Formado em 2006 como ator pela ECA/ USP e mestrando em
artes cênicas pela UNESP. Desde 2011 trabalha n’A Digna como dramaturgo e
produtor. Seus textos foram montados por diretores de destaque da cena nacional: Aysha Nascimento, Carla Candiotto, Domingos Montagner, Eliana
Monteiro, Luis Fernando Marques (Lubi), Kiko Marques, Paulo Fabiano, Rogério
Tarifa, Verônica Veloso e etc. Em 2012,
ganhou o concurso Dramaturgias Urgentes do Centro Cultural Banco do Brasil.
Publicou três textos teatrais, Estilhaços de janela fervem no céu da minha boca
(2019) Condomínio Nova Era (2014) e Verniz náutico para tufos de cabelo (2016), sendo que por esse último
texto recebeu o V Prêmio Aplauso Brasil de melhor dramaturgia.
Atualmente é coordenador de artes cênicas da Universidade Nove de julho e
desenvolve cursos de formação em dramaturgia por todo o Brasil.
GAROTO
TEXTO: Victor Nóvoa
Pra ele é Páscoa
Pega a caixa
Bombons Garoto
É garoto
Quer todos
Corre abrindo
Esconde comendo
Foge garoto
O segurança vai amarrar
O dono da loja vai arrancar
Os vizinhos vão linchar
O caminhão do lixo vai engolir
Vira à direita na rua principal
Come uma Opereta
Entra disparado no túnel
Devora uma Serenata
Tropeça no largo
Abre um Caribe
Sobe o viaduto
O homem sempre atrás.
E o garoto?
Rindo
Correndo
Comendo
Pra ele é páscoa
Gaetaninho
gostava do Serenata do Amor; Luis Carlos Ruas, o índio, gostava do Opereta;
menino João Vitor gostava do Surreal Amendoim; Aylan Kurdi gostava do Caribe, Kauan
Peixoto gostava do
baton; o menino de uniforme da escola, Marcus Vinícius, da Maré, gostava do It
Coco. E você? Qual você quer na sua mesa?
E você, menino?
Que fios correm pelas tuas ruas?
No Bom Prato teu Homem do Saco toma
energético com fluoxetina
No Catavento teu Bicho Papão prefere
pedra com sertralina
No Mercadão a tua Loira do Banheiro
vai de injetável de paroxetina
E você, menino?
Onde estão teus fios de lua?
O homem grita
Pega! Ele pegou a caixa
Os homens gritam
Pega ele!
Pegou a caixa.
Outra rua se foi
No pé liso do garoto
Bate de chapa no caminhão do lixo
E teus fios de lua, menino? E teus bombons? E o
garoto?
Espalhados pela baixada do Glicério
Abaixo dos carros, acima dos rios
Amassou o bonde. Amassou o caminhão. Vai custar caro.
Teus olhos, fios de lua
Cobertos de caixas de pizza, amaciantes, garrafas de
vidro,
Feijão azedo, resto de domingo, resto de segunda.
Sempre é páscoa pra ele
Não ressuscitou
Quantas amputações ocorrem por essas
vias? Ele corre pela cidade inteira. Seus fios de lua percorrem todo nosso
sangue. Já não é mais um corpo só, talvez nunca foi, é nervo ardendo a céu
aberto. Tem algo a dizer ao Garoto? Ele tem algo a dizer. Ouça. Ouçam.
Agora que morri, avise aos amigos, quero
ficar na pele dos outros de São Paulo. Vê aquela menina de azul que trabalha no caixa do Torra-Torra, dá
meu coração pra ela. Precisa de dois, quando o dela cansar de tanta batida
abafada sem ninguém pra escutar, é só ela assoprar a poeira do meu e usar.
Meu coração conhece a surdez do mundo. Meus pés, dê pra aquele menino que vende
pano de chão alvejado. Esses pés conhecem todas as dobras das ruas daqui, são
rápidos, assim ele poderá escapar da polícia mais fácil. Tá vendo aquele
policial cheio de gravidade? Chegue de manso e assopre no ouvido dele: “Aquele
garoto lhe ofereceu as mãos”. Ele vai brigar dizendo que as dele são mais
fortes. Aí diga firme: “Não, essas são para você usar quando tirar esse
uniforme cinza”. Meus olhos, deixe no pico do Jaraguá. Talvez eles passem frio,
mas a vida é assim. Quero eles lá, não pra “futucá” vida alheia, mas pra saber
triste e risonho o que estão fazendo com a minha cidade. Minha boca, entregue a
todos os jovens. Quero e preciso beijar. Olhe aquele menino atrás do balcão,
ele se divide em quatro, serve café lavando louça, finge que sorri para os
clientes pegando a ficha e buscando no estoque mais leite, que já acabou. Que
nome terá esse ofício de ficar dez horas em pé a distribuir cafés e fichas com
um sorriso triste? Entregue a ele meu pulmão. Precisa de fôlego, esse sim
precisa de fôlego. As tripas, entregue ao atual prefeito, mas tem que ser em
cima da mesa dele em dia de coletiva de imprensa. A vocês, entrego minhas
últimas perguntas: e se pudéssemos com um único gesto romper toda a
muralha que exclui o outro? Que gesto você faria?
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