Elaborado para ser apresentado na FELIZS
A cena literária e cultural da periferia sul de São Paulo
Periferias: De vazio cultural à culturas adjetivadas
O nordestino que chega a São Paulo (...), chega a um mundo
dotado de uma cultura urbana extremamente pobre, praticamente um mundo
culturalmente vazio. (1978) Francisco Wefort
Allan da rosa. Ode a São Paulo. Vão Edições Toro. 2005
São Paulo dos ratos gigantes vomitando cinza
Sertão São Paulo
Marginal , barraco no barranco
Deslizes urbanos
São Paulo paranoia no olhar, metro e CBTU
Latas de sardinha
Lotação lotada, populacho em marcha
Importado blindado
Carinho de mão atrás de papelão
São Paulo samba, forro e poperô.
Ritmo e poesia
São Paulo tua menina já tá fumando
Daqui a pouco engravida
São Paulo Jabaquara, capital do feriado
Onde cai avião e maloqueiro desce pelo ralo
São Paulo é pilantra, sangue ruim
Vala vermelha de casa sem reboco
Inconfundível noite púrpura
Pesada e traiçoeira
São Paulo centro fedido
(...)
“Por mais que nos arrastemos presos ao calcanhares, com
antiquados e sectários modos de ver e
pensar um suposto centro hegemônico, irradiando cultura às periferias indóceis,
o que desponta a clarividência da cultura e sendo produzida, consumida,
agraciada e mantida nos mais diferentes lugares por onde o ser humano se
encontra.”
Danilo dos Santos Miranda. Cultura da Convivência- Santo
Amaro em Rede. Mapeamento Cultural feito e pelo Instituto Polis e pelo SESC na
Região de Santo Amaro.
“Quem cuida se nós somos nós mesmas. É nós por nós. Porque
psicólogo nós não podemos contar, que somos cabide de emprego pra eles. Todos
que foram ficar com a gente arrumaram um emprego em Brasília. Depois usou tudo
que nos falamos como tese e nunca mais se lembraram de nós.” Vera , mães de maio, dez anos de luta. Em Fala
Guerreira número 03. 2016.
“Compreende-se então o prestigio da noção de ciência , esta
definindo o aspecto essencial da cultura dominante em contraposição ao não
saber ou não cientificidade da cultura
do povo; forma nova e sutil de reafirmar , ainda mais uma vez , que a barbárie
em que se encontra o dominado, é apenas uma forma de “incultura”. Compreende-se
também por que a ideologia dominante Vê caos e irracionalidade, que permite
recuperar essa cultura como exótica lembrança de um mundo extinto , que ser
exposta ao turista e ao comprador nas feiras de artesanato, que pode ser
exibida como relíquia nos teatros e que pode servir de prova do atraso popular,
quando bairro operário adquiri uma fisionomia que aniquila, a uniformidade
planejada do BNH.” Marilena Chaui.” Cultura do povo e autoritarismo das elites.
1979.
NONO uma mentira
“Disse que li muitos
clássicos
Pra fazer parte de uma minoria privilegiada
Depois me senti profundamente ridículo e contra o que tenho
de mais bonito: minha verdade.”
Prosando. Agosto de 1983.
Obrigado as organizadoras e organizadores III Felizs. É muito importante esse painel
anual da nossa inserção na malha humana e cultural da metrópole.
Nesses momentos podemos nos encontrar e olhar nos olhos dos
velhos amigos e amigas, veicular o que estamos criando e pensando, e sobretudo
ativar a memória do vivido e experienciado, falar sobre aqueles que se foram e
projetar utopias e futuros coletivos.
Esperei com uma boa dose de ansiedade esse momento poder
fazer minhas evocações bem singelas e potentes às prosas e rimas, imagens e
poéticas de Jenyffer Nascimento, Allan da Rosa, Daniel Fagundes, Sheila Signário, Sergio Vaz, Emerson Alcalde, Daniel Alexandrino, Jé Oliveira, Jean Lopes, Binho Padial, Priscila Obaci, Adriana Paixão, Carmen Faustino, Maria Nilda (Dinha), Marcelo D'Salete, Silvia Tavares, Carolina Teixeira, Renata Felinto, Maitê Freitas, Antonio Guarany Kayowá Passaty, Racionais, Pavilhão Nove, Tc e
Banda Zion, Luis Lumumba e outras "tantas outras pedras pisadas no
cais".
Estamos espalhados pelos territórios que eram os chamados
Sertões de Santo Amaro, que até a década de 1930 era um município independente.
Suas fronteiras governamentais eram feiras com
São Paulo, Diadema, São Bernardo, Itapecerica ( que incluía Embu Guaçu,
Embu das Artes e Taboão). Mas o povo local herdeiros de nativos daqui e de
outras paragens nunca aceitaram bem essas limitações. Todo território manteve
muitas das denominações anteriores a chegada de europeus e africanos. De tal
modo que a palavra Mboy predominou para com alterações para definir caminhos e
lugares. Estrada Mboy, cidades de Emeboy (Embu Guaçu e Embu das Artes), Rio
Mboy, etc. Do original Kaapo-mato derivou Capão Redondo, desde Ibirapuera e
Moema, até os fundões de Itapecerica, há essa herança negada e lembrança
renitente.
