SILVA, Salloma Salomão Jovino da. Bio-caminho

salloma Salomão Jovino da Silva, "Salloma Salomão é um dos vencedores do CONCURSO NACIONAL DE DRAMATURGIA RUTH DE SOUZA, em São Paulo, 2004. por dez anos foi Professor da FSA-SP, Produtor Cultural, Músico, Dramaturgo, Ator e Historiador. Pesquisador financiado pela Capes e CNPQ, investigador vistante do Instituto de Ciências Socais da Universidade de Lisboa. Orientações Dra Maria Odila Leite da Silva, Dr José Machado Pais e Dra Antonieta Antonacci. Lançou trabalhos artísticos e de pesquisa sobre musicalidades e teatralidades negras na diáspora. Segue curioso pelo Brasil e mundo afora atrás do rastros da diáspora negra. #CORRENTE- LIBERTADORA: O QUILOMBO DA MEMÓRIA-VÍDEO- 1990- ADVP-FANTASMA. #AFRORIGEM-CD- 1995- CD-ARUANDA MUNDI. #OS SONS QUE VEM DAS RUAS- 1997- SELO NEGRO. #O DIA DAS TRIBOS-CD-1998-ARUANDA MUNDI. #UM MUNDO PRETO PAULISTANO- TCC-HISTÓRIA-PUC-SP 1997- ARUANDA MUNDI. #A POLIFONIA DO PROTESTO NEGRO- 2000-DISSERTAÇÃO DE MESTRADO- PUC-SP. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- CD - 2002 -ARUANDA MUNDI #AS MARIMBAS DE DEBRET- ICS-PT- 2003. #MEMÓRIAS SONORAS DA NOITE- TESE DE DOUTORADO- 2005- PUC-SP. #FACES DA TARDE DE UM MESMO SENTIMENTO- CD- 2008- ARUANDA SALLOMA 30 ANOS DE MUSICALIDADE E NEGRITUDE- DVD-2010- ARUANDA MUNDI. Elenco de Gota D'Água Preta 2019, Criador de Agosto na cidade murada.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Aurora Negra Cantos e batuques de força, fé e diminutas folias.

Aurora Negra. Batuques de força, fé e diminutas folias.
CD

Para um dia triste....

Música é, música não é: A música revela de mim os maiores medos, fragilidades  as mais fundas contradições. Ela me desafia a romper com meus círculos e referências mais diretas e andar por ai, em busca do inaudito, do intangível e sonhar o inatingível.  Ela também  tem sido uma maneira de me agarrar aos velhos amigos e criar novos vínculos e "não sucumbir de solidão". São eles que me dão os temas, me cobram novas criações e me ajudam, quando tenho algum plano novo de trabalho musical.
A música é uma ferramenta de deslocamento, é meu trem. Eduardo Schultz, além de tocar guitarra, bolou as capas do "O Dia das tribos" e "Memórias Sonoras da Noite". Marcelo Tai dominou os programas de gravação e mixagem para editar e  finalizar o mesmo Cd em 1998, tendo participado também do "Faces da tarde de um mesmo sentimento". Angelo Flores,  já em finais dos anos 1990 fez a primeira demos, em um gravador analógico multipista, fostex, se não me engano.
A música é meu baú de ébano, depósito de memórias vivas de afetos e perdas. O Helder Girolamo não deixou escapar os laboratórios do Na Corda Banda nos idos de 1980 e ainda hoje nos brinda com imagens inéditas daqueles dias. Desde 1995 Gustavo Fischer tem tido o desafio de organizar minhas viagens sonoras malucas, como colocar um batalhão de alfaias e tamborzeiros em um espaço de 20 metros quadrados, meia dúzia de microfones e ainda assim extrair música dos tocadores.
A música é pra mim um código de conduta. Maga Lieri sempre encontra espaço entre seus projetos para colocar as vozes femininas que somente existem , ao menos inicialmente,  no meu mundo interno e no meu ouvido torto. O Eufraudisio tem um voz baixo profundo rara, exerce um papel mais curioso, me dá dinheiro antes, pagando os cds sem saber se eles existirão um dia. A além disso me chama para trabalhar desde 1985. Em compensação digitalizamos o Lp da Corrente com o Brasil Folclore e ainda fizemos juntos em 1992 o vídeo-documentário “Corrente Libertadora- O quilombo da memória”, depois de algumas aulas com Maria Célia Paoli, sobre o “direito à memória”.
A música é política. Por ela é que ponho os cinco dedos nas perebas da hegemonia branca e da letargia negra. Da intolerância faço tema, consciência negra extrema e  “violência pacifica” (Racionais). Aqui nos vamos todos muito bang, bang, gang. Nós vamos todos muito Ben. A música me pões em contraste com Fela Kuti e Joge Ben. Em música eu ainda nem nasci.
DVD

