SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

sábado, 5 de agosto de 2017

Bantus nas gerais. Delírios pós acadêmicos



Congos e Bambas: Reis e Rainhas Capitães negros no trânsito sul atlântico

 “Salloma” Salomão Jovino da Silva

Os tênis que usava na infância podiam variar entre Conga e Bamba. A compra dependia do orçamento dos meus pais nos finais de cada ano. Nos meus pés duravam o tempo do calendário escolar e serviam para passeio e pelada, futebol de várzea ou quadra, festas, igreja e escola. Nem tanto baratos eram confeccionados de borracha branca e brim, nas cores branca, azul ou preto. “Baixando os olhos para ver os pés se sabe de onde és?” Os nossos eram considerados calçados de gente pobre. Numa sociedade em que os lugares são antes definidos pelos pés e pelas cores. Freire nunca me disse que e percepção do mundo é também cromática.
Consumo frustrado porque sonhava “ostentar” um tênis de couro colorido, de marca importada. Como aqueles, que me vinham bem gastos, enviados pelos filhos das patroas de minha mãe. Como eram boas as patroas-madrinhas, para as quais minha mãe trabalhava como doméstica. Comadre, quase sempre por ser ama de leite. Afetos e interesses se mesclam na cultura do paternalismo. As tetas negras de Donana eram divididas com crianças brancas, mas não como aquelas sugadas pelo outro Freyre.
Prezado leitor desconhecido, desculpe se te causar algum incômodo começar um texto dessa natureza, com lembranças sentimentais de coisas banais e historicamente desprezíveis. Esqueça as tetas das mucamas negras da experiência social concreta e da literatura antropológica sentimental.
Quero lançar o desafio para quem leia, localizar atualmente no Brasil, um produto industrial, que tenha sido batizado com nome centro-africano, tal como Conga ou Bamba, cujas referências linguísticas são, sem sombra de dúvida, o Império do Kongo[1] e o reino de MBamba[2]. Sabemos que muito além do mundo do samba, o termo bamba pode ser popularmente aplicado no Brasil, aquele que detêm alguma sabedoria especial ou diferenciada. Fulano é bamba em tal assunto.
Caso consiga, seu premio será um Cd, enviado pelo correio, anote meu email[3]. Não vale Kalunga[4], rede de lojas de insumos para escritório.
Se o projeto de branqueamento biológico das elites brancas do início século XX não surtiu sucesso, ao nível cultural parece ter sido o contrário. Ao que parece a sociedade e brasileira foi se tornando cada vez menos permeável aos valores civilizatórios africanos, na mesma proporção em que se industrializou, urbanizou e modernizou.        
Contudo, em Conceição da Barra no Estado do Espírito Santo e em Ilha Bela no litoral do Estado de São Paulo, em Passos, São Sebastião, Pratápolis e Itaú    e no sudoeste de Minas Gerais assim, como na região de Contagem na Grande Belo Horizonte, no mesmo estado, os fragmentos de um registro da memória centro-africana se apresentam nas festividades/musicalidades/religiosidades urbanas em forma da dança, música, encenação, coreografia e texto poético oral. Embora, nem sempre com todos esses elementos e tem duas dimensões bem definidas, uma suntuosa e pública e outra privada, esta iniciática, devocional, secreta e, ás vezes, fúnebre(se considerarmos as cantigas Vissungos do Candombe e Jongo, como partes constituintes das Congadas).  Então estas práticas culturais negras são muito mais que festas.[5]
Contemporaneamente o Ticumbi capixaba, o Congo de Saiote da Paraíba, a Congada do litoral paulista, os Catopes e Congos de Minas Gerais, têm a mesma matriz, as coroações de Reis Congo. Há neles uma trama história mestra, que enseja um jogo dramático e figuras cênicas que sustentam a presença de soberanos dos reinos do Congo, sempre representados por Embaixadas, comandadas por capitães.[6]
Hoje é possível dizer sem medo, de ser acusado por essencialista ou –histórico que, os enredos dos Congos, Conguinhos, Congadas, Congados e Moçambiques têm como pano de fundo os conflitos entre estes próprios reinos africanos e seus inimigos circunstanciais, sobretudo os portugueses e holandeses e brasileiros. Mas não só, alguma memória tênue há de batavos e índios, a considerar os Maracatus, Quilombos e Caboclinhos do nordeste afora. Um dado contundente dessas representações é a legitimidade, que advém da maior ou menor proximidade com símbolos cristãos, especialmente a proteção dos Santos Negros.[7] Essa proteção tem sua origem na catequética ibérica, sobretudo naquela disseminada pelas Irmandades católicas ibéricas.
As Confrarias negras foram registradas inicialmente em Portugal e Espanha e Posteriormente nas Américas. São Benedito é um dos Santos mais populares no Brasil não apenas entre os descendentes de africanos. Meu sogro de origem alemã coloca uma xícara de café toda manhã diante de sua imagem. Seu culto é publico e familiar está profundamente ligado não diretamente a África, mas a evangelização da população escravizada na Europa e na América, em especial no Brasil. Em Minas Gerais era e é o Santo de devoção das Irmandades negras que faz par com as Irmandades do Rosário e que permaneceram como guardiãs de muitas comunidades negras semiurbanas, ou de antigas cidades medianas. Inúmeras Igrejas foram erguidas em sua homenagem em todo o país, assim como em Portugal desde o século XVI, conforme nos informou Didier Lahon.[8]
Resumidamente e em consonância com a literatura vigente, podemos dizer que as Irmandades eram instituições permitidas pela igreja, tolerada pelas elites e utilizadas como estratégias de deslocamento e mobilidade social pelos negros, mas também correspondiam a cosmovisão das forças protetoras e confortadoras no infortúnio. Em sociedades regidas pelas leis dos reis e da igreja, as irmandades funcionaram como uma fresta de liberdade possível, identidade factível e fé pragmática. John Iliffe considera as diferenciações entre dogmatismo e pragmatismo o aspecto crucial que definia as duas visões religiosas que se coadunaram no processo cultural difundido no atlântico sul negro, a centro-africana e a católica ibérica:
“Este pragmatismo conferiu ecletismo às religiões Africanas: as idéias e as práticas eram aceitáveis se funcionassem, viessem donde viessem, e pouco interessava a consistência mútua, mas sim a tolerância, não porque os africanos fossem simplórios ou irrefletidos – os seus mitos e o seu simbolismo refutam isso – mas porque não tinham razões para serem sistemáticos, a menos que fossem desafiados por um credo sistemático importado. Por conseguinte, as religiões eram mutáveis; eram talvez o aspecto cuja mudança era mais rápida na cultura africana. Por isso espantaram observadores muçulmanos e cristãos com a sua diversidade, fragmentação e incoerência, sobretudo na falta de textos escritos”. [9]  
Parte da legitimidade passou então a advir da ortodoxia (plástica) do catolicismo ibérico, entretanto, quase nunca livre de mensagens cifradas pela teologia heterodoxa oral centro-africana, de tal forma que em certo tempo, talvez em um espaço não superior a um século, se haviam tornado una. Quer dizer o catolicismo ibérico foi profundamente assimilado e vice-versa nas práticas religiosas do Congo que suas imbricações e implicações serão sentidas nos movimentos anticoloniais centroafricanos do século XIX e XX, sobretudo em Angola.[10] Seus resquícios ainda podem ser visto em monumentos religiosos excepcionais preservados em Portugal e Espanha e abundantes em todo Brasil. 
Na prática, as confrarias tornaram-se as únicas instituições escravagistas abertas a participação de africanos e seus descendentes. Embora existissem desde o século XVI[11], adquirem novos significados nas Minas Gerais nos século XVIII e ampliam suas atuações nos princípios do XIX, principalmente quando começam a surgir às primeiras ações abolicionistas. Além confortar os vivos, enterrar os mortos, administrar os bens moveis e imóveis, também organizavam as festas do calendário afro-católico e financiavam alforrias, acobertavam fugas e agilizavam redes de solidariedade e informações que envolvia tanto escravizados e como também os libertos. Os conflitos com a sociedade hegemônica eram constantes, emergindo em todo canto dos impérios escravagistas em que as irmandades negras se instalassem.
Efetivamente é surpreendente haver se conservado, ainda que de forma fragmentária e intricada no Brasil, noções tão elaboradas sobre as contendas políticas e militares e intercâmbios culturais ocorridos na África central entre os séculos XV e XVIII.[12] Os jogos, musicalidades, danças e teatros negros que originalmente tenham função estritamente religiosa e ritualística transformaram-se em espaço lúdico e de preservação de memórias das experiências sócio-políticas centro africanas na diáspora e, não somente no Brasil.