A tal civilização que prendeu os nativos e os matou, tentando
apagar sua memória em nós é que fez erigir um vilarejo pobre entre os córregos
afluentes do Pinheiros, Santo Amaro foi anexado a cidade de São Paulo,
tornou-se um bairro longínquo do aldeamento jesuíta de Piratininga. Só mais
tarde foi ligado ao centro antigo, por uma linha de bonde. Na expansão da
modernização conservadora em 1970 tinha adquirido o miolo industrial e administrativo
da zona sul. Num quadro de industrialização da grande São Paulo, a região de
Santo Amaro passou por um processo acelerado de mudança, algo que os
especialistas chamam de modernização produtiva. Industrias nacionais e
estrangeiras se instalaram lá em terrenos baratos, acesso fácil a eletricidade
e um belo rio onde se podiam despejar livremente sua agua suja e os rejeitos
tóxicos.
Atraídos por oportunidade de trabalho e fugindo as regras
residuais da escravidão que imperavam no campo, muita gente correu para cá.
Assim vieram os meus e da maioria dos meus amigos que se encontram, ou que
pereceram aqui.
Perto de ser libertado pela Lei dos sexagenário (prestes a
ser reeditada), minha memória da zona sul tem quase cinquenta anos de extensão.
Mas isso não é um balanço, embora boa parte do conteúdo desse texto tenha a ver
com afetos, quedas e sonhos. Mas não apenas meus.
Alguns amores-amigos feitos nas fimbrias desse tal santo, Amaro não tem esse perfil de filhas e filhos
de migrantes nortistas, nordestinos, sudestinos semialfabetizados e uma
primeira geração de gente pobre que frequentou a escola até final do ensino
médio. No nosso círculo principal estão negromesticos filhos de operários da
construção civil e empregadas domesticas ou mulheres incorporadas ao exército
de operárias de fábricas nacionais e muitas multinacionais de eletroeletrônicos
(SEMP Toshiba, ficava na esquina da avenida nações unidas com a João Dias, do
lado de lá da ponto) e materiais
farmacêuticos como a Organon (Rua João Alfredo) e Squib ( também na Avenida João Dias).
Os químicos, professores e metalúrgicos ergueram sedes de
sindicatos em antigas casas de moradia alugas nas ruas centrais. Num certo
período lá por setenta, ostentavam orgulhosos seus jalecos brancos e macacões
azuis ao saírem em montes da Villares, Engesa, Indisa, Caloi, Metal Leve,
Bombril. Paravam nos botecos para tomar um gole sagrado e falar sobre a vida e
a política nas beiras da avenida João Dias, Largo do Socorro, rua Suzana,
Depois se amontoarem nos pontos de ônibus da praça Isabel Schimdt ou caminharem
a pé até a altura dos pontos finais de ônibus.
As viações de ônibus Canaã, Jurema, Gatusa exploram a fundo esse
contingente que crescia anos após ano e para tanto mantinham frotas velhas e
mal cuidadas, não raro era descer dos coletivos apinhados para esperar um outro
mais abarrotado, toda vez que um problema mecânico surgia.
Era um estranho clima onde a miséria e precariedade conviviam
lado a lado com uma realidade de efetiva prosperidade e riqueza, muitas vezes
não como realidade tangível e concreta, mas como promessa, como estimulo e
desafio. Noutras vezes era pura ilusão. Quem como eu viu um morro enorme ser
deslocado, toda terra ser retirada e no local nascer de um imenso buraco em
poucos mais de dois anos um conjunto de prédios comerciais ajardinados e
envidraçados, pensou que de alguma forma essa proeza tecnológica, empresarial e
arquitetônica podia ser incorporada em
nossas vidas. Mas, um pouco mais tarde descobrimos que não. Não éramos
passageiros mas sangre drenado, ou no máximo espectadores da nova modernidade.
Meu irmão mais velho veio especialmente de Minas para ajudar
meu pai a construir um barraco de quatro cômodos no terreno que compramos na
beira do grande terreno de mata rala,
onde hoje é o cemitério do jardim São Luís. Entre a nossa casa e o tal
Centro Comercial de São Paulo foi construído também esse cemitério que é um
registro material da perversidade do sistema estrutural naturalizado que rege
nossa sociedade. Meu pai combinou com o mestre de obras conhecido seu, que, por
uns trocados nos fraqueou a entrada na obra com um caminhão para retirar as
placas de madeira industrial que serviam para formas de concreto, agora seriam
as paredes da nossa casa. Em duas semanas de trabalho lá estava nossa casa com telhado
de amianto, piso de cimento queimado e banheiro dentro. Saímos do aluguel, que
alivio, agora tudo iria melhorar.
