Numa pesquisa rápida no google me veio a informação que
cerimonia de beijar a mão de gente celebridade branca em público nasceu em
minas gerais no século XVIII. Nos anais da história verde, branca e amarela
consta que por ocasião da morte por diarreia do devoto rei Dom João Salvador
Sebastião Manuel de New Orleans e Bragança Paulista a comoção foi tamanha que
resolveram amputar uma das mãos do morto e enviar para os lugares mais remotos
do Reino Luso tropical juntamente com uma estátua em madeira policromada em
tamanho natural. Mesmo sob apelos do poeta Castro Alves, a belonave foi a pique
no caminho das Índias Orientais para a terra Brasílica.
Naquela ocasião um formoso contratador lusitano
de filme nacional da década de 1970 deu a seguinte solução: mandou comprar um
esquife de jatobá ricamente adornado e colocar um espantalho cheio de palha de
milho de fubá envolto em uma roupa coberta de lantejoulas trazida do real
museu. De todas as comarcas e principalmente Baependi, Carangola, Piunhi,
Jequitinhonha, Carrancas e Formiga vieram representantes de grandes
latifundiários. Uma grande fila se formou diante da catedral e se esticou até a
parte baixa da cidade. A fila era constituída de brancos de pés sujos agregados
de latifundiários e escravizados constrangidos pela força de chibatas e
parabelos.
Vila Rica nunca viu tanta gente assim, ou pelo menos antes da
realização do filme de Cacá Diegues. No fim da tarde armou-se uma chuva
diluvial a noroeste e um raio fulminante atingiu a fila de fieis súditos
matando quase todos. Mas no feito do furdunço também estourou uma revolta de
canhobolas e uma fábrica de fogos de artifício. Mas há que considere que foi um
castigo enviado por alguma divindade originária mais atenta. Os espíritos
subalternos dos mortos daquela tarde reencarnaram em porcos selvagens do
cerrado. Vem daí o termo popular. Desde então todo ano há um dia especial
dedicado aos lambedores de mãos insepultas, desde que sejam mãos brancas e de
gente prestigiosa em vida. Especialista
em comportamento sustentam que tais cerimonias públicas são verdadeiras
demonstrações da coesão do estado nacional e manutenção da ordem social. Emocionados
de aluguel, facebooker de olhos teleguiados, carpideiras digitais dos nós que
desatentos e irrefletidos de plantão entramos na fila sem perguntar pra
quem.
Muito
chão, fumaça, fuligem nos olhos e pulmões e lama/chorume nos pés. Mas, todo
dia, todo mês, todo ano um novo começo e tropeço. Presidente entra e cai, gente
morre e nasce, uns partem pra longe, outros bem perto em silêncio. Quem
perseguiu o paralama do sucesso e só achou beleza na queda do fracasso? Quem
cismou com uma bandeira velha e fez dela um estandarte, uma mortalha, ou uma
toalha de mesa? Quase sempre "O amor mal feito e depressa". Quem se
colocou na defesa daquilo que era bem maior e o mais
digno? Não todo dia, sentar no meio fio
e prantear só. Ministro, deputado, senador da república ou inspetor de alunos
altamente alfabetizado.
Pra quem se deve ligar quando se recebe a notícia que
um irmão morreu? Quem se deixou ficar numa escola pública sustentando o mundo
nos ombros? Andou de braços dados com manos e manas no meio dos escombros e
corpos insepultos, quem? Se chorou, em silêncio obsequioso dançou em festas
fúnebres, em lugares lúgubres e carnavais eivados de morbidez e solidão. Quem
já foi a bola da vez, mas no dia certo não acordou, não foi, não deu e nem viu
o brilho do ouro, a cor do metal mais vil. A amizade é um amor mais largo, um
bem que lume no escuro, e que não precisa registro.
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