Estou sugerindo que, as Congadas do século XX registrada por folcloristas em quase todo país, ainda podem ser lidas como memórias centro africanas, resultadas de bricolagens justapostas, recriações hoje festivas, que nos remetem a uma longa batalha cultural de dimensão atlântica. Isso não significa entende-las como congeladas no tempo, nem portadoras de essências congo-Angolanas.           
Mas, os registros históricos e a literatura nos dão a entender que houvera ao menos três mudanças fundamentais nas coroações de reis congos no Brasil. A primeira é aquela da travessia, quando chefes de linhagens ou seus filhos foram capturados por inimigos ou mercadores e enviados como cativos ao “novo mundo”. Reconhecidos por seus pares étnicos esses soberanos no exílio (exemplos de Chico Rei e Ganga Zumba), foram conduzidos a uma liderança própria as condições específicas do mundo hegemônico escravagista. A morte de Nganga Zumba ainda hoje é interpretada em função do tabu cristão ocidental, mas se encaixa com precisão na concepção africana de suicídio ritual dos soberanos africanos.     
A segunda se dá ainda no mesmo contexto dos séculos XVII, XVIII e primeira metade do XIX, quando populações consideráveis de africanos e crioulos formavam grandes contingentes populacionais rebelados, formando Kilombos[13]. Ao se verem diante da necessidade de estabelecer uma liderança, capaz de conduzi-los à terra prometida (Quilombos) e resguardar a segurança, produção e fixação na terra, estes procuram alguém de traços próprios, que também foram ungidos reis, porque uma hierarquia fundamentada na história e na tradição centro africana.
A terceira mudança diz respeito à passagem do século XIX para o XX e está relacionada aos novos deslocamentos territoriais e simbólicos, quando a urbanização avançou sobre as culturas negras semiurbanas, mas estas também foram atraídas pelas oportunidades dos novos centros urbanos ou premidas pela atualização dos padrões culturais hegemônicos. Assim reconfiguram seus valores transmutando os seus lideres tradicionais em chefes aparentemente festeiros.                  
Meu objetivo nesse texto e refletir um pouco com você sobre as antigas civilizações da África Central Ocidental e Oriental (das atuais regiões dos países República Democrática do Congo (Zaire), Congo, Angola e Moçambique) e seu impacto sobre a formação cultural das populações afro-brasileiras do sudeste, especialmente Minas Gerais. Faço isso tendo como base uma boa literatura histórica e antropológica publicada no Brasil, Angola, Moçambique e Portugal sobre o tema central e assuntos correlatos. Fui jogando para as notas de rodapé muitos dos sub-temas, ao tentar deixar o texto mais ensaboado. O que você acha?    
Enquanto escrevo para você, ouço o Cd de músicas e depoimentos do compositor afrocarioca Donga.[14] Nascido no século XIX e batizado Ernesto dos Santos.
Penso em Áfricas espelhadas e espalhadas no Brasil, penso também nos rotos pares de tênis “afros” da minha infância, durante a ditadura civil-militar. Reflito sobre nos 4 milhões[15] de africanos que o Brasil recebeu “de braços abertos”, fruto das mais de 12 mil viagens dos negreiros e tumbeiros portugueses e brasileiros[16], entre este território que viria se tornar nossa pátria e o continente africano, terra dos ancestrais.
Assimilando criticamente Paul Gilroy, estamos calibrando as lentes de ver o passado, para enfocar histórias do atlântico negro sul. Por favor, não nos venha com secções cognitivas do tipo cartesianas, nem com psicologismos levianos disfarçados em diagnóstico, sobre os recalques da negritude. São armadilhas que já não nos prendem mais, pois hoje sabemos que História e Memória, também são campos de litígio cultural, lugares de anti-hegemonia. A escrita tem sido uma maquina de guerra contradomínios, como querem os sábios franceses.
 Antes de entrar no tema propriamente dito, digo que sou o portador de uma má noticia: o povo Banto não existe.  Em compensação gostaria também de comentar que existiu uma civilização, cuja língua-mãe terá sido a base de quase todas as línguas nativas da África central, de uma costa outra, dos oceanos Atlântico e Índico. 
Segundo tal hipótese, essa população originária empreendeu uma épica jornada de descolamento para o sul e sudoeste do continente, que durou muitos séculos. Humanizou boa parte do território transpondo montanhas, florestas e savanas, planaltos e rios, depressões, grandes lagos e planícies. Hoje esse território corresponde a Bacia do Congo, planaltos de Katanga e Bié, região dos Grandes Lagos, a parte sul da Grande Fossa Africana e, a costa Indica desde a desembocadura do Rio Tana até Durban, sem deixar de lado as ilhas Índicas, inclusive Madagascar.    
Sabendo disso podemos dizer que, existiu uma população originária negroafricana, culturalmente homogênea, cujo nome nem sabemos, mas que os lingüistas, ou seja, cientistas especialistas em línguas antigas africanas denominaram Banto, ou Bantu.[17] Muitos elementos do português falado no Brasil advêm de línguas pertencentes a esse troco lingüístico e foram conservadas em sistemas dialetais, por pequenas comunidades de falantes e sobretudo nos espaços rituais.      
Isso pode deixar a gente meio capenga para entender não é?  Por um lado podemos concluir que o “famoso povo banto” que falamos nas rodas de Capoeira, Grupos de Congada, nos Terreiros de Candomblés Angola e Centros Umbanda é, todavia, do jeito que utilizamos agora, um termo inventado por um lingüista e redefinido por outros.  Mas de outro lado, e para nós, o termo Banto foi convertido numa bandeira, símbolo ou metáfora que alude à unidade de um passado plausível, projetada nas contingências do presente e utopias do futuro desejável. Ainda assim, não é menos importante ou menos histórico, já que os sonhos coletivos são socialmente construídos, embora imateriais. Quer saber mais um pouco? Vou te contar, não é lenga-lenga não, é falta de jeito mesmo, já que nunca escrevi publicamente sobre isso.
Você entendeu então porque é tecnicamente um erro utilizar o termo “o povo banto” no singular, para se referir as populações da África Central e seus descendentes na diáspora?[18]
No caminho para o sul, essa gente banta originária se transformou muito ao encontrar e assimilar e ser assimilada por outras populações e desenvolver novas tecnologias e novas formas culturais. A língua e as técnicas de cerâmica e ferro sugerem ter sido os principais rastros que deixou pelo caminho, guardando também frágeis memórias de mitos fundadores e o nome do seu ser supremo, que nós aprendemos a designar como deus criador: Zambi.[19] Zambi é evocado em cantigas de Umbandas e Congados do sudeste centro-oeste do Brasil, como sinônimo do Deus Pai cristão, Javé.
Canções dessa natureza extrapolaram o espaço ritual e foram incorporadas nos anos 1960 pela indústria do disco e entretenimento urbano. Também foram gravadas e difundidas por artistas afrobrasileiros que possuíam íntima ligação com religiosidade, especialmente a Umbanda.[20]
Tudo que diz respeito à literatura sobre essa língua originária do tronco lingüístico também designado Niger-Congo sugere uma história complicada e longa. As pesquisas revelam também embates acadêmicos, cheios de idas e vindas. A lição que podemos extrair disso é que em ciências humanas tudo conhecimento é lacunar e marcado pela provisoriedade.[21]  Por isso vou recorrer a Reader para tentar resumir. Moringou mana? Então Reader fala mais:
“Estimativas do numero total de línguas dentro do grupo banto apontam para mais de 600, dependendo do traçado da linha de separação entre uma língua e um dialeto (alguns entendidos julgam que estaria mais próximo da realidade um número que apontasse para cerca de 300 línguas  distintas). (...) Os falantes do banto começaram a dispersar-se  a partir de seu berço natal há cerca de 5.000 anos, provavelmente em consequência de uma deriva natural, à medida que as populações cresciam e os habitantes das aldeias se deslocavam para novas áreas um ou duas vezes por década, preferindo clareiras naturais, margens dos rios e orla das florestas, ambientes adequados às suas sementeiras, evitando simultaneamente áreas que já estavam ocupadas. Em pouco menos de 3.000 anos os povos falantes do banto tinham colonizado praticamente todo continente. ” [22]
As pesquisas fundamentadas principalmente na lingüística e arqueologia demonstram cabalmente que, realmente houve uma base comum original e a convivência em geografias próximas e movimentos alternados de concentração e dispersão, permitiu muito mais que similitudes eventuais. Mas temos problemas para estabelecer conclusões definitivas no diz respeitos as distâncias e proximidades culturais, quanto mais espalhados estes povos estejam hoje, no território e circunscritos as fronteiras nacionais.