Em 1997 empolgados com mudanças que chegaram ao bairro, o
asfalto havia sido estendido do Largo do Vaz de Lima até o ponto final do
Parque Santo Antonio, como haviam poucos carros na área, ao menos incialmente
podíamos andar de carrinho de rolimã, bicicleta e jogar futebol vôlei na
avenida. Montamos um grupo de jovens na Igreja a convite do capelão amigo de
dona Maria da Paz Gomes. Uma professora da literatura nos forneceu um texto de
um tal de Aloisio de Azevedo, chamado Juiz de Paz na Roça, por nossa conta e
risco memorizamos o texto e fizemos uma semana de apresentações na escola
cobrando ingresso, foi um “sucesso total de público e crítica”. De tal forma
que dali formamos também um grupo musical. Baianos, Baiola, Tinhola, Inhola
Trio e surgiram algumas canções autorais.
Nosso mentor era um padre Franciscano que morava em um seminário, que
chamávamos Chácara dos Padres, situado na única área verde do lugar, vale
belamente arborizado entre o Parque Santo Antonio e o Jardim Vaz de Lima.
Antes de 1976 não havia nenhuma escola de ensino médio do lado
de cá das pontes de Interlagos, Socorro ou João Dias. Na região de Cidade
Ademar e Jardim Miriam só o Colégio estadual Martins Pena. Quem podia ter o
“luxo” de estudar até esse nível, tinha que buscar uma vaga nas concorridas escolas de Santo Amaro (Plínio Negrão e Alberto
Conte), Chácara Santo Antonio (?), Brooklin (Osvaldo Aranha e Ênio Voz) ou
Itaim Bibi (Costa Braga e Costa Manso). Escolas públicas estaduais que em geral
ficam nas áreas próximas a extensa avenida Santo Amaro. Havia um sistema seletivo
social-racial conhecido como Vestibulinho,
que consistia em provas e entrevistas, típica da impessoalidade de nossa
meritocracia. Logo, poucos e raros eram as pessoas negras e de traços indígenas
que ingressavam nessas escolas.
Ainda assim essas escolas tinham um papel imprescindível não
só escolarização mediados moradores da região como também na produção e
circulação artístico-cultural. Grupos de teatro estudantil, festivais de
música, cursos, encontros e oficinas eram realizadas por professores, alunos,
padres e ativistas de artes em fins de semana. Um grupo de alunos do Osvaldo
Aranha que ingressou no ensino médio em fins dos anos 1970 foi especialmente
ativo na criação de círculos de cineclube e organização de festivais de música.
A premiação era conseguida com lojista da região, roupas, instrumentos
musicais, equipamentos de som e algumas circunstancias até mesmo dinheiro.
Também nos Colégios
Estaduais Enio Voz e Alberto Conte grupos de agitadores culturais ajudaram a
formar muitos dos educadores e ativistas que mais tarde atuaram na gestão
pública regional ou mesmo fizeram carreiras acadêmicas de algum prestigio.
Eugenio Vinci de Morais ( linguista formado pela USP) e Jair Guilherme Filho
pesquisador e artistas plástico reconhecido no meio artístico e cultural,
professor e vídeomaker José Carlos Passador (Passaty) são oriundos desses
quadros temporais, culturais e geográfico-afetivos.
Um dos primeiros grupos de teatro da região surgiu em 1980,
por inciativa de diretores da associação de funcionários da Farmacêutica Organon
os artistas recebiam uma ajuda de custo para desenvolver formação técnica e
criativa com os trabalhadores. João Lourenço e Marilena Lourenço, tanto atuavam
nessa frente de teatro fabril com mantinha outro núcleo composto quase somente
de parentes, entre os quais José Carlos Loureço, Ana Frank, Francisco Lourenço
e Marco Antonio Loureço e amigos de escola. O pai operário era um músico diletante
e que infundiu no filhos um interesse especial pelas artes. Esse grupo dos Lourenço não mais ativo,
agregou inúmeras alunos das escolas de ensino médio da região e durante um
longo período utilizou como espaço de trabalho e apresentações o anfiteatro do
Colégio Vocacional Osvaldo Aranha.
Há notícias de que um operário sindicalista altamente
intelectualizado vindo de (Pernambuco) chamado Fernando do Ó, que fora ativista
da Liga Camponesa e dos Centros de Cultura Popular (CPD) da União nacional dos
Estudantes (UNE) também teve ações nessa linha de criar grupos de arte e teatro
nos sindicatos e fábricas. Embora o tenha conhecido em fins da década de 1980,
não tive oportunidade de falar com ele nesse sentido. Nesse mesmo sentido há
depoimento esparsos sobre ação de padres e freiras que utilizaram técnicas de
Augusto Boal como recurso pedagógico-político, naquela perspectiva de trazer
“consciência” aos trabalhadores.
Contudo a mais longa trajetória no sentido de criação teatral
na região é aquela mantida na cidade do Embu das Artes pela família Trindade.
Podemos mesmo vislumbrar um trabalho sistemático e contínuo que abrange toda
região sul e sudoeste da urbe com apresentações e formações culturais em
espaços públicos, privados e ongs.
