservadora teima por esconder. Veja: SANTOS, Catarina
Madeira e TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, apropriação da escrita pelos
africanos: volume I. Arquivo Caculo Cachenda.Lisboa: Instituto de Investigações
Científica Tropical. 2002.
[13]
Este termo é o mais rico da concepção centro africana de guerrilha camponesa,
refere-se a uma concepção de regime e organização militar do NBangalas,
tratados na literatura como Jagas. Ao que tudo indica este termo foi
simultaneamente aplicado na África central e Brasil colonial a partir de fins
do século XVI, como sinônimo de território de gente aguerrida ou rebelada.
[14]
DONGA. A música de Donga. Discos Marcus Pereira. 1974. Numa associação livre
posso suspeitar alguma relação etnolinguística com os domínios de Ngola
Kiluanje, o Reino Ndongo?
[15]
Diferentes autores e divergentes métodos calculam entre 9 e 12 milhões os seres
humanos que foram vitimados pela captura ou venda em solo africano. Em torno da
quarta partes desses teria morrido, seja
na captura, seja no traslado para a costa ou ainda durante a viagem.
[16]
Veja: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formações do Brasil no
Atlântico sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras. 2006. p.85.
[17] John Reader expõem a questão da seguinte maneira: “O
termo banto é uma marca exclusivamente linguística, que não tem qualquer
conotação étnica ou cultural em nenhuma outra parte do mundo. Foi cunhado no
século XIX pelo filólogo alemão Wilhelm Bleek, para o grupo de línguas e
dialetos africanos em que raiz vocabular
Ntu, como significado de coisa ou
pessoa, é universal. O prefixo Ba também
comum a todas estas línguas , denota o plural; assim, ba-ntu literalmente significa povo. A Bleek pareceu uma designação perfeitamente
para indicar uma família de línguas faladas por tantos grupos, dispersos por uma área tão
vasta.”READER, Jonh. África biografia de
um continente. Mira Sintra, Portugal: Publicações Europa-América,2002.
p.195.
[18]
Diáspora é um termo de origem grega aplicado inicialmente ao contexto da
história judaica. No século XIX intelectuais negros no Caribe e Estados Unidos
da América passaram a utilizá-lo para se referir à dispersão de africanos a
partir do século XVI, em função do tráfico transatlântico. É nesse sentido que
empregado aqui, qual seja, populações descendentes de africanos no Brasil.
[19] John Iliffe esclarece que: “As religiões da
região equatorial são as mais acessíveis da África Ocidental porque os povos de
língua banta mantiveram uma certa homogeneidade evidente nas suas línguas.
Estas revelam que essas religiões partilhavam idéias de um espírito criador,
espíritos naturais e ancestrais, amuletos, especialistas em rituais e
feiticeiros. A partir desta base comum, cada sociedade desenvolveu idéias e
práticas diferentes. No fim do século XV, o povo Congo, por exemplo, parece ter
tido uma vaga noção de um “poder mais alto ou derradeiro”, o nzambi mpungu, mas
os principais poderes espirituais em acção entre eles eram espíritos ancestrais
e da natureza. Cada linhagem matrilinear comunicava com os seus antepassados
através de rituais públicos executados nos túmulos.” ILIFE, John.p. 118
[20]
Martinho da Vila gravou uma canção denominada “Festa da umbanda” adaptada por
ele, a partir de repertório religioso, cujo refrão trazia a estrofe: “ (...)
Tem pena dele Benedito , tenha dó, ele filho de Zambi, meu São Benedito tenha
dó”. In: Martinho da Vila. Vinil. Canta,
Canta Minha gente . RCA Victor, nº110.0002, 1975.
[21]
A professora Maria Odila Leite da Silva Dias, por vezes insistia nesse aspecto,
para nos chamar atenção para aos princípios éticos que devem nortear a produção
dos historiadores.
[22] Idem p.196,197
[23]
Idem
[24]
Parece justo sustentar que os dois termos, Mwene e Mani são na verdade um só. Sugerem
haver mais divergências de audição de palavras cujas pronuncias eram
especialmente difícil aos europeus e a sua grafia divergentes nas futuras
fontes históricas ocidentais, reproduzem tais dificuldade. Contudo trata-se de
um mesmo termo designativo de Soberano.
[25] África, o
despertar de um continente. Grandes impérios e civilizações. Volume II,
Madrid: Edições do Prado, 1998. p.166.
[26]
Idem.
[27]M’Bokolo, pode nos ajudar e informa que: “Dos séculos
XVI ao XVIII , o imaginário dos europeus apropriou-se deste reino, inventando
toda casta de narrativas maravilhosas a seu respeito, misturando-se por vezes
com discrições não menos extraordinárias respeitantes ao reino do Preste João e
ao Oriente. (...)O trabalho propriamente arqueológico, que deu enfim um corpo a
estas construções fantásticas para onde a descoberta dos diamantes (1867) e do
ouro (1881) , as narrativas e reputação de David Livingstone (morto em 1873) e
o colonialismo triunfante atraíram novos aventureiros e suscitaram neles as
paixões mais contraditórias.” In: BOKOLO, Elikia. África negra: Historia e civilizações.tomo I até o séculoXVIII . Salvador: EDUFBA: São
Paulo: Casa das Áfricas, 2009. p165.