Este espalhamento confunde os especialistas. Por quê? Tivemos guerras antigas, guerras recentes, secas e outras calamidades naturais e principalmente a colonização que incidiram brutalmente sobre as formações dos complexos sócio-culturais, que os pesquisadores passaram a estudar ao início século passado. Uma coisa que aprendemos na escola é que não dá para tirar boas fotografias retroativas, portanto esqueça máquina do tempo, e lembre-se também que nem documentos, nem artefatos falam por si.
Então para começar a refazer esses fios de novelos do tempo e espaço, vamos admitir que os africanos em sua terra natal, mesmo quanto apresentam  elementos culturais comuns, sejam diferentes entre si na atualidade e também o fossem no passado, isto é: antes do começo do Holocausto Negro.
As proximidades e distâncias culturais das sociedades africanas confundiam e atordoavam os europeus, talvez por uma deficiência cognitiva explicável. Na altura das explorações da costa ocidental da África do século XV, a Europa havia se tornado o que era em função de aspectos culturais unificadores muito fortes e decisivos, a saber: a religião cristã, a língua latina, as heranças culturais do império romano e as guerras religiosas. As concepções teológicas e políticas urdiam um todo diverso em estados nacionais pré-modernos bem pronunciados. As antigas sociedades da África central constam no nosso campo de reflexão, segundo  M’Bokolo nos seguintes termos:
“Ao sul da grande floresta equatorial , a emergência dos estados continua a ser um processo mal conhecido,. Existiram provavelmente numerosas unidades políticas de dimensões muito diversas no seio das quais as fontes européias carreiam as informações mais numerosas : o império do Mwene Mutapa e o reino do Kongo.”[23]
Como aprendemos pouco ou quase nada sobre África durante nossa escolarização normal e os negros já aparecem na “nossa história” como escravos, e não como pessoas que foram escravizadas, somos induzidos a crer, que “eles” já eram assim na sua origem, ou desde todos os séculos e séculos, amém. Negros escravos.  Estamos reaprendendo sobre nós, para assim olhar melhor para outros.
Somos descendentes de populações africanas escravizadas, mas que originalmente pertenciam as diversas sociedades autônomas e outras submetidas. Algumas delas sistematicamente ligadas diretamente ou indiretamente aos Impérios, reinos e civilizações africanas, entre as quais os Reinos do Mani Congo e do Império de Mwene Mutapa.[24] Mas também sociedades nômades e não urbanas, não deixam de ser importante por isso, é preciso colocadas no bojo da reflexão, para não fazer um história africana pela via aristocrática, tal qual aprendemos tão bem com os eurocentrismos escolares.      
Este último teve características urbanas e comerciais e parece ter sido habitado uma população próxima de 10 mil pessoas por volta do século XV. Seus centros comerciais foram as cidades-portos de Solafa e Kiloa (nome de um grupo musical da zona sul de São Paulo nos anos 1980), na costa do oceano Índico. Era por lá que se fazia comércio com povos árabes e onde se localizaram moedas cunhadas com alfabeto semita, uma especialmente em nome de Al hassan ibn Suleiman do Iemen, no século XIV e o ouro terá sido o seu principal produto de exportação.     
Grosso modo, foram estas grandiosas unidades sociais, culturais e políticas as principais encontradas pelos europeus na África central na época da expansão européia nas duas costas oceânicas. Ao longo do índico predominou uma língua mista de raiz banto e elementos árabes, geralmente descrita como suahili, mas esta ainda é um grande bloco de línguas bem aparentadas como o Macua, Tonga e o Caranga, de populações também identificadas por tais nomes e circunscritas a região de Moçambique e Zimbábue, ou Zimbábwe atuais. O uso de u ou w depende da origem da grafia, se inglesa ou portuguesa.  
Todavia não seja nosso foco o império de Mwene Mutapa os pesquisadores o conectam as impressionantes ruínas do Zimbabwe (nome de equipe de som e baile de música soul nas periferias de São Paulo nos anos 1980). Sobre suas origens o Atlas Cultural da África diz que: “No século XII, os chonas fizeram construções de pedra e iniciaram um uma tradição arquitetônica áfrica única, da qual se preservaram o Grande Zimbábwe  e mais de 400 restos megalíticos disseminados por todo país.” [25]
Batizado Rodésia, transformou-se numa propriedade particular de um empresário britânico durante a colonização e só obteve a libertação do jugo inglês em 1980. A atual nação Zimbabwe corresponde a um país sem saída para mar, em fronteira com Zâmbia. Moçambique, Botsuana e África do Sul e Malawe. Sua capital é Harare e a língua Chona ou Shona é falada por aproximadamente 75% da população. Entretanto: “Em meados do século XV os chona fundaram no norte, o império de Munhumutapa ou Monomotapa. Em finais do século XVII, o império de Changamire ou de Rozvi,(...) tinha dominado a maior parte da zona correspondente ao Zimbábwe moderno.”[26]  
Por exemplo, apreendemos recentemente com Elikia M’Bokolo em “África Negra, História e civilizações” [27] que, embora dominação colonial e racismo antinegro façam parte de um mesmo pacote da expansão ocidental, suas histórias não se coadunam no tempo. Por algum tempo o racismo pseudo- científico, aplicado a história negou com veemência que as ruínas do Zimbábwe pertencessem as civilizações negro africana. Hoje é possível ver com clareza enegrecida que tais premissas estavam fincadas em uma ideologia meio tosca  que abarcava todos os campos do saber.
                 Imagens e textos narram que os restos arquitetônicos dessa cidade murada tinham forma circular e oval. Com 2.500 metros na parte mais longa e mil metros no eixo mais modesto. Um conjunto bem variado de construções em pedra no seu interior, com casas, mercados, palácios, área para recolha de animas, outra para plantio e jardins erguidos sem alicerce ou argamassa, mas todas distribuídas em espaço totalmente terraplanado. Os diferentes tipos de residências e prédios estimulam as inferências sobre as técnicas construtivas posteriormente abandonadas, como também sobre as divisões sociais complexas, que permitiram tão eficiência. O fato de ainda não haver uma História conclusiva sobre as relações entre os povos locais, atuais e a antiga civilização que deu origens do Grande Zimbabwe, não deve nos impedir de seguir por exemplo.[28]
            Conquanto fontes diversas façam alusão as Minas do rei Salomão e atribuam ao Zimbabwe origens alienígenas, M’Bokolo faz uma contundente genealogia dessas teses ao longo do tempo e conclui pela confirmação e fixação da tese autóctone, por um arqueólogo denominado Roger Summers em fins dos anos 1960.   Indicam também as pesquisas, que essa região tivera acumulado grande experiência na prospecção e utilização do ouro, que corrobora para confirmação de fontes árabes e africanas de rotas de ouros conectando, a África mediterrânica e portos nos dois lados do mar Vermelho aos interiores do continente, bem antes da chegado dos europeus. Ainda M’Bokolo:
“O próprio relatório da primeira escavação fornece uma lista de objetos impressionante: ‘Pérolas de ouro, pulseiras e fragmentos de delgadas placas de ouro, largos fragmentos de placas de ouro, algumas das quais lavradas, Eram os restos de pequenos rinocerontes feitos de delgadas placas de ouros, fixadas por pequenos pregos de ouros ou sobre uma espécie de miolo de madeira ou de outra substância, que fora destruído”[29]                    
É ainda M’Bokolo quem sustenta que  a palavra Zimbábwe é seu dúvida de origem shona, por aproximações com dzimba dza mabwe, qual seja, casa de pedra,  ou ainda: dzimba woye ou casa venerada. Ainda pesam duvidas sobre as origens das populações originárias do Zimbábwe, para uns seriam povos San também chamados bosquimanes e para outros populações de língua banto ancestrais do Shona ou Chona. Sustenta que populações de língua banto já estavam presentes nas regiões da África austral desde a idade do ferro.  Quando os europeus atingiram a costa indica da África encontraram um império próximo do auge de sua pujança e extensão territorial, mas já próximo do início de sua decadência. Os povos nativos do atual Moçambique tem suas ascendências nos antigos povos da costa oriental, entre os quais aqueles cujas histórias também se conectam ao império do Zimbábwe.   