Solano Trindade e sua esposa Margarida Trindade é quase um casal
mitológico das artes e da intelectualidade negra brasileira, da primeira metade
do século XX. Ligados ao Partido Comunista, foram amigo pessoais de Gilberto
Freyre, a quem ajudaram a organizar o primeiro Congresso do Negro Brasileiro em
Recife em 1934. Solano migrou para Rio nos anos 1940, e, de certa maneira, fez
parte da cena dos primeiros debates nacionais sobre a singularidade das artes negras
no Brasil.
Segundo sua filha Dona Raquel, Margarida Trindade era responsável
pela preparação de atores e transpôs para as pedagogias e terapêuticas do
Teatro Popular organizado pelo casal, muitas das danças e musicalidades afro-religiosas,
teatros, narrativas corporais e orais do nordeste, como Maracatus, Caboclinhos, Cocos, etc. Embora apagada da memória oficial
de psiquiatra Nize da Silveira, Margarida, como assistente social e terapeuta
foi uma de suas principais assistentes e aplicou parte de seu conhecimento
artístico nas práticas médicas da renomada pesquisadora.
Solano migrou para São Paulo em meados da década de 1960 e no
final dessa mesma década dois
filhos do casal Trindade, Liberto e Raquel se fixaram na cidade, ao lado do pai,
primeiramente no Bexiga, depois no Bairro
Ferreira na fronteira da Vila Sonia com Taboão da serra e por fim em
Embu das Artes, num período em que Embu e Itapecerica eram para os pobres
cidade dormitórios e para o ricos uma região para construção de Sítios de
Inverno. Famílias abastadas
e de intelectuais renomados construíram seus chalés em modelos europeus
na região para desfrutar do ar puro e da mata atlântica nos arredores da
metrópole Sergio Person, Gontran Neto, Lívio Abramo, Iraci Nitche, etc.
Solano embora fosse artista conhecido no meio e gozasse do
prestígio junto aos grupos engajados das comunidades negras do Rio e de Janeiro
e São Paulo, seu caso era um tanto diferente. Chegou ao Embu não como os outros
migrantes procurando fugir aos alugueis mais caros, mas havia sido convidado
por Assis, um amigo escultor já instalados na cidade e logo foi reconhecido por
outros artistas, que também buscavam alguma visibilidade no mercado. Sua
experiência em transitar e fazer mobilizações com diferentes círculos adquirida
em Recife e no Rio ajudou a identificar uma tendência de qual é hoje chamado de
turismo cultural urbano.
Efetivamente foi ele quem ao passear pela cidade e buscar na
memória os discursos sobre arquitetura colonial, e observar os imóveis tombados
e outros abandonados pela municipalidade, entendeu as possiblidades de alçar a
cidade do Embu a um tipo novo de protagonismo, em plenos anos de chumbo e
também da “Campanha Nacional de Defesa do Folclore” e do patrimônio cultural
brasileiro. Não há dúvida de que sua liderança foi imprescindível para tal
ascensão de Embu, de vilarejo semi-rural decadente nos anos 1950 (tal como foi interpretado por Maria Laura
Ferreira de Queiros), ou cidade dormitório em 1970, à polo turístico da grande
São Paulo na década seguinte.
Raquel assumiu o legado da família Trindade e manteve ativo
um projeto criado por Solano em São Paulo e o fez seguir adiante nos últimos 40
anos. Aquilo já havia sido desenvolvido por seus pais foi ampliado no leque de
relações e nas linguagens, ministrou aulas na UNICAMP e trabalhou com vários
grupos de culturas negras pelo país. Um projeto de lei estadual e a colaboração da
prefeitura permitiu a construção de uma barracão de alvenaria, sede da
companhia e de outros grupos que gravitam em torno do trabalho da família
Trindade.
Seus filhos e
sobrinhos e netos também tem tido um
papel importante na região. Especialmente sua sobrinha Katia Trindade, filha de Liberto e seus filhos
Vitor Trindade e Dadá Trindade também
desenvolveram novos repertórios a partir do vasto conhecimentos teóricos e
práticos referenciados nos saberes familiares e do espectro amplo das afro-brasilidades. Vitor
tem sido seguido por seus três filhos Zinho, Maria e Manoel, cada um com seu
trabalho autoral em diferentes vertentes da cultura artística, seja na música,
comunicação ou performance.
Ao longo do final do século XX, grupos e indivíduos
deram origem a diferentes projetos e
ações culturais na região. Grupos de teatro, dança, música, literatura, circo,
multilinguagens e até mesmo de cinema e vídeo
emergiram e cindiram ao calor e velocidade da máquina de triturar corpos
e sonhos, vidas e produtos que se tornou a metrópole. Se formos pensar em
termos de teatro e dramaturgia na região podemos certamente ver nos irmãos
Loureço e a na família Trindade dois antiexemplo dessa volatilidade cultural.
Quando trabalhamos com abordagem de criação cultural não hegemônica, seja
marginalizada, segredada ou desprestigiada socialmente parece mais interessante
estar atento as práticas coletivas ou individuais das quais se possam no longo
prazo compreender ou deduzir os processos e acompanhar as mudanças conceituais,
políticas e estéticas.