Aurora Negra, 5 CD e 3 DVD e espetáculo autoral de Salloma Salomão. Com Deodara, Amoraterra, Quarteto Abanã, Clarianas, Klaus Wernet. Coordenação de Gravação e Arranjos de Gionavi Di Ganzá, Felipe Rossi e Salloma. Estudio Mocambo Digital. Aruanda Mundi 2003. Roteiro e edição de Marco Crepaldi. 2018.
Release
Na tradição do povo Ashanti, da África do oeste, a borboleta representa transmutação e na escrita adinkra sua imagem simboliza recriação. Paul Gilroy elaborou uma crítica (ética e etnicamente afetuosa) ao mundo ocidental na figura do escravo sublime, um sofredor-criador negro que mergulhado em perdas irreparáveis, não encontra outra alternativa que não seja criar um mundo novo. Nesse espetáculo o Músico e Historiador Salloma Sallomão novamente mergulha no oceano criativo da Diáspora Negra para elaborar um painel sonoro, imagético e narrativo configurado de memórias e devaneios, utopias e críticas.
O espetáculo baseia-se no quinto Cd de Salloma Sallomão designado: Aurora negra: Batuques e cantos de força, fé e diminutas folias. Está dividido em quatro segmentos, quais sejam: Atlântico negro: Memórias marítimas das perdas; Naufrágios e submersão: Infernos e dores do Mundo; Sublimação: Raízes do canto negro; Assumpção: Batuques e cantos de força, fé e diminutas folias.
São vinte canções autorais, arranjos inéditos, com luz e Figurinos de Debora Marçal (Capulanas), coreografia de Luciane Ramos, Cenografia de Salloma e Reginaldo mágico. A banda é formada por Guilherme Prado (Guitarra, Viola, Bandolim, Cavaquinho e Violão), Filipe Rossi ( Direção Musical, Violão, Viola, Percussão, Voz, Flauta e Teclado), Isadora Aragão ( Voz, Performance), Salloma (Voz e Flauta), Jessica Evangelista (Flauta), Wellington Bernardo  (Trombone e Percussão), Elias Costa (Trompete e Percussão) e Carlos Caçapava (Percussão).   
 Duração: 60 minutos, livre.
 Cd de Salloma Sallomão- Na Caldeira da feitura. com partiicpações de Quinteto Abanã, Clarianas, Deodara, Guilherme Prado, Filipe Rossi, Rabi Batuqueiro, Farrapo Cênico Cia Teatral, Carlos Caçapava,  Klaus Wernet e outros mbambas-masters da criações dos arrabaldes da selva.   
Video ciple

Princesinha do Congo

Argumento:
Quinto trabalho em Cd de Salloma Sallomão, representa um momento de harmonização entre suas experiências musicais de origem afro mineira e a cultura musical contemporânea, onde constam influências de musica brasileira em geral, assim como da musica negra  estadunidense e música tradicional e urbana africana.
Salloma atua criando letras e melodias, pesquisando canções da tradição afro-mineira e  trabalhando com apenas dois parceiros nos arranjos, captura e tratamento digital de sons de cordas, tambores e vozes. Mobilizou um grande e prestigiado time de músicos colaboradores de diferentes vertentes estéticas, residentes em São, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Amsterdan. O resultado é um conjunto diversificado de timbres, temas e tons,  enfeixados sob a égide da diáspora e da modernidade negra. São bricolagens autorais de fragmentos de jongos, maracatus, pontos, samba de roda, cantigas de congo e Moçambique e musica barroca mineira, com elementos de soul, jazz r&b.
Aurora Negra 

Nzambi trouxe as artes digitais para alimentar sonhos sonoros que há muito haviam adormecido.  No Mocambo à sombra da velha araucária celebramos os dias idos e os que estão por vir. O mundo está rodando sempre. Eta mundão de Nzambi. A gente vai tão longe para buscar alguma coisa sem saber o que. A gente mexe com tanto segredo tolo, fuça nas coisas do mundo, procura, procura e nada.
Um belo dia num tropicão qualquer, aquela coisa procurada, sempre teve ali. Uma velha imagem de São Bendito. Milagrosamente os mistérios se desmancham em compressão.      

As vezes eu quero os sons da infância, barulhos raros de carro, pios de saracura, cantigas de grilo, coaxos de brejo e mansidão. Me contento com tambores médios, com batuques de pandeiros ralos, sons de tampinhas e gungas feitas de latas de tomate, fico buscando a delicadeza dos ritmos lentos e do sossego aparente dos sertanejos.
Nasci na beira da Serra da Canastra, das nascentes do Rio Grande, onde muitos pretos foram santificados em troncos, que inda hoje gemem. Por vezes olhar a vida do alto de um morro, por mais baixo que seja, planta na gente um sentido de imensidão e de desafio, que nos arremessa mundo afora.
As Gerais foram cortadas por picadas, comboios e caminhos frescos. Os canjeiranos lá, foram desalojados, mortos e domados com cruz de ferro. Os poucos que ficaram, foram confinados em um bairro que leva seu nome. Nunca esperei por Guimarães, meu irmão Jansem é que firmou pontos de pretos velhos, enquanto o outro que morreu moço, chamado Abrão riscou 5 salomão no chão do quarto e traçou meu destino de moleque andarilho.
Foi ele que se casou com princesinha do Congo, a filha mais bela do temido Dito Baianinho, congadeiro e capoeira dos bons, dizem que tinha sido jagunço de um certo coronel. Quem viu aquele homem negro de porte médio dançar, seria incapaz de lhe imaginar tal atividade.
Meu Nganga me atraiu com chocalhos, me mostrou na quartinha, nos fundos da casa os tambores sagrados. Ngomas que nunca saiam.                       