Tudo bem! Há em um território bem vasto das Minas Gerais uma prática cultural chamada Moçambique, em que uma das características é o fato dos homens usarem saias e no passado terem utilizado xilofones(Mbila), cuja descrição os aproxima dos instrumentos musicais ainda nos anos 1970 eram usados em Moçambique, nos distritos de Zavala, Inharrime e Panda[30]. O nome dá indícios de gente vinda da costa oriental africana, mas é apenas isso. É só?  De onde vieram os negros das Minas Gerais? Será possível que entre africanos escravizados nas Minas houvesse algum que tivesse adquirido técnicas extrativas de ouro na costa oriental d’África entre os Shona?
Precisamos ultrapassar essa visão de negro=escravo e de África primitiva  para fazermos certas perguntas, cujas respostas podem ser esclarecedoras, mediante ao que queremos apreender, por exemplo: Como se formou a população negra de Minas Gerais?
Sabemos que os primeiros negros a alcançar as regiões das Gerais eram fugitivos da escravidão das antigas regiões do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, que se embreavam no mato e se mestiçavam com as populações indígenas locais. Outros eram componentes das bandeiras dos paulistas aprisionadores de índios e caçadores de riquezas que acabaram ficando por lá.
Depois da descoberta do ouro, magotes de africanos recém chegados foram levados para serem vendidos aos garimpeiros autorizados. Eram utilizados no terrível e penoso trabalho nas lavras. Com a expansão das lavouras de subsistência, da criação de gado e das atividades cafeeiras após os anos 1820 novas de remessas peçoas foram enviadas do Rio Janeiro para as zonas limítrofes entre os dois estados.
Também após o fim oficial do tráfico transatlântico em 1850 Minas ainda recebeu escravizados vindos da região norte nos fluxos do tráfico interno. De que regiões da África vieram os africanos que “colonizaram” involuntariamente as Minas Gerais?
Vamos tomar como certo as afirmações de diferentes pesquisadores de que nas Gerais, desde o século XVIII, predominaram pessoas advindas da África Central. Também vamos concordar com tenham sido das macro-etnias Umbundo, Ovimbundo, Quimbundo e Congo, embarcadas principalmente nos portos situados nas costas de Loango e Angola.    
Ainda que não tenha havido preocupação nesse sentido, Marcos Andrade[31] e também João Luiz Ribeiro[32] por diferentes abordagens e leituras nos apresentam o episódio de revolta de escravizados, liderada por um liberto, ocorrido em Minas Gerias em 1833 e conhecida como Insurreição de Carrancas. Entre os vários insurretos constam João Cabundá, Pedro Congo, Manuel das vacas ou Manuel Benguela, Bernardo Congo, Sebastião Angola e Julião Congo em uma longa lista daqueles que foram identificados e mortos, ou capturados, julgados e condenados as galés ou enforcados.
Contrariando a idéia corrente de que pena de morte foi editada somente após revolta dos malês, ocorrida na Bahia em 1835. A lei que punia com a morte escravos que matassem seus senhores já estava em uso no período anterior, mas foi promulgada alguns anos depois, quando teria sido reformulada e difundida, imediatamente após o evento de Salvador. Conforme trabalhado em pesquisa de João Jose Reis.[33] 
As referências cruzadas indicam aquilo que tem sido recorrente nas análises sobre as formações identitárias no seio da vida comunitária afro- brasileiras, grupos que se formam em função das macro regiões de embarque Benguela, Congo, Cabinda, Mocambique e Angola, etc. Contudo aqui e ali aparecem nomes inéditos indicadamente centro africanos como Cabundá. 
Quero deixar a questão da revolta em segundo plano para lembrar que a região de Benguela, ao sul de Angola era também conhecida como “Bahia das Vacas.” No meio de tantos pretos executados por matarem senhores brancos vão saltando nomes mais precisos e localizáveis com etnias da África central: Joaquim Ganguela (Nganguela), João Songo, Jose Moange, Henrique Chiba, José Cangulo, Miguel Maginga, Pedro Cassange. Esse levantamento feito a partir de fontes judiciais na pesquisa, do já citado de Luiz Ribeiro. Segundo Mapa Étnico de Angola, o termo Songo é designativo um grupo que fala uma variante da língua Kimbundo e situa-se no centro sul do país.
A título de exercício levantamos que Cassange poderia ser uma variação na grafia de Kasizanje, ramo do grupo lingüístico Ambundo. Mas Mesquitela Lima[34] em seu livro “Os kiaka de Angola”, indica que Kassanje foi um soberano pertencente linhagem do clã Kalunga, de origem imprecisa Luba ou Tchokue, que teria criado um estado que levara seu nome, a partir de então tanto o soberano, como seu território eram designados por Yaka Kasandzi. 
Os Nganguela, embora localizados em Angola há indicação de que tenham origens na Zâmbia. Mais uma vez estamos diante das dificuldades e limitações existentes em fazer transposições automáticas para grupos lingüísticos atuais de termos grafados há mais de um século, quando cenário de distribuição espacial etnolinguísticos na África central era outro bem diferente. Mas esta língua em Angola encontra-se bem localizada atualmente nas províncias de Kwando Kubango e na Wila.
Outras pesquisas poderão levantar listas de grafia de nomes escravizados em diferentes contextos temporais e espaciais no Brasil e processar o cruzamento com fontes de conteúdos lingüísticos nas matrizes centro africanas. Embora minucioso, talvez seja possível chegar mapas de falantes, que tenham se desdobrados em línguas residuais e fragmentárias atuais como, por exemplo, nas comunidades de Cafundó em São Paulo, Mata do Tição, Uberlândia e Grande Belo Horizonte em Minas Gerais. Mas isso é outra tarefa. 
            Alguns pesquisadores tem se adiantado sobre os insucessos de Vogt e Fry no Cafundó, em Sorocaba, São Paulo e Patrocínio, Minas Gerais e oferecido leituras e interpretações tanto despretensiosas, quanto inovadoras, aplicadas a territórios restritos, mas com resultados bem mais interessantes, que aqueles sobre comunidades lingüísticas afrobrasileiras.
O antropólogo afro-paulista Jose Carlos Gomes da Silva, trabalhando nos anos 1990, em Minas Gerais, na região de Uberlândia sobre as Congadas, prospectou na região do Triangulo Mineiro, especificamente na cidade de Oliveiras o seguinte quadro:     
“No município de Oliveiras identificamos um rico material lingüístico presente nos cânticos dos congadeiros. Nestes casos os vocábulos, textos e canções são utilizados como marcadores de identidade etnicorracial. O uso do dialeto e de simples expressões e palavras africanas revelam os esforços do grupo em se contrapor ao mundo branco. De fato este parece ter sido, do ponto de vista das comunidades negras, o significado mais profundo da recorrência a língua.” [35]
Silva indica que o dialeto kalunga falado na região do triângulo teria se disseminado a partir de as áreas de garimpos clandestinos, nas margens do rio Bagagem naquela mesma região, onde atuam junto velhos faiscadores africanos ainda ativos na década de 1950, conforme um dos seus informantes mais idosos. Já é possível aventar hipótese sobre a configuração de uma geografia provisória de línguas africanas nas Gerais, se atentamos para registros dispersos.
Aires da Mata Machado, folclorista mineiro talvez fora sem dúvida o primeiro pesquisador a chamar atenção para legado cultural centro-africano nas Minas Gerais, coligindo cantigas e narrativas orais no final dos anos 1920, fez inéditas analises da realidade social e cultural da população negra, da região de Diamantina, na localidade de São João da Chapada.
Segundo Machado trata-se de um “dialeto crioulo” de raiz banto, cuja difusão local foi objeto da observação do folclorista, cuja intenção era colocar Minas gerais no foco dos interessados em estudar as influências africanas no Brasil no contexto em que tanto interesse recaia sobre a região nordeste.