[28] Nas constatações de M’Bokolo: “No Grande Zimbábwe, as
ruínas apresentam-se no estado em que as deixaram o apetite dos colonos
(...)Elas não são as únicas da região. No decurso de 1930, a arqueóloga
Gertrude Caton Thompson calculou em cerca de 500 (apenas 150 de acordo com
pesquisadores atuais) o numero de ruínas análogas existindo entre o vale do
Zambeze do Limpopo. Só um número muito reduzido foi confiado ao trabalho dos
arqueólogos: Van Niekerke, Khami, Dhlo-dhlo, Penha Longa, Inyanga e sobretudo
Mapungubwe. Neste sítio poupado da concupiscência dos pilhadores de túmulo e
explorado pela primeira vez em 1932-1933, foi possível trazer a luz do dia
túmulos ricamente guarnecidos, datando do século XII.” idem
[29]
M’BOKOLO p.167-168.
[30]
Segundo: Catálogo de instrumentos
musicais de Moçambique. Coordenação de Maria da Luz Teixeira Duarte. Direção Nacional de Cultura. Serviço Nacional
de Museus e Antiguidades. Maputo: Dezembro de 1980.
[31]
ANDRADE, Marcos. Rebeldia e resistência:
as revoltas escravas na província de Minas Gerais.(1831-1840). Dissertação
de mestrado. BH:FFCH:UFMG, 1996.
[32]
RIBEIRO, João Luiz. No meio de galinhas
as baratas não têm vez. A lei de 10 de junho de 1835., os escravos e pena de
morte no Brasil. 1822-1889. Rio de janeiro: Renovar, 2005.
[33]
REIS, João José. Rebelião escrava no
Brasil- a história do levante dos malês-1835. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
[34]
LIMA, Mesquitela. Os Kaika de Angola.
Lisboa: Edições Távola Redonda, 1988. p.182-183.
[35]
SILVA, José Carlos Gomes da. Congada e
cultura centro africana: marcas da ancestralidade. In:CLEMENTE, Claudemir
Correa e SILVA, José Carlos Gomes da (orgs). Negros , Cultura e vida urbana: estudos etnográficos sobre o Congado.
Uberlândia: Minas Gerais:Edição dos autores. p.13-76.
[36]
MACAHADO FILHO, Aires da Mata. O negro no
garimpo de Minas Gerais.Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo Edusp, 1985.
p.14.
[37]
Idem p.57,58.
[38]
INDACA, Esta palavra ouvi e retive com Seu Feliciano, um Moçambiqueiro, capitão
do Terno de São Benedito, nos anos finas da década de 1970 em Passos, sudoeste
de Minas Gerais. Quando em São Paulo alguns anos depois tomei conhecimento de
um grupo de Música vocal designado Indaka Mawula, segundo consta dedicado um
repertório a música tradicional da África do Sul e Spirituals estadunidense.
Indaca, naquele contexto (Passos, anos 1970) poderia ser traduzido por
“Tradição ou Fundamentos”.
[39]
Ibdem. p.59.
[40]
MILLER, Joseph C..Poder político e parentesco.Os antigos estados Mbundu em
Angola. Luanda: Arquivo Histórico Nacional, Ministério da Cultura, 1995. p. 159.
[41]
Idem p.160.
[42]
Ibdem.
[43]
GOMES, Flavio dos Santos. História de quilombolas , mocambos e comunidade de
senzala no rio de Janeiro, século XIX.p. 78,79.
[44]
GILROY, P.
O Atlântico Negro: modernidade e dupla
consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ed 34; Rio de
Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2001.
[45] VANSINA, Jan. In: HEYWOOD, Linda
(Org). Diáspora negra no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2009, p.7
[46] Vansina sustenta que no caso da África central isso
até o século XVI, era um pouco diferente: “A maioria dos centro-africanos
partiu de portos na costa de Loango e Angola, lugares que pertenciam a somente
três culturas regionais: a do Congo, Umbundo e Ovimbundo. Estas culturas não
somente se inter-relacionavam , mas interagiam continuamente. Isso não quer
dizer que todos os imigrantes vieram do Congo, Umbundo ou Ovimbundo. Mas todos
eles falavam línguas muito próximas ao do Bantu ocidental, o que significou que
podiam se comunicar uns com os outros desde o começo.” Idem p 28.
[47]
Segundo Vansina alem das língua com proximidades muitos escravos vindos do
Congo eram “católicos” desde o século XVII. Não dá detalhes sobre as
características gerais dessa religião africanizada, mas faz associações a
zumbis e similaridades centro-africanas com espíritos e santos. E sustenta que
Umbanda do Brasil, desenvolveu-se a partir da Umbanda de Angola, já a partir do
século XVIII.
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