Roteiro Preliminar


Cena 1- olhares e memória (sem musica). 

Interna (música som ambiente Caçapava brincando)
1- Câmera entra pelo espaço sem porta alameda de instrumentos vazia.
2- Câmara subjetiva do menino.
3- A câmara entra na casa do Velho, passeando por entre os objetos espalhados pelo cômodo.
4- O Velho está com o banjo no centro da sala, afinando-o.
5- O olhar do menino  muda, indo em direção ao velho e se instalando entre o banjo e seu corpo carinhosamente.
6- Interna (entra musica)Primeiro plano dos olhos do velho, que olha nos olhos do menino (câmara), convidando a entrar em si
7- O menino toca o banjo com o velho.

Cena 2 Black face Solo e banjo (som ambiente)
1- O Black face começa a tocar o banjo
2- Black face close.

 Cena 3 “ Voz-Tá prometida pra são benedito”
1-Panorâmica do espaço vazio.
2-O som começa e os musicos são focalizados em um canto do cenário no arco de flores.
Plano médio do menino e o velho. Eles se entreolham.
3--Enquanto o velho e os demais cantam no guarda sol “Tá prometida pra são benedito” sem instrumento.
4- O menino no interior do guarda sol olha para os adultos.

 (24 compassos, duração aproximada 27 segundos)

Cena 3-Banda na Alameda de tambores
1-Outros sons se misturam ao banjo, foco no violão e banjo revelando a música do clipe.
2-Músicos desfilam e cantam em meio as cordas penduradas e bananeira ornamentais vermelhas, por onde quatro músicos transitam(Duração 4 compassos, mais 23 compassos, duração 32 segundos)

Cena 4  (Voz- Não mexe com essa menina)
1- Surgem princesas cobertas por mantinhas de Prata e Ouro, noivas de São Benedito.
2-A câmera circula ambas focando no rosto encoberto

Cena 5  Ponte instrumental tambor e cordas e
1-Banda  e as princesinhas do congo surgem dançando sob um arco.
primaveras.
2-Plano aberto a banda tocando instrumentos segue as princesas,

Cena 6 “Quando ela passa”  
1-Plano fechado no cesto de vime.
2-O vento sopra sobre as pétalas vermelhas sobre o menino. 
3-Velho no cortejo começa a cantar “Não mexe com essa menina me menino neguinho”
4-“Princesinha africana de rosa no cabelo”. Elas dançam sobre as petalas encabeçam o cortejo que atravessa

Cena 7-Tava perrengando- a vida vai virar” Banda e Dança
1-Interna. A câmara percorre a sala suavemente indo do teto até o local onde está o cesto antigo com as pétalas, fechando no vermelho das pétalas.
2-Plano aberto cortejo Banda e velho cantando,
3-Performance Caçapava
4-Encerra com Plano fechado no olhar do menino.


Cena 7 Instrumental Banda Cortejo
1-Camera percorre as alameda de instrumentos e flores vazia  depois com cortejo princesas e banda. (8 compassos,  9 segundos)
2-Novamento  um cortejo de congada de mistura com imagens de Congadas
3 Todos trajam figurino tradicional. Descem a alameda com flores tambores e passaros-instrumentos.
4- Câmera se aproxima do cortejo. (4 compassos. 4 segundos)

Cena 8 “Não mexe com essa menina”  menino interditado
1-Performance com vocal
2-Olhares do menino e do velho. Os olhares percorrem em direção ao teto.
Plano médio superior do velho e do menino. Eles se olham. O menino, de súbito dá um passo para trás, vira-se e sai correndo. O velho se levanta (16 compassos, duração 18 segundos)

Cena 9 “Quando ela passada” menino interditado
1-A menina se aproxima da câmara dança para ela, com ela, sorrindo e rodopiando. Um conguadeiro com espada na mão se aproxima.
2-Com a palma da mão interrompe a dança. Gesto de corte, de interrupção, em movimento de guilhotina. Ao mesmo tempo, a mão vira para a mão da menina, tirando a menina do centro da cena.
3-A câmara pára seu movimento de dança e segue a menina, que volta para o cortejo.
4-Em seguida vê-se o rei do congo que olha severo, diretamente para a câmara, que sai do quadro ficando apenas a visão do espaço vazio. (12 compassos, duração 12 segundos)

Cena 10 externa “Tava  perrengue ando, a vida vai virar”   
1-Plano geral frontal revela o menino do outro lado da rua, vestido com roupas antigas.
2-Entram pétalas