“A importância dos ‘vissungos’, sua difusão local, desde os primeiros tempos, a necessidade que tinham os brancos de aprender a língua dos negros, a influencia africana no começo do arraial, os vestígios da língua na linguagem corrente, na onomástica e na toponímia, tudo isso acabou de me convencer, dando corpo à antiga suspeita, de que existia em São João da Chapada um dialeto crioulo de negros bantos. E , efetivamente, de agora em diante, já não cabe dizer que somente existiu, no Brasil o dialeto dos negros nagôs na Bahia.”[36]         
O que nós aprendemos sobre isso? Primeiro é muito raro estudar algo qualquer sobre a África na escola, mas aprendemos um pouco mais sobre escravidão. Não é? Mata Machado Filho esteve atento aos quilombos como espaços de sociabilidade negra e continuidades culturais africanas em Minas Gerais. Vislumbrou permanências quilombolas, cultura material e técnicas construtivas das cubatas centro africanas, na forma de casas dos negros mineiros, moradias identificadas por ele como cafuas em São João da Chapada, e conclui que: “Circundando o sitio hoje ocupado por São João da chapada, havia seis quilombos famosos: Carambolas, Maquemba, um perto do córrego da Formiga, o quilombo de Antonio Moange, na Valvina, perto do morro do Macumbá, um na Madalena e outro nos terrenos da fazenda do Bezerra. ” [37]
Vamos guardando os termos num em uma quiçamba de segredos e revelando as indaca[38]. Carambolas. Maquemba, Moange, Macumbá, jogamos no chão essas palavras soltas para ver o desenho que formam, enquanto isso sondamos os territórios chamados kilombos em Minas. Ainda segundo Machado “Não são raros em Minas casos idênticos ao do quartel de Indaiá. São comuns as ilhas de população arisca e afastada, antigos quilombos, ou lugar escolhido pelos pretos para viverem suas vidas sossegados.”[39]
  Antes de seguir é importante salientar que, segundo Joseph C. Miller, Kilombo teria sido nos séculos uma sociedade e iniciática dirigido inicial e preferencialmente por lideranças femininas e desenvolvida pelos Imbagala e posteriormente adotada pelos Umbundo, sendo também um local remoto e sagrado, no qual apenas os guerreiros ritualmente iniciados podiam ingressar. [40]
Esse grupo étnico foi grafado largamente na literatura colonial portuguesa, por seu nome externo e de conotação pejorativa, qual seja: Jaga. Não temos referências ao termo Imbangala no Brasil, mas o termo jagunço ficou definitivamente associado á ações violentas e armadas.
Seguindo as explicações de Miller essa organização militar ritualística quebrava antigas regras definidas pela linhagem e estabelecia novos regimes associativos:“Tendo em conta a rapidez com que o kilombo passou por metamorfoses, de década para década, e a escassez de dados diretamente referente a ele antes de meados do século XVII, seria provavelmente imprudente qualquer tentativa de desenvolver uma descrição demasiada pormenorizada da sua estrutura interna nessa altura”.[41]      
Certamente quilombo aqui e kilombo lá não guardaram os mesmo sentidos e mesmo em Angola, Miller nos avisa que o termo foi aplicado a deriva no século XVIII em diante, ou seja: “Contudo, a informação disponível mostra efetivamente que o kilombo amadureceu primeiro como um complemento dos reis kulembe, ao sul do Kwanza, e que representou uma forma evoluída das estruturas não linhageiras, do tipo comum daquelas que chamei de instituições transversais.”[42]
Associando livremente tais informações com a literatura brasileira sobre revoltas, mocambos e aquilombados parece provável que termo tenha transitado muito cedo nas rotas do atlântico sul, adquirindo semânticas locais muito próprias, mas de alguma maneira mantendo conotações de espaço fortificado e lócus de guerreiros.  Calma ai! Estamos nos aproximando da África, lembre-se que o Atlântico, mesmo sendo um rio de Kalunga, é largo demais. Se essa viagem cansa, é porque tem muita gente viva em terra e gente defunto aquática para eu pedir bença.
Flavio Gomes historiador afrofluminense, angoleiro diplomado por ter aprendido artes de pesquisas e escrita em territórios hostis, fez uma belíssima performance para chegar a obra densa “História de quilombolas, mocambos e comunidade de senzala no rio de Janeiro, século XIX.” Gestou a concepção de “campos negros”, como espaços de autonomia, troca culturais e interfaces com a sociedade hegemônica, que acabavam forçando o mundo senhorial a realinhar suas estratégias. No que diz respeito a Minas Gerais do século XVIII, vamos ouvi-lo:
“A população da capitania reclamava de alguns vendeiros que tinham comércio freqüente com os quilombolas, ‘indo buscar a Vila carregações de águas-ardentes, farinhas e rapaduras e o mais a esse respeito para venderem para os venderem a negros fugidos’. Na região aurífera, conexões dessa natureza eram muito comuns. (...) Dizia-se até que alguns ‘alguns escravos iam de dia ao quilombo conversar com negro fugido. Informações davam conta de que ‘a maior parte dos quilombos estão ao pé de fazendas , para destas serem providos de mantimentos e terem aviso de qualquer movimento quee haja’. Enquanto em outras comunidades de fugitivos em Minas Gerais os quilombolas tinham ‘suas próprias roças’, na região de Diamantina , no século XVIII, fugitivos dedicavam-se ao garimpo, abastecendo-se Ed suprimentos com os brancos.” [43]
Flavio Gomes nos apresenta um texto cheio de invenções e delicadezas, computa dos quilombolas capturados, identifica e problematiza as classificações  étnicas  corrente entre a primeira e segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. Localiza-nos o quilombo do Bomba e um rancho intacto era mantido com a sepultura de um ex-chefe africano e apresenta documentos que indicam que técnicas de ferreiros eram aplicadas aqui na fabricação de armas e ferramentas.  Conclui que os quilombos do Iguaçu (hoje Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense) eram majoritariamente habitados por africanos originários de Cabinda, Cassange e Congo. Mas parece ter flagrantemente se esquivado de discutir ou sondar as procedências étnicas efetivas daqueles africanos, ou mesmo de refletir sobre a idéia de quilombo dos aquilombados.
Gomes recupera para História do Brasil o protagonismo negro, como poucos empreenderam. Bem sedimentado na documentação narra, apresenta e interpreta uma saga excepcional do grupo de Manoel Congo e Mariana Crioula, rei e rainha do quilombo, que lideraram com Epifânio Moçambique uma revolta generalizada, na região de Vassouras em 1838.
Estima-se que por volta de 1820, o Brasil tinha uma população aproximada de 4.400.000 habitantes, sendo aproximadamente 2 milhões de escravizados. Obvio que são números questionáveis, pois não levavam em conta as populações indígenas não aldeadas, as comunidades de quilombolas, etc. Nesse mesmo período a província de Minas Gerais concentrava a maior população de escravizados, seguindo em ordem numericamente decrescente, pela Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco e São Paulo.
Haver reis e rainhas negros em quilombos não é uma novidade do século XIX. Ao que parece tão logo os e escravizados se viam livres do domínio senhorial tratavam de buscar nas linhagens africanas originais traços de liderança que teriam caracterizados as culturas de soberania no continente mãe. Isto é não se tratavam de uma legitimidade advinda da concepção linhageira como querem Vansina e Miller, mas antes uma reinvenção desta, com novas bases. Um dos elementos dessas novas soberanias poderia ser o conhecimento especializado sobre o teatro dos combates contra os senhores de escravos por exemplo.   
É o médico/antropólogo Artur Ramos, que apresenta uma das primeiras e mais elaboradas explicações para existência de reconfigurações étnicas africanas, nos principais centros receptores e irradiadores de pessoas negras escravizadas nas regiões litorâneas do país durante o século XIX, quais sejam, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, Pernambuco e Maranhão. Embora falecido precocemente, durante todo século XX, Ramos forneceu balizas para as pesquisas antropológicas sobre presença africana no Brasil. Quais teriam os limites de sua pesquisa?  
A população escravizada de Minas Gerais, ao que parece avançou de 168.545 pessoas por volta de 1820, para em 191.952 em 1885.  Nesse caso é importante salientar que nessa época a política de branqueamento, estava apenas sendo desenhada pelas elites brasileiras. Conquanto já nesse tempo se possa demonstrar pela documentação sua existência, as variadas estratégias que se revestiu, desde a chegada dos primeiros prussianos em Santos em 1827. Mas a ideologia que se criou e as práticas de segregação que se revestiram posteriormente, em 1885 eram apenas ensaios.
Nas atividades mineradoras, quase raro passar de 10 anos, as médias de tempo de vida produtiva de escravizados, no auge desse tipo de exploração. Morriam de doenças mais variadas, como tuberculoses e outras infecções nos pulmões, contraiam chagas, esquistossomose e outras tantas verminoses letais. Quando nas minas profundas podiam ser soterrados, em função da precariedade das perfurações ou inalarem gazes tóxicos vindos do subterrâneo. Entretanto para traficantes e comerciantes de escravos isso era muito bom, quanto mais mortes, mais demandas, assim a máquina de moer gente girava cada vez mais veloz.