Voltemos então para contexto que estamos tentando visualizar,
para entender os deslocamentos geográficos e artísticos que gostaria de
mostrar. Fábricas de grandes empresas nacionais e estrangeiras foram se
instalando principalmente as margens do Rio Pinheiros na beira da qual se
estendeu uma linha férrea e uma larga rodovia. No início dos anos 1970 o parque
industrial de Santo Amaro já se estendia desde o limite da Represa Bilings até
as margens do córrego Zavuvús, nas imediações do bairro que era conhecido como
Brooklin Novo.
Sergio Vaz me contou que sua família também veio de Minas e
se instalou por aqui em 1971. A família Jovino também chegou aqui em 1971,
fomos morar na Vila Santa Catarina e depois no Parque Santo Antonio. Nós viemos
em busca dessa prosperidade prometida pela modernidade e industrialização.
Encontramos aqui gente vinda de todo Brasil com o mesmo afã, melhorar de vida,
prosperar. Alagoanos, cearenses, piauienses, paraibanos, mineiros de diferentes
regiões e cidades, homens e mulheres cujas vidas conhecemos relativamente bem,
e que passaram ser chamados de baianos,
preconceitos mesmo de paulistinhas pobres e periféricos. Nossa vida então
começou a gravitar em torno das ruas que saiam de um quadrilátero de casas
baixas, cujas janelas se abriam para a rua.
Lá perto da praça Floriano, Isabel Smith, do colégios Paulo e Alberto Conte, próximo daquele largo que foi
remodelado por volta de 1890 para manter
viva a memória da abolição da escravatura. O largo 13 de maio.
Acho importante falar dessa nossa história-memória pessoal,
familiar e coletiva entrelaçada a da zona sul como parte de um processo social
de construção da cidade de São Paulo, ou a partir dessa experiência de
migração, integração marginal numa sociedade racista, elitista e extremamente
hierarquizada. Nossa condição de participação naquela que é a maior
concentração urbana e também de riqueza, armamento, poder político e consumo
cultural das Américas.
Isso não feito de forma alguma para sustentar a ideia de que
somente a partir dessa perspectiva que se pode falar, pensar e refletir sobre
aquilo que nos propomos aqui, qual seja, tomar a produção artística cultural da
zona sul e aumentá-la, criticá-la e compreende-la a partir dos seus próprios contornos. O fato
de estarmos aqui agora só pode ser compreendido na medida em que consigamos
olhar para o nosso passado imediato e,
se for possível, identificar os fios narrativos de um processo histórico
extremamente rico e pouco conhecido até mesmo por nós. Justamente porque a
história e memória da nossa classe social e do nosso grupo entico-racial tem
sido ocultado e desprezado por aqueles intelectuais que tradicionalmente são
designados ou se ocupam em escrever as narrativas e erguer os monumentos que,
em tese, deverão resguardar do esquecimento, para posteridade a história das
sociedade brasileira, paulista e paulistana.
Efetivamente não são essas as únicas formas que temos para
fixar alguma coisa da nossa experiência e ao mesmo tempo valorizar as vivências
e lutas, daquelas e daqueles que vieram antes de nós e apontar um caminho de
dignidade para quem há de vir depois. Então ofereço essas reflexões a três
amigos negros chamados Daniel, que viveram, criaram e morreram nessa
cidade. Daniel Koteban, Daniel Reverendo
e Daniel Marques Sundiata, Saravá.
Dos três mencionados, Daniel Koteban fundador do grupo
cultural afro que leva esse nome, foi com quem mais convivi, quando faleceu,
estávamos prestes a configurar um trabalho conjunto, baseado nos contos
orais-musicais malinkes da figura histórico-mítica de Sundjata Keita. ( Consulte texto sobre ele
no blog)
Podemos brincar com falsas atitudes de rebeldia e afronta,
mas a coisa não é brincadeira. Temos na verdade, para nossa tristeza e para
constatação da nossa fraqueza ante ao mundo que nos domina, uma lista
interminável de nomes cujas mortes prematuras, revelam tanto nossa força
espiritual para suportar e seguir adiante, quanto a fragilidade da nossa
existência, tanto individual, quanto coletiva nessa cidade e nessa sociedade.
Guardo comigo dois materiais que me acompanham desde a década
de 1980. Agora servem para estabelecer um marco temporal sobre o tema da nossa
conversa. Um é um disco realizado em
1988 aqui na parte nobre da zona Sul, chamado Negros africamos. Estava
relacionado com a Campanha da Fraternidade daquele ano e foi realizado por
músicos negros e periféricos que atuavam com música autoral desde meados dos
nãos 1970. A Igreja católica que tanto se beneficiou bastante da pobreza,
tráfico e escravidão, fez uma campanha nacional, reconhecendo sua participação
nesses processos mais antigos e pedia perdão ao que ela chamava de Povo Negro.
