Nunca estou sozinho.
Tenho minha companheira e uma amiga. Não vou contar para
elas, mas ouço baixinho em meu ouvido interno William DuBois recitando em voz
suave um poema seu na entrada do trem para Alexanderplatz. Os mendigos, os bêbados,
os pedintes são brancos. Na rua ninguém muda de calçada quando eu passo. É bom,
mas estranho. No comércio os guardas não me seguem entre as gondolas como em
Lisbon, Cascais, Évora e Conimbriga. Eu relaxo, mas pago em euro.
Antes de sairmos na rua, uma cozinha-sala, quarto de frente para
rua, outro para pátio interno com bicicletas, uma dispensa grande, as paredes
de estuque sem concreto. No banheiro com banheira há uma estranha janela. As
madeiras do piso rangem mais durante a noite. No corredor ao ver nas paredes as
reproduções de ninfas dançantes, penso: República de Weimar? Os garotos do
jazz? Turnê da Josephine Baker aqui em 1936? Não há piscina no pátio interno,
nem água azul de amaralina, nem coqueiros. Um prédio de quatro andares, são
quatro lances de escadas sem elevador, nem espaço para carros. As portas altas
de pinho de riga.
Todas as lições de germanismo da escola superior católica que
frequentei fazem sentido. Não tenho mais dó de Walter Benjamin, nem oro mais sobre
textos canabísticos-sagrados de Sergio Buarque.
Vou as lojas lá perto, também quero comparar os preços das
coisas de usos cotidiano, sabonete, café, açúcar. De onde virá o açúcar de cana
consumido em Berlim? E a aquelas bananas tão tristes em que navio trafegaram
até aqui? Tal como ela, eu pretendo comparar vários sapatos para inverno. Não por vaidade
simplória ou consumismo infante, mas meu pé encharcado e frio doí, a ponta do
meu nariz molhado dói, meus lábios ressecam e racham.
As cidades modernas adoram seus marco-zeros, algo sobre a
cidade e resto do mundo. Praça da Sé é um marco sobre a expansão colonial portuguesa a partir da São Paulo de Piratininga. Berlim para sempre estará em conexão com a
Namíbia, por mais se se apaguem os fios.
Ônibus, metro, uber, taxi. Comida, olhares, falares da
Turkia. Estamos na rua do Hermann. Leiamos apenas Sidartha no meio de uma roça
de cana nas gerais escravagista. Encontrei o pai do chico meio acanhando com a
recente descoberta do filho bastardo alemão e comprei Die Wurzeln Brasiliens (Frankfurt-am-Mein, Suhrkamp Verlag, 1995).
Jamais vou ler. O brasil ainda é o maior páteo industrial alemão do mundo.
Sobre o festival. A tal autenticidade alemã tão alegada até
1945, agora é pura tolice. O lado bom, é que junto com o tapete vermelho e champanhe
exclusiva, as salas vips, os carros de luxo e protocolos tem no ar uma
necessidade de oxigênio e as alteridades várias podem ao menos serem projetadas
nas telas. Efetivamente não há nenhum
tipo de transferência de tecnologia ou horizontalidade, mas uma promessa de
divisão equânime da representação fílmica. Um devir criativo do mundo.
Na vila Santa Catarina um jovem chamado Rainer, que morava
nos Sobrados, jogava bola conosco no campinho de terra. Periferia de São Paulo, na infância ganhamos
um cachorro, de uma família alemã de Rainer, quando voltaram ao seu país. Eles
nos recomendaram utilizar e ensinaram algumas frases em língua alemã com o cão
para acalmá-lo. Penso no Rainer, cuja imagem não consigo me lembrar, então sempre me vem o rosto de José Fernando, meu melhor amigo da infância.
Entramos no metro com nossos bilhetes comprado. Não há
catracas e nem guardas de pitubulls cinzentos na espreita. Somente câmeras discretas?
Mas um incidente me deixa intrigado. Um
rapaz é colocado a força para fora do trem por dois paisanos e eles gritam e
gesticulam. Os paisanos usavam um tipo
de maquininha parecida com aquelas de remarcar preço de produtos em
supermercados na era Sarney.
O mundo que dividimos e habitamos é o exatamente o mesmo. O
que muda nas latitudes e longitudes? De verdade é o frio e topografia. As vezes
os morros são mais altos e os prédios baixos. Bicicletas e patinetes. Urbanidade plástica e
desumanidade sólida. Então, o que foi buscar André Rebouças na Alemanha pré
Bismarck? É isso que gostaria de saber e talvez um dia assistir no nosso cinema
ou simena.
Mesmo quando nascemos numa cidade, por menor que seja, é praticamente impossível conhecer bem as experiências de suas suas, imagine então o interior de suas casas.
Uma carta-viagem as terras dos frankfurtianos. Eu espero não ter dó do Horkeimer. Abraço Amigo
ResponderExcluir