Temos um campo vasto de elementos advindos da cultura material, da linguística e da cultura imaterial, sobretudo, aspectos relevantes da religiosidade, que hoje nos permitem reconectar historicamente elementos culturais afromineiros com culturas centro africanas. Podemos fazê-lo, tal como já empreenderam esforços pesquisadores, como Julita Scarano, Gerard Kubik, Edmilson Almeida Pereira e Nubia Pereira de Magalhães, Elizabeth Kind, Marina Mello e Souza, Leda Martins, Romeu Sabará, Clovis Moura, Edison Carneiro, etc          
Quando olhando com atenção para as Minas dos séculos XVIII e XIX, além de ver muitos negros, nos deparamos também com duas instituições distintas e negras, Irmandades e Quilombo, ou Calhambolas  e Confrades, como grafam os documentos. Quando nos detemos nos século XX os fenômenos culturais que aparecem com destaque são as Congadas. E para nosso espanto, o mapa das Congadas da segunda metade do século XX, na maioria dos casos ainda se encontram delimitadas por seus registros anteriores e para nosso espanto coincide com as áreas dos antigos quilombos dos séculos XVIII e XIX. Será coincidência?
Pelo que consta nos documentos analisados por diferentes historiadores a presença de quilombos na região datam do começo da própria formação daquela província, quando foi localizado o ouro em final do século XVII.  A incidência de Kilombos ou quilombos de maiores ou menores proporções não cessaram durante dos setecentos, ainda nos oitocentos muito preocupavam as autoridades coloniais e depois imperiais.
Documentos atestam certa similaridade entre as eleições de reis e rainhas de irmandades e a presença de reis e rainhas entre as populações quilombolas mais numerosas, quer dizer acima de 400 pessoas. Também vale dizer que segundo o historiador Carlos Magno Magalhães os Reis, Rainhas e Capitães eram as figuras de prestígio e mando entre as comunidades  quilombolas mineiras. São também, ainda hoje, ícones de poder simbólico entre as Companhias, Ternos, Batalhões ou Guardas de Congo em vasta área das Gerais, conforme atesta boa parte de bibliografia folclórica da segunda metade do século XX e a literatura histórica antropológica mais recente.
Observo que na minha infância em Passos, sudoeste de Minas Gerais, um dos Congadeiros mais afamado da região chamava-se Dito Baianinho, em alusão a origem de seu pai. Pouco se sabe até aqui sobre o que especialista denominam “tráfico interno ou interprovincial”. Ainda assim não vamos capengar, estive estudando um pouco, por isso vou te contar. Congadeiro é um termo externo para identificação dos praticantes do Congado, sem necessariamente precisar sua função.
Os grupos de Congos podem ser definidos como organizações religiosas e musicais cuja origem remonta o século XVII. Sua estrutura interna tem funções especificas para cada membro e uma hierarquia própria, com poucas variações de uma região para outra. Os reis e rainhas, capitães e guardas, parecem compor um corpo fixo que e permitem arranjos variados. Também a música sugere ter sido um ponto resistente da sua ritualística e performance pública. Contudo ainda há o que se estudar sobre o papel dos músicos de corte junto aos soberanos nas sociedades imperiais da África centro-ocidental.
Do Maranhão ao Rio Grande do Sul há registros esparsos no tempo e espaço que apontam para a existência de festividades negras identificadas pela coroação de reis e rainhas como múltiplas expressões de etnicidade. Seu caráter político tem sido checado por autores como Marina Mello e Souza e parece não haver dúvida que os reis e rainhas congas exerceram papel político não desprezível entre populações forras, comunidades quilombolas e fugitivos aquilombados.
O cargo de rei e rainha eleitos nos quilombos oitocentistas e nas congadas irmandades para ser um marca bem definida em varias comunidades contemporâneas, também a figura do Capitão, parece se manter presente em diferentes temporalidades e experiências africanas e afrobrasileiras. Os termos portugueses como fidalgo, vassalos e embaixador, também transladam de um ponto a outro do oceano com sentidos bem definidos.    
Em que momento da história cultural afrobrasileira os Congos se converteram unicamente em festividade de fundo religioso? Essa parece ter sido uma inversão ocorrida a partir de em meados do século XIX.                      
Os africanos trazidos como escravizados embora não abandonassem suas antigas religiões encontravam na retórica e filosofia do catolicismo um momento de comunhão entre si e os outros e acima de explicação razoável para seu sofrimento. A Imagem de um negro cristão martirizado, por isso santificado era a correspondência mais direta ao suplicio da escravidão, a qual padre Veira aludiu e Paul Gilroy, sem sabê-lo, complementou com seu o conceito de Escravo Sublime[44].   
Ao mesmo tempo as festas do calendário cristão faziam parte da imposição das religiosidades católicas, esta era um das estratégias de dominação que começam ainda antes do embarque nos navios negreiros.  Os enterros, festas religiosas e eventos públicos, eram outros espaços de sociabilidade aproveitados pelos africanos e seus descendentes para fazer valer suas culturas e identidades.
Desde o final século XVII já se tem noticias da relação entre as irmandades e os grupos negros denominados Congos. Esta temática no Brasil é recorrente, inclusive em várias outras sociabilidades de origem africana, qual seja, cerimonial de coroação de reis e a rainhas, sob a devoção de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Atualmente concentrados nas regiões sudeste, centro-oeste os grupos de Congo e Moçambique transformaram-se em verdadeiros mantenedores das tradições afro-católicas brasileiras, na medida em que é na sua maioria composta por descendentes de africanos organizados em torno da devoção dos Santos Pretos. A entronização dos reis e rainhas do Congo que faz parte do calendário cultural da cidade é muito mais que simples folguedo como querem os folcloristas, trata-se de uma modalidade de catolicismo africanizado surgido no século XVI, onde se imbricam vários componentes religiosos de matriz africana.
Embora o cristianismo já fosse conhecido na Costa Oriental da na África desde o século três, a região do Congo tornou-se o principal foco de evangelização e exploração da costa ocidental desde o século XV. Alguns soberanos chegaram a enviar seus filhos para serem formados em Conventos de Portugal. Entre os convertidos ao catolicismo encontrava a Grande Rainha do Congo, batizada como Ana, mas era na verdade a herdeira do trono conhecida em toda costa ocidental como rainha Jinga ou Nzinga Mbande.  
Embora os instrumentos africanos, como por exemplo os balafons ou marimbas tenham desaparecidos em sua maioria destas manifestações culturais, foram entretanto mantidos os tambores e chocalhos designados gungas, especialmente  na tradição  do Moçambique em Minas Gerais, São Paulo e Goiás.
Nas cidades do sudoeste de Minas Gerais resistem algumas das mais vigorosas e desconhecidas práticas culturais afro-brasileiras, os Congos e Moçambiques. Desde o final da década de 1970, acompanho alguns grupos e figuras como Tijolinho, Pascoal, Feliciano, guardiões dos cantos e ritmos ancestrais e dos rituais de coração de “reis congos”. Mais tarde passei a fotografar filmar, entrevistar componentes e lideranças dos grupos de Congos, Folias de Reis, Moçambiques, Escolas de Samba e Terreiros de Umbanda. Constituí um rico acervo videográfico e iconográfico que há muito desafia minha capacidade interpretativa.