Outro material é um brochura de um poeta chamado Nono, que
morava no Grajau e participava de um circuito de pequenos shows, encontros
poéticos, ativismo sindical e movimentos sociais ligados a (CBEs) Comunidades
Eclesiais de Base. CEBs era um braço da igreja Católica voltada a organização das
classes populares e que teve papel muito importante na luta pela melhoria das
condições de vida dos pobres.
Hoje sabe-se que também foi uma estratégia da Igreja para
conter um fuga de fiéis, diante do crescimento do ateísmo, de adeptos da
religiões neo-pentecostais e mesmo da novas adesões as religiões matrizes
africanas, que depois de séculos de perseguição começaram a gozar de alguma
liberdade de culto e visibilidade. Essa aparente nova condição era devido a um
ativismo de artistas como Maria Betania, Gilberto Gil, Leci Brandão, que
passaram a explicitar publicamente seu pertencimento, atitude que estimulava
uma melhor aceitação.
Nos anos 1970-1980 os poucos espaços onde se podia expressam
e em relativa segurança nessas bandas da cidade erma as escolas públicas, sedes
de sindicatos, as igrejas, garagens e os quintais. Foi somente por volta de
1984, sob gestão de Gianfrancesco
Guarnieri que a Biblioteca John Kennedy e o Mercado Velho (Casa de Cultura de
Santo Amaro) esboçaram sinais de uma programação artística e implantação de atividade
formativas. As escolas publicas
realizavam festivais de musica. As Igrejas acolhiam teatro de protesto e
conscientização política dependendo do
perfil do pároco e da comunidade. Os
bailes e festas de bairro aconteciam nos quintas e as garagens, mesmo as mais
modestas acolhiam os ensaios dos grupos musicais e bandas de rock. O teatro
Paulo Eiro, único nos moldes tradicionais da região, passava a maior parte do
tempo fechado, pelo menos até por volta de 1989.
Fico feliz em saber que hoje já não é mais possível
acompanhar em tempo real tudo que acontece culturalmente na região, em termos
de os eventos, lançamentos, de livros, discos, peças e performances que ocorrem
todas as semanas nesse território que vai das margens das representas aos
confins de Parelheiros, das beiras de Paraisópolis até a fronteira do jardim
Angela com Embu Guaçu e Itapecerica.
É nesse quadro geográfico que os sujeitos sociais que nos
interessam se deslocam. Porque vou
utilizar a expressão literatura afroperiférica para me referir a cena que venho
trabalhando? Por três motivos. O primeiro tem a ver com a história, o segundo
com estética e o terceiro política. Na maioria das vezes não dá para saber onde
termina um e começa o outro.
A primeira literatura efetivamente dissidente dos cânones
letrados ocidentais a reivindicar tal condição na era moderna foi a Literatura
Negra, em pontos diferentes das Américas Negras isso ocorreu de forma quase
simultânea. Não raro os filósofos negros
dessa nova atitude cultural aproveitara muito bem, as rotas cosmopolitas do
atlântico negro para tecer criticas globais ao racismo antinegro que
transmutava para as usas formas mais agressivas e abertamente sangrentas,
desdobrados me regimes de segregação e criminalização raciais em diferentes
pontos das Américas e da África negra. Alguns desses literato-ativistas estavam
em franca articulação do Caribe (Guilien e Mister Gibb) para o Brasil, dos Eua
para o Brasil (Katerine Duran e verificar no Quilombo).
Embora tenhamos rupturas no campo da expressão literária
ocidental que se impôs ao mundo através da expansão do ocidente, são rupturas
com continuidade histórica e estéticas. No Brasil na segunda metade do século
XIX, um poeta negro que havia sido conduzido a escravidão de forma fraudulenta,
foi o primeiro no mundo ocidental a introduzir de forma proposital palavras
africanas na sua poética para estabelecer um contraste linguístico entre a herança ocidental a qual ele fora
escolarmente educado e as formas linguísticas africanas, cujos falantes
eram facilmente acessíveis no século
XIX. Quero dizer que Luis Gama tinha plena consciência do choque estilístico
que produzia ao introduzir palavras da tradição oral dos seus ancestrais na
escrita combativa que elaborava e difundia.
Numa sociedade brasileira escravagista do século XIX, onde a
primeira distinção entre os indivíduos era feita de uma combinação entre cor da
pele e condição social, Luis Gama era bem consciente da fragilidade da sua
condição de homem negro (e outros como ele), cuja condução ao cativeiro, foi
possível porque a lei e ordem era dominada e manipulada de acordo coma as
circunstancias por homens brancos possuidores de gentes e coisas.
Suas ousadias foram duas, enfrentar homens poderosos e incluir
as relações de poder e termos e pensamentos africanos na sua poética. Conquanto
tenha sido enterrado como herói do abolicionismo republicano paulista e
transformado em nomes de rua ainda no século XIX, sua poética foi enterrada
junto com ele. Como herói poético dos negros os acadêmicos elegeram Castro
Alves e elaboraram projetos de visibilidade de sua obra, que até hoje nos enche
o saco. Para Castro Alves o negro é outro. Luis Gama viu a si mesmo como negro,
como a inda construiu um altar para cantar a mulher negra, que somente 50 anos
depois foi retomado por Solano Trindade.
