Olhar/Mosaico em perspectiva de práticas e conhecimentos, políticas e artes africanas/diapóricas. Biocaminho na esfera. Anima afim de experimentar toques e palavras, sons e ruídos, notas tortas, acalentando dissonantes rebeldias. Desejos de sorver quase tudo no cosmo, na Américafrolatina. Utopias à beira do Atlântico. Por desvelar e reconhecer as partes e o todo, durante a busca do estar pleno no mundo, enquanto for.
SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho
Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada. |
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
Berlim. Nunca estou sozinho.
Nunca estou sozinho.
Tenho minha companheira e uma amiga. Não vou contar para
elas, mas ouço baixinho em meu ouvido interno William DuBois recitando em voz
suave um poema seu na entrada do trem para Alexanderplatz. Os mendigos, os bêbados,
os pedintes são brancos. Na rua ninguém muda de calçada quando eu passo. É bom,
mas estranho. No comércio os guardas não me seguem entre as gondolas como em
Lisbon, Cascais, Évora e Conimbriga. Eu relaxo, mas pago em euro.
Antes de sairmos na rua, uma cozinha-sala, quarto de frente para
rua, outro para pátio interno com bicicletas, uma dispensa grande, as paredes
de estuque sem concreto. No banheiro com banheira há uma estranha janela. As
madeiras do piso rangem mais durante a noite. No corredor ao ver nas paredes as
reproduções de ninfas dançantes, penso: República de Weimar? Os garotos do
jazz? Turnê da Josephine Baker aqui em 1936? Não há piscina no pátio interno,
nem água azul de amaralina, nem coqueiros. Um prédio de quatro andares, são
quatro lances de escadas sem elevador, nem espaço para carros. As portas altas
de pinho de riga.
Todas as lições de germanismo da escola superior católica que
frequentei fazem sentido. Não tenho mais dó de Walter Benjamin, nem oro mais sobre
textos canabísticos-sagrados de Sergio Buarque.
Vou as lojas lá perto, também quero comparar os preços das
coisas de usos cotidiano, sabonete, café, açúcar. De onde virá o açúcar de cana
consumido em Berlim? E a aquelas bananas tão tristes em que navio trafegaram
até aqui? Tal como ela, eu pretendo comparar vários sapatos para inverno. Não por vaidade
simplória ou consumismo infante, mas meu pé encharcado e frio doí, a ponta do
meu nariz molhado dói, meus lábios ressecam e racham.
As cidades modernas adoram seus marco-zeros, algo sobre a
cidade e resto do mundo. Praça da Sé é um marco sobre a expansão colonial portuguesa a partir da São Paulo de Piratininga. Berlim para sempre estará em conexão com a
Namíbia, por mais se se apaguem os fios.
Ônibus, metro, uber, taxi. Comida, olhares, falares da
Turkia. Estamos na rua do Hermann. Leiamos apenas Sidartha no meio de uma roça
de cana nas gerais escravagista. Encontrei o pai do chico meio acanhando com a
recente descoberta do filho bastardo alemão e comprei Die Wurzeln Brasiliens (Frankfurt-am-Mein, Suhrkamp Verlag, 1995).
Jamais vou ler. O brasil ainda é o maior páteo industrial alemão do mundo.
Sobre o festival. A tal autenticidade alemã tão alegada até
1945, agora é pura tolice. O lado bom, é que junto com o tapete vermelho e champanhe
exclusiva, as salas vips, os carros de luxo e protocolos tem no ar uma
necessidade de oxigênio e as alteridades várias podem ao menos serem projetadas
nas telas. Efetivamente não há nenhum
tipo de transferência de tecnologia ou horizontalidade, mas uma promessa de
divisão equânime da representação fílmica. Um devir criativo do mundo.
Na vila Santa Catarina um jovem chamado Rainer, que morava
nos Sobrados, jogava bola conosco no campinho de terra. Periferia de São Paulo, na infância ganhamos
um cachorro, de uma família alemã de Rainer, quando voltaram ao seu país. Eles
nos recomendaram utilizar e ensinaram algumas frases em língua alemã com o cão
para acalmá-lo. Penso no Rainer, cuja imagem não consigo me lembrar, então sempre me vem o rosto de José Fernando, meu melhor amigo da infância.
Entramos no metro com nossos bilhetes comprado. Não há
catracas e nem guardas de pitubulls cinzentos na espreita. Somente câmeras discretas?
Mas um incidente me deixa intrigado. Um
rapaz é colocado a força para fora do trem por dois paisanos e eles gritam e
gesticulam. Os paisanos usavam um tipo
de maquininha parecida com aquelas de remarcar preço de produtos em
supermercados na era Sarney.
O mundo que dividimos e habitamos é o exatamente o mesmo. O
que muda nas latitudes e longitudes? De verdade é o frio e topografia. As vezes
os morros são mais altos e os prédios baixos. Bicicletas e patinetes. Urbanidade plástica e
desumanidade sólida. Então, o que foi buscar André Rebouças na Alemanha pré
Bismarck? É isso que gostaria de saber e talvez um dia assistir no nosso cinema
ou simena.
Mesmo quando nascemos numa cidade, por menor que seja, é praticamente impossível conhecer bem as experiências de suas suas, imagine então o interior de suas casas.