Quando falamos em África central, do que precisamente estamos falando?  Jan Vansina, reconhecido especialista na História e Culturas África Central sustenta que:
Quase metade dos africanos que cruzaram o Atlântico veio da África Central. Eles foram para todos os lugares: de Bueno Aires a Colômbia e Peru, ao vasto Caribe, assim como Suriname  e as Guianas, e a região costeira dos estados Unidos, de Nova Orleans a Nova York, até alcançarem finalmente a Nova Escócia, no Canadá. Isso contrasta de certa forma com os africanos da costa ocidental, que tenderam a se estabelecer em pequenos núcleos. Exemplos : Bahia e Haiti, vindos da planície da Guiné; ou Jamaica, por povos oriundos do que é hoje considerado Gana. Mas, mesmo nesses lugares , também se estabeleceu um grande número de centro-africanos. Congo é ainda muito lembrado na Jamaica , Haiti, Brasil, Colômbia, Nova Orleans e nas planícies das carolinas.”[45]    
Podemos dizer que é uma parte das caraterísticas dos seres humanos a capacidade que têm de criar diferenças, diversidade de ideias, valores e atitudes.  Na África essas diferenças também podem em alguns casos ser enormes, embora a maioria das populações possa ser identificada como composta de pessoas negras, existem variações físicas de tons de pele, altura, cabelo e formato do rosto, diferenças de língua, costumes, religiosidade, modo de vida, enfim de cultura.[46]
Jan Vansina, Joseph Miller, John Thornton e Linda Heywood pertencem a uma linha de pesquisadores que têm se esforçado na configuração de pesquisas que se pautam na reconstrução histórica das culturas centro-africanas originais e que ao serem transladadas com sues portadores para as Américas, constituíram a base de uma nova cultura transregional, que alguns designam atlântica. Mais uma vez Vansina nos chama a atenção: “O resultado foi que, ao chegar as Américas os imigrantes compartilhavam uma linguagem comum. Os portugueses em Angola estavam tão cientes dessa dinâmica que na metade do século XVIII chamavam Quimbundo a língua geral do país.”[47]
Tanto Linda Heywood quanto John Thornton são contundentes em dizer que os centro africanos já partilhavam um cultura afrocatólica ou crioula antes de pisarem em terras americanas. Joseph Miller olha para essa ênfase com cuidados e faz ressalvas as tentativas muito radicais de análises e conclusões totalizadoras. Contudo, aceita também alguns argumentos sobre correspondências litúrgicas ibéricas-católicas e centro-africanas, noções de pessoa e individualidade, concepção de morte e vida após morte, etc. Argumentando em torno da expansão do comércio de centro-africanos nas Américas  no século XVII, Miller sustenta que:
“Assim as vítimas do comércio escravo chegavam as Américas não com noções de instituições estáveis como ‘Estado’, em suas mentes, mas pensavam em metáforas de poderes protetores exercidos por benfeitores em favor de clientes leiais , por meio de demonstração ad hoc contínuas de eficácia, muitas vezes apoiadas metaforicamente nos ancestrais e me outras figuras espirituais . Mais tarde, lideres igualmente eficientes entre as populações escravizadas nas Américas podem, ter evocado memórias dos benfeitores respeitados ou temidos na África, como Mani Congo ou a famosa rainha Nzinga.” MILLER, Joseph C. África Central durante a era do comércio de escravizados, de 1490 a 1850. In: HEYWOOD, Linda (Org). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. P52.
Os pesquisadores, entretanto, concordam sobre o fato das dinâmicas de reconfiguração identitárias de africanos no continente americano, sobretudo no Brasil, se moveram em diferentes direções, mas que na maioria dos casos estiveram associadas aos valores originais africanos e atividades religiosas de catequese cristã. Linda e Thornton parecem ver uma miragem cultural afro- atlântica integrando Reinos Africanos, traficantes, captores mestiços e mundo litorâneos americanos, que Miller desconfia, logo trata de por uma pedrinha mal talhada na mureta do casal de pesquisadores estadunidenses:
“John K. Thornton enfatiza a completa conversão popular ao cristianismo no reino do Congo no século XVI e, juntamente com outros estudiosos desenvolveu essa premissa para afirmar que muitos dos povos levados como escravizados da África Central e, de fato, de outras partes do continente, pelo menos até meados do século XVII, teriam sido selecionados pelos traficantes europeus pela familiaridade que tinham na África com o mundo da cultura dominante no qual estavam prestes a entrar nas Américas. Muito embora os congoloses incorporassem o cristianismo e integrassem as mercadorias europeias em sue modo de vida, não está claro se eles percebiam a si mesmos como parte do mundo atlântico emergente: sua reação ao serem excluídos como escravizados dos amplos benefícios da economia atlântica , aguarda analises históricas”   Idem p.59.   
Todavia os temas relacionados ao tráfico ainda são bastante abertos à discussão e na medida em que evoluem pesquisas, mais difícil fica chegar a uma síntese definitiva. Ainda que de forma provisória é importante saber e lembrar como, de onde e o que os nossos antepassados trouxeram e modificaram. Quero dizer: Alguém pode roubar tudo de uma pessoa, mas ninguém é capaz de roubar  a língua falada, os pensamentos, os desejos, os medos e os sonhos. Sim os sonhos, aquilo que nossa mente cria quando não estamos no controle dela ou das nossas vontades mais íntimas.



[1] Em termos didáticos, segundo o livro de História de Angola do M.P.L.A ( Movimento de Libertação de Angola), Congo foi o grande Império agropastoril e costeiro da África central ocidental dividido em seis províncias, cujo limite ao norte atingia o Rio Ogoue no atual Gabão até altura do Rio Kuanza ao sul, no atual território de Angola. História de Angola.  Publicado em Argel em 1965, pelo centro de Estudos Angolanos, Grupo de Trabalho História e Etnologia.  M.P.L.A.: Porto: Afrontamentos, 1965.
[2] “MBamba- Era província mais rica e a que tinha mais gente. O Mani Mbamba, governador desta província, era de família real e tinha grande exército para combater os vizinhos do sul, que as vezes invadiam o Congo. A capital era Kibala.” Idem p.47.    
[3]Envie para sallomasallomao@gmail.com, abs.
[4] Este termo aparece largamente disseminado nas cantigas afrobrasileiras, etmologicamente originário do  associado as águas e mimetizada na boneca negra nos Maracatus de Pernambuco. 
[5] Marina de Mello e Souza com documentação oitocentistas historiou as Congadas do Brasil escravistas como festa anual de rememoração do “mito fundador de uma comunidade católica negra”, e destacou os vínculos com suas matrizes afrocatólicas congolesas, veja: SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 
[6] Elizabeth W. Kiddy também explorou documentação escrita convencional a relação entre as Irmandades católicas, Congadas brasileiras oitocentistas e a cultura política da África central. Veja; KINDY, Elizabeth W. Quem é o rei congo no Brasil. Um novo olhar sobre os reis africanos e afro-brasileiros no Brasil . IN: HEYWOOD, Linda (Org). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009, p165,192. Veja também: Kiddy, Elizabeth W.Blacks of the Rosary. Memory and history in Minas Gerais, Brazil. Second Printing, EUA: The Pensylvania State University, 2007.         
[7] Principalmente Santo Antonio, Santa Efigênia, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. Veja por exemplo capítulo 3 de: LAHON, Didier. O negro no coração do Império. Uma memória a resgata séculos XV-XIX. Lisboa: Secretariado Coordenador dos programas de Educação Multicultural, Ministério da Educação. Portugal, 1999. 
[8] LAHON, Didier. O negro no coração do império, uma memória a resgatar , séculos XVI-XIX. Lisboa: secretariado coordenador dos Programas de Educação Multicultural- Ministério da Educação, 1999. 
[9] ILIFFE, John. Os Africanos: histórias dum, continente. 1ªed. – Lisboa /Portugal : Editora Terramar, 1995. p.117.
[10] Antonio Custódio Gonçalves, elaborou interessantes estudos sobre a emergência do que designa Movimento Antoniano (Kimpa Vita), no século XVIII e o Kimbanguismo, conjunto de revoltas populares  angolanas  do início do século XIX, interpretados na chave sociológica de “messeanismo”. Veja: GONÇALVES: Tradição e modernidade na (Re) Construção de Angola. Biblioteca de Ciências  do Homem, Porto-PT: Afrontamento, 2003.        
[11] Idem. p.59 . “Mas, desde o fim do século XIV, existiam na Espanha confrarias religiosas de diferentes invocações dirigidas principalmente por negros. É, portanto, na Península Ibérica que leas nascem e depois passam para continente americano, quase em simultâneo com introdução dos escravos africanos.”  
[12] Um conjunto de documentos extraídos da dominação portuguesa em Angola, mostra que desde o século XVI registros escritos por africanos testemunham uma trama intricada da relação entre portugueses e soberanos africanos. Os termos desses documentos colocam questões muito interessantes sobre uma “diplomacia” e cultura política especifica surgida da relação desigual entre africanos e portugueses, mas também são narrativas que atestam uma altivez de africanos que a historiografia conservadora teima por esconder. Veja: SANTOS, Catarina Madeira e TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, apropriação da escrita pelos africanos: volume I. Arquivo Caculo Cachenda.Lisboa: Instituto de Investigações Científica Tropical. 2002.    
[13] Este termo é o mais rico da concepção centro africana de guerrilha camponesa, refere-se a uma concepção de regime e organização militar do NBangalas, tratados na literatura como Jagas. Ao que tudo indica este termo foi simultaneamente aplicado na África central e Brasil colonial a partir de fins do século XVI, como sinônimo de território de gente aguerrida ou rebelada.    
[14] DONGA. A música de Donga. Discos Marcus Pereira. 1974. Numa associação livre posso suspeitar alguma relação etnolinguística com os domínios de Ngola Kiluanje, o Reino Ndongo?