De certa maneira o nascedouro de uma literatura negra no
Brasil foram duas figuras contemporâneas na segunda metade do século XIX, Luiz
Gama e Manuel Querino, um escravizado tendo nascido livre o outro tendo nascido
livre de pais escravizados. São duas vertentes de escrituras afirmativamente
negras. Há ainda outros homens negros letrados na segunda metade do século XIX,
mas se pode dizer que tenham reivindicado como esses dois uma posição política
contra o escravismo e buscado afirmar sua origem africana por meio das
escrituras.
Tanto a Frente Negra Brasileira, organização social e partido
política, como o Teatro experimental do Negro constam como organizações negras
imprescindíveis e pioneiras, cujas escrituras podem ainda hoje ser parcialmente
localizadas em documentos musealizados, publicações de teses, dissertações e
reinvenções literárias e teatrais.
Luis da Silva Cuti produziu um livro belo e denso livro de
memórias do Ativistas da Frente Negra Brasileira, José Correia Leite, publicado
na década de 1980 pela Secretaria Municipal de Cultural de são Paulo, que é
efetivamente um manancial de conteúdos variados sobre a luta e as sociabilidade
negras em São Paulo e no Brasil entre os anos 1920 e 1970. Algo similar foi empreendido pelo grupo
Quilomobhoje Literatura. Aliás, o grupo Quilombhoje de Literatura Negra é outro
exemplo de longevidade no campo editorial alternativo. Desde 1977 anualmente
publica de forma cotizada coletâneas muito significativa pela abrangência,
estilo e gênero, contos, poesia, romances, ensaios, memórias e pesquisa
histórica, reunindo autores e autora de todo país. Muitos dos escritores mais
velhos que hoje circulam pelos Saraus periféricos divulgando suas obras e
estabelecendo diálogos com a juventude amante da escrita. Miriam Alves cujas
primeiras obras foram publicadas pelo Quilombhoje tem sido figura constante, o
literato e pesquisador acadêmico Luis da Silva Cuti também pode ser ocasionalmente
localizado na cena.
Não sei se estes fatos poderiam alinhavar intercâmbios
estético-políticos diretos e concisos entre os Saraus e a literatura periférica
e a produção literária negra já apreendida por Roger Bastide nos anos 1940 e um
novamente desenvolvida por pesquisa crítica de Clovis Moura nos anos 1970.
Ainda introduzida na pesquisa acadêmica de autoras como Selma Maria da UERG
2016, .........Contudo podemos falar de uma ou mais base reflexiva resultante
da consciência crítica de que a diferenciação cultural é um dado da realidade
social, a qual os discursos de homogeneidade da identidade nacional e
discriminação cultural de classe, já não podem mais esconder, deslegitimar ou
subjugar com a mesma facilidade de antes.
Os jornais negros da primeira metade do século XX, em muitas
ocasiões buscaram figuras exemplares de homens negros que pudessem servir de
referências virtuosas as práticas políticas e culturais negras, assim como
patronos da luta política, de forma que não pairasse dúvidas sobre a
legitimidade das pautas antirracistas e nem sobre a legitimidade da organização
pretendida. José do Patrocínio e Luis Gama serão nesses materiais gráficos duas
da principais figuras heroicas negras, até pelo menos o início da década de
1950. Quando imaginário negro urbano começara a ser povoado por outras figuras,
símbolos e referências. A luta de descolonização na África demandou do ativismo
negro brasileiro outras chaves de interpretação do racismo antinegro no Brasil
e no mundo.
Ao fim da década de 1960, no meio musical urbano as primeiras
canções negras de conteúdos francamente revolucionário foram feitas por homens
brancos. São canções como de forte acento blues uma cantada por Wilson Simonal
e outra grava por Elis Regina que se distanciada pouco a pouco do Ie-Ie-Ie e da Bossa branca para assumir assumir uma
posição muitas vezes dúbia, mas afastada do conservadorismo político
determinado pela ditadura civil militar.
Tributo a Martin Luther King (autoria de ) e Black is
beautiful (autores são os irmãos
cariocas Marcos e Paulo Sergio Valle)
introduziram os temas do poder
negro e da luta pelos direitos civis nos EUA. As canções executas em disco,
espetáculo e no rádio pareciam tratar de um mundo muito distante do Brasil.
Longe das casas de espetáculo de Porto Alegre, São Paulo e Rio de janeiro, onde
se apresentavam Elis e Simonal para a classe média branca podia se deliciar com
tais canções, sem necessariamente se dar conta do seu conteúdo poético e
político contestador. O entretenimento urbano privado era e ainda é um
privilégio cosmopolita da classe média majoritariamente branca no Brasil.