Postado por
SALOMAO JOVINO DA SILVA
às
07:25
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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020
Garoto - Texto de Victor Nóvoa
Formado em 2006 como ator pela ECA/ USP e mestrando em
artes cênicas pela UNESP. Desde 2011 trabalha n’A Digna como dramaturgo e
produtor. Seus textos foram montados por diretores de destaque da cena nacional: Aysha Nascimento, Carla Candiotto, Domingos Montagner, Eliana
Monteiro, Luis Fernando Marques (Lubi), Kiko Marques, Paulo Fabiano, Rogério
Tarifa, Verônica Veloso e etc. Em 2012,
ganhou o concurso Dramaturgias Urgentes do Centro Cultural Banco do Brasil.
Publicou três textos teatrais, Estilhaços de janela fervem no céu da minha boca
(2019) Condomínio Nova Era (2014) e Verniz náutico para tufos de cabelo (2016), sendo que por esse último
texto recebeu o V Prêmio Aplauso Brasil de melhor dramaturgia.
Atualmente é coordenador de artes cênicas da Universidade Nove de julho e
desenvolve cursos de formação em dramaturgia por todo o Brasil.
GAROTO
TEXTO: Victor Nóvoa
Pra ele é Páscoa
Pega a caixa
Bombons Garoto
É garoto
Quer todos
Corre abrindo
Esconde comendo
Foge garoto
O segurança vai amarrar
O dono da loja vai arrancar
Os vizinhos vão linchar
O caminhão do lixo vai engolir
Vira à direita na rua principal
Come uma Opereta
Entra disparado no túnel
Devora uma Serenata
Tropeça no largo
Abre um Caribe
Sobe o viaduto
O homem sempre atrás.
E o garoto?
Rindo
Correndo
Comendo
Pra ele é páscoa
Gaetaninho
gostava do Serenata do Amor; Luis Carlos Ruas, o índio, gostava do Opereta;
menino João Vitor gostava do Surreal Amendoim; Aylan Kurdi gostava do Caribe, Kauan
Peixoto gostava do
baton; o menino de uniforme da escola, Marcus Vinícius, da Maré, gostava do It
Coco. E você? Qual você quer na sua mesa?
E você, menino?
Que fios correm pelas tuas ruas?
No Bom Prato teu Homem do Saco toma
energético com fluoxetina
No Catavento teu Bicho Papão prefere
pedra com sertralina
No Mercadão a tua Loira do Banheiro
vai de injetável de paroxetina
E você, menino?
Onde estão teus fios de lua?
O homem grita
Pega! Ele pegou a caixa
Os homens gritam
Pega ele!
Pegou a caixa.
Outra rua se foi
No pé liso do garoto
Bate de chapa no caminhão do lixo
E teus fios de lua, menino? E teus bombons? E o
garoto?
Espalhados pela baixada do Glicério
Abaixo dos carros, acima dos rios
Amassou o bonde. Amassou o caminhão. Vai custar caro.
Teus olhos, fios de lua
Cobertos de caixas de pizza, amaciantes, garrafas de
vidro,
Feijão azedo, resto de domingo, resto de segunda.
Sempre é páscoa pra ele
Não ressuscitou
Quantas amputações ocorrem por essas
vias? Ele corre pela cidade inteira. Seus fios de lua percorrem todo nosso
sangue. Já não é mais um corpo só, talvez nunca foi, é nervo ardendo a céu
aberto. Tem algo a dizer ao Garoto? Ele tem algo a dizer. Ouça. Ouçam.
Agora que morri, avise aos amigos, quero
ficar na pele dos outros de São Paulo. Vê aquela menina de azul que trabalha no caixa do Torra-Torra, dá
meu coração pra ela. Precisa de dois, quando o dela cansar de tanta batida
abafada sem ninguém pra escutar, é só ela assoprar a poeira do meu e usar.
Meu coração conhece a surdez do mundo. Meus pés, dê pra aquele menino que vende
pano de chão alvejado. Esses pés conhecem todas as dobras das ruas daqui, são
rápidos, assim ele poderá escapar da polícia mais fácil. Tá vendo aquele
policial cheio de gravidade? Chegue de manso e assopre no ouvido dele: “Aquele
garoto lhe ofereceu as mãos”. Ele vai brigar dizendo que as dele são mais
fortes. Aí diga firme: “Não, essas são para você usar quando tirar esse
uniforme cinza”. Meus olhos, deixe no pico do Jaraguá. Talvez eles passem frio,
mas a vida é assim. Quero eles lá, não pra “futucá” vida alheia, mas pra saber
triste e risonho o que estão fazendo com a minha cidade. Minha boca, entregue a
todos os jovens. Quero e preciso beijar. Olhe aquele menino atrás do balcão,
ele se divide em quatro, serve café lavando louça, finge que sorri para os
clientes pegando a ficha e buscando no estoque mais leite, que já acabou. Que
nome terá esse ofício de ficar dez horas em pé a distribuir cafés e fichas com
um sorriso triste? Entregue a ele meu pulmão. Precisa de fôlego, esse sim
precisa de fôlego. As tripas, entregue ao atual prefeito, mas tem que ser em
cima da mesa dele em dia de coletiva de imprensa. A vocês, entrego minhas
últimas perguntas: e se pudéssemos com um único gesto romper toda a
muralha que exclui o outro? Que gesto você faria?
Postado por
SALOMAO JOVINO DA SILVA
às
07:15
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