[15] Diferentes autores e divergentes métodos calculam entre 9 e 12 milhões os seres humanos que foram vitimados pela captura ou venda em solo africano. Em torno da quarta partes desses teria morrido,  seja na captura, seja no traslado para a costa ou ainda durante a viagem.  
[16] Veja: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formações do Brasil no Atlântico sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras. 2006. p.85.
[17] John Reader expõem a questão da seguinte maneira: “O termo banto é uma marca exclusivamente linguística, que não tem qualquer conotação étnica ou cultural em nenhuma outra parte do mundo. Foi cunhado no século XIX pelo filólogo alemão Wilhelm Bleek, para o grupo de línguas e dialetos africanos em que  raiz vocabular Ntu, como significado de coisa ou pessoa, é universal. O prefixo Ba também comum a todas estas línguas , denota o plural; assim, ba-ntu literalmente significa povo.  A Bleek pareceu uma designação perfeitamente para indicar uma família de línguas faladas por tantos  grupos, dispersos por uma área tão vasta.”READER, Jonh. África biografia de um continente. Mira Sintra, Portugal: Publicações Europa-América,2002. p.195.
[18] Diáspora é um termo de origem grega aplicado inicialmente ao contexto da história judaica. No século XIX intelectuais negros no Caribe e Estados Unidos da América passaram a utilizá-lo para se referir à dispersão de africanos a partir do século XVI, em função do tráfico transatlântico. É nesse sentido que empregado aqui, qual seja, populações descendentes de africanos no Brasil.
    
[19] John Iliffe esclarece que: “As religiões da região equatorial são as mais acessíveis da África Ocidental porque os povos de língua banta mantiveram uma certa homogeneidade evidente nas suas línguas. Estas revelam que essas religiões partilhavam idéias de um espírito criador, espíritos naturais e ancestrais, amuletos, especialistas em rituais e feiticeiros. A partir desta base comum, cada sociedade desenvolveu idéias e práticas diferentes. No fim do século XV, o povo Congo, por exemplo, parece ter tido uma vaga noção de um “poder mais alto ou derradeiro”, o nzambi mpungu, mas os principais poderes espirituais em acção entre eles eram espíritos ancestrais e da natureza. Cada linhagem matrilinear comunicava com os seus antepassados através de rituais públicos executados nos túmulos.” ILIFE, John.p. 118
[20] Martinho da Vila gravou uma canção denominada “Festa da umbanda” adaptada por ele, a partir de repertório religioso, cujo refrão trazia a estrofe: “ (...) Tem pena dele Benedito , tenha dó, ele filho de Zambi, meu São Benedito tenha dó”. In: Martinho da Vila. Vinil. Canta, Canta Minha gente . RCA Victor, nº110.0002, 1975.
[21] A professora Maria Odila Leite da Silva Dias, por vezes insistia nesse aspecto, para nos chamar atenção para aos princípios éticos que devem nortear a produção dos historiadores. 
[22] Idem p.196,197
[23] Idem
[24] Parece justo sustentar que os dois termos, Mwene e Mani são na verdade um só. Sugerem haver mais divergências de audição de palavras cujas pronuncias eram especialmente difícil aos europeus e a sua grafia divergentes nas futuras fontes históricas ocidentais, reproduzem tais dificuldade. Contudo trata-se de um mesmo termo designativo de Soberano.
[25] África, o despertar de um continente. Grandes impérios e civilizações. Volume II, Madrid: Edições do Prado, 1998. p.166.  
[26] Idem.
[27]M’Bokolo, pode nos ajudar e informa que: “Dos séculos XVI ao XVIII , o imaginário dos europeus apropriou-se deste reino, inventando toda casta de narrativas maravilhosas a seu respeito, misturando-se por vezes com discrições não menos extraordinárias respeitantes ao reino do Preste João e ao Oriente. (...)O trabalho propriamente arqueológico, que deu enfim um corpo a estas construções fantásticas para onde a descoberta dos diamantes (1867) e do ouro (1881) , as narrativas e reputação de David Livingstone (morto em 1873) e o colonialismo triunfante atraíram novos aventureiros e suscitaram neles as paixões mais contraditórias.” In: BOKOLO, Elikia. África negra: Historia e civilizações.tomo I  até o séculoXVIII . Salvador: EDUFBA: São Paulo: Casa das Áfricas, 2009. p165.
[28] Nas constatações de M’Bokolo: “No Grande Zimbábwe, as ruínas apresentam-se no estado em que as deixaram o apetite dos colonos (...)Elas não são as únicas da região. No decurso de 1930, a arqueóloga Gertrude Caton Thompson calculou em cerca de 500 (apenas 150 de acordo com pesquisadores atuais) o numero de ruínas análogas existindo entre o vale do Zambeze do Limpopo. Só um número muito reduzido foi confiado ao trabalho dos arqueólogos: Van Niekerke, Khami, Dhlo-dhlo, Penha Longa, Inyanga e sobretudo Mapungubwe. Neste sítio poupado da concupiscência dos pilhadores de túmulo e explorado pela primeira vez em 1932-1933, foi possível trazer a luz do dia túmulos ricamente guarnecidos, datando do século XII.” idem
[29] M’BOKOLO p.167-168.
[30] Segundo: Catálogo de instrumentos musicais de Moçambique. Coordenação de Maria da Luz Teixeira Duarte.  Direção Nacional de Cultura. Serviço Nacional de Museus e Antiguidades. Maputo: Dezembro de 1980.  
[31] ANDRADE, Marcos. Rebeldia e resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais.(1831-1840). Dissertação de mestrado. BH:FFCH:UFMG, 1996. 
[32] RIBEIRO, João Luiz. No meio de galinhas as baratas não têm vez. A lei de 10 de junho de 1835., os escravos e pena de morte no Brasil. 1822-1889. Rio de janeiro: Renovar, 2005.
[33] REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil- a história do levante dos malês-1835. São Paulo: Cia das Letras, 1987. 
[34] LIMA, Mesquitela. Os Kaika de Angola. Lisboa: Edições Távola Redonda, 1988. p.182-183.
[35] SILVA, José Carlos Gomes da. Congada e cultura centro africana: marcas da ancestralidade. In:CLEMENTE, Claudemir Correa e SILVA, José Carlos Gomes da (orgs). Negros , Cultura e vida urbana: estudos etnográficos sobre o Congado. Uberlândia: Minas Gerais:Edição dos autores. p.13-76.
[36] MACAHADO FILHO, Aires da Mata. O negro no garimpo de Minas Gerais.Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo Edusp, 1985. p.14.
[37] Idem p.57,58.
[38] INDACA, Esta palavra ouvi e retive com Seu Feliciano, um Moçambiqueiro, capitão do Terno de São Benedito, nos anos finas da década de 1970 em Passos, sudoeste de Minas Gerais. Quando em São Paulo alguns anos depois tomei conhecimento de um grupo de Música vocal designado Indaka Mawula, segundo consta dedicado um repertório a música tradicional da África do Sul e Spirituals estadunidense. Indaca, naquele contexto (Passos, anos 1970) poderia ser traduzido por “Tradição ou Fundamentos”. 
[39] Ibdem. p.59.
[40] MILLER, Joseph C..Poder político e parentesco.Os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: Arquivo Histórico Nacional, Ministério da Cultura, 1995. p. 159.
[41] Idem p.160.
[42] Ibdem.
[43] GOMES, Flavio dos Santos. História de quilombolas , mocambos e comunidade de senzala no rio de Janeiro, século XIX.p. 78,79. 
[44] GILROY, P. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ed 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2001.

[45] VANSINA, Jan. In: HEYWOOD, Linda (Org). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009, p.7
[46] Vansina sustenta que no caso da África central isso até o século XVI, era um pouco diferente: “A maioria dos centro-africanos partiu de portos na costa de Loango e Angola, lugares que pertenciam a somente três culturas regionais: a do Congo, Umbundo e Ovimbundo. Estas culturas não somente se inter-relacionavam , mas interagiam continuamente. Isso não quer dizer que todos os imigrantes vieram do Congo, Umbundo ou Ovimbundo. Mas todos eles falavam línguas muito próximas ao do Bantu ocidental, o que significou que podiam se comunicar uns com os outros desde o começo.” Idem p 28.
[47] Segundo Vansina alem das língua com proximidades muitos escravos vindos do Congo eram “católicos” desde o século XVII. Não dá detalhes sobre as características gerais dessa religião africanizada, mas faz associações a zumbis e similaridades centro-africanas com espíritos e santos. E sustenta que Umbanda do Brasil, desenvolveu-se a partir da Umbanda de Angola, já a partir do século XVIII.

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