O consumo cultural artístico coma bases na noção de belas
artes, ainda é cultivado como importante elemento marcador de classe e raça. O
cinema e dança passaram ser as linguagens-reduto das elites. Dois episódios
polêmicos recentes de ampla repercussão midiática e social envolvendo essas
duas linguagens, na cidade São Paulo, podem ser bem ilustrativas desse
fenômeno.
Episódio um Dança. Um grupo de artistas afroperiféricos
cansados de ver seus projetos rejeitados pela Secretaria Municipal de Cultural
quando dos processos de seleção para
definir aqueles que receberiam aporte financeiro para suas produções,
resolveram fazer um protesto público. Mobilizaram outros artistas e ativaram a
câmara de vereadores que realizou uma audiência pública. Questionava-se
sobretudo o conceito de dança contemporânea aplicada pelos selecionadores, que
não vinham no repertório dos grupos outsiders elementos estéticos que pudessem
ser entendidos como Contemporâneos. O
que a polêmica revelou é que alguns grupos ligados ao balé clássico e as suas
variações e cujos diretores tinham relações afetivas, sociais ou políticas com
os membros selecionadores, eram anualmente fomentados há sete ou oito anos, sem
interrupção.
Antes do surgimento dos Editais de financiamento público, os
recursos eram distribuídos no gabinete dos secretários estaduais municipais e
de cultural, mediante suas relações e interesses, ou com influência dos
políticos tradicionais. A democratização por meio dos editais públicos regraram
o acesso, mas não foram capazes de eliminar os vícios de uma classe artística
predominante branca e elitista, que se sente uma categoria profissional eleita
por deus. Logo tratou de criar novos mecanismo de manutenção dos privilégios,
cada vez mais ameaçados com a relativa
democratização dos recursos da cultura.
Durante o fenômeno de ongeirização dos serviços de
assistência social na grande São Paulo, algumas entidades introduziram em seus currículos noções básicas de balé e
cursos de instrumentos de orquestras.
Tais metodologias partem do princípio de que os corpos e mentes da
juventude negra e periféricos são vazios de valores estéticos dançantes, ou que
os valores que carregam são marcados por sexualidade precoce e exacerbada,
próprias das classes populares (sexualidade desenfreada gera também muitos
filhos, o que é contraproducente para o . Esses estigmas sobre corpos
negro-mestiços e pobre tem duas fontes complementares, uma vem da escravidão, o
qual o corpo de homens e mulheres escravizadas deviam servir apenas ao trabalho
e festa, o prazer e dança deviam ser proibidas.
Na década de 1970, em diferentes pontos do país surgiram
escrituras negras, poesia e prosa, jornalismo e romance, musicalidade e
quadrinho, dramaturgia e teatro. Em 1974, nos conta Oliveira Silveira, nos
conta que em Porto Alegre surgiu o Grupo Palmares, que teria sido o primeiro a
formular hipóteses sobre a simbologia de Palmares como uma Republica negra e
livre. Embora Palmares conste como enredo de poética e melodia revolucionaria
da escola
Salgueiro do Rio de Janeiro em fins da década de 1960 e da
escola Vai-Vai em São Paulo em 1973.
De outro desde os anos 1970 para cá tivemos muitas inciativas
em termos de uma produção literária negra nos padrões escolares e
convencionalmente admitidos, não quero dizer com isso que a produção em si seja
tradicional, até pelo contrário, mas grupo Quilombhoje Literatura tem sido a
mais longa história editorial brasileira em se tratando de uma temática negra
onde se pode observar a manutenção de uma linha de veiculação de criações
autorais com recorte étnico racial, cujos parâmetros de qualidade e
diversidade, somente comparativos em duas revistas acadêmicas. A Revista do Centro de Estudos Afro Orientais
(CEAO) da UBFA e Revista África do Centro de Estudos Africanos da USP.
Quero dizer que tudo isso compõem algo que estou chamando de
Negras Escrituras, ou de Literaturas Afro- periféricas, mesmo quando o suporte
a voz, o corpo, o disco de certo autor, ou elaborado em torno de um gênero
musical específico, a performance, o teatro, o cinema ou o vídeo. Estas tem
sido o resultado e testemunho concreto de estratégias e construções elaboradas
à margem do mundo cultural institucional e dominante, são concepções, ideias,
imaginários e formas de ser, saber e estar, que os mantenedores da cultura
artística hegemônica abominam, combatem, desqualificam e tentam aniquilar, como
se trata-se de uma guerra cultural. Para combater aquilo que chamam muitas
vezes de forma dissimilada e retorica fugidia de barbárie, incultura ou vazio
cultural, utilizando suas ferramentas tecnológicas, tecnocráticas e discursos
de poder.
Embora como dois ou mais mundos tensionados e cindidos, não
quer dizer que sejam estanques e fechados em termos absolutos. O tempo inteiro
tem conteúdos, ideias, valores, sujeitos e desejos que atravessam as fronteiras relativamente
invisíveis e alimentam novas criações culturais em ambos os lados. Noutras
vezes as culturas de leite incorporam seletivamente itens das culturas
subalternas e logo descartam numa relação que podemos chamar de “exploração
negociada”.
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