23 de maio 2020, com todos os planos e desejos de ano novo na gaveta a vida segue no Brasil de forma suspensa e delicada. Desde 2019, mais explicitamente, temos vivido tempos do combate ideológico de classe, gênero e raça, nesses grupos é visível a corda em volta do nosso pescoço.
O vírus que rodeia nosso convívio sem saber, criou o ambiente perfeito para que o vírus da corrupção e do ódio se fortalecesse na vida brasileira, com tudo o que o brasileiro queria de fato era uma mudança estrutural da situação de eterna estabilidade que vivemos.
Escolher a mudança e acertar quem carrega ela em sua retórica nunca foi fácil por aqui. Após acreditar na estabilidade da democracia foram muitas tentativas nas urnas de alguém que realizasse mudanças sociais e econômicas que nos colocasse em um patamar de dignidade humana, mas hoje o que percebemos é que tão difícil como explicar que a dignidade deve ser para todos independente dos seus méritos, mais difícil é explicar os deméritos políticos e pessoais de alguém que era para parte da população a mudança desejada.
A falta de cultura participativa política, a dança das cadeiras nos partidos, as coligações deixam cada vez mais confusos aqueles que realmente precisam de um Estado forte para garantia de sua subsistência e defesa do capitalismo de extermínio.
Diante da fome não é o modelo de panela que vai fazer a diferença, mas o conteúdo que nela foi depositado. Eu nasci em 1981 junto com a ideia de um sistema político e democrático para todos e assim como eu aos quase 39 anos o mesmo sistema se encontra ainda amarrado para o seu total potencial de desenvolvimento. Vivemos com as possibilidades que os sistema tem promovido, o domínio sobre nossos corpos e nossas vidas remete em uma parábola grotesca ao domínio do próprio país. A devastação da natureza exibida pela Amazônia, também se reflete nós quintais de cerâmica exibidos pelas ruas e fachadas de nossas casas. A poluição e consumismo também existe em cada um além de uma prática governamental, estamos a mercê do bom discurso e a péssima prática.
Sou uma mulher negrindígena, mãe solo, nascida na periferia e minha voz sobre a necessidade de uma ética política comprometida com o povo e seu desenvolvimento tem escuta? Aparentemente sim, nas práticas, acordos políticos não.
Na rua encontro cotidianamente mais praticas políticas condizentes do que nas câmaras e plenárias públicas. O discurso dos nossos e suas crenças, muitas vezes divergem de suas práticas de labor, companheirismo, temos evitado esse debate para poupar amizades e não cair no isolamento social, opa isolamento social já existia politicamente ou já esquecemos as brigas de famílias nas eleições.
Somos tomados por uma inconformidade quando alguém de práticas sociais que são esmagadas cotidianamente pelo poderes aqui instituídos apoia tal discurso dissonante das suas necessidades? Sim, a política brasileira nada mais é que isso e agente se acostumou a ganhar daqui e perder de lá, nomeamos tranquilamente de jogo político e nas ruas os nossos chamamos de pelego.
Essa fratura com a qual estamos lidando tem nós tornado menos crentes e mais passíveis de aceitar políticas de migalhas, ou de toma lá dá cá. Esse é um fato que travessa nossos corpos e que se exemplifica com a frase mais ouvida nas ruas e nos ônibus, morrer de COVID-19 ou morrer de fome?
Eu na verdade acredito que minha formação e história esteja repleta de leituras ilusórias sobre a democracia e a política, quando olho para quem foi o inspiração para construção EUA, tenho sempre essa impressão, mas o que temos como ponte para um socialismo que dialogue com nosso momento histórico ?
Eu prefiro pensar na Dona Maria Eterna dos Reis em sua simplicidade de Tia Maria, tinha em sua trajetória a marca de uma periferia que sofreu com a ditadura e que nenhum glamour tem em qualquer luta vivida pelo povo pobre em governos ditatoriais como o atual.
Sabia que a educação era a única arma para desfazer as mazelas do discurso instituído pelos poderes, sabia que a luta comunitária era a única ferramenta que pode juntar o discurso e prática e fazer disso mobilização popular. Provavelmente Tia Maria responderia as minhas questões de forma prática e eu não estaria aqui escrevendo esse texto, mas o COVID-19 principal ferramenta de extermínio utilizada hoje pelo governo, levou nossa história e possivelmente com ela um acalanto político em tempos difíceis. Acho que essa foto foi feita pelo Rogerio Pixote no dia que ouvíamos Dona Maria e outros em um debate sobre a ditadura e a quebrada.
Anabela Gonçalves
Nascida na periferia de São Paulo em 1981, moradora do Jardim São Luís, a autora fez sua trajetória primeiramente na cultura 1995, como atriz em coletivos periféricos como Grupo de teatro Submundo que foi co-fundador da Associação Trópis e do Grupo de teatro Monte Azul entre outros. A partir da fundação da Associação Trópis, entrou no percurso da educação popular, 1997, atuando em ONGs e movimentos populares que levou a sua formação acadêmica em sociologia, 2010. Sua atuação profissional se estende a órgãos públicos como OS do Estado e a Casa de Cultura Municipal do Campo Limpo.
Atua e foi co-fundadora do Coletivo Katu de educação e colaboração em coletivas feministas como Fala Guerreira, Periferia Segue Sangrando, entre outros. Atualmente assumiu a presidência da Associação Cultural Bloco do Beco, que atua a 18 anos no Jardim Ibirapuera.
Obrigada!
ResponderExcluirPor tudo, seguimos na luta
Bela! que da hora ver seu texto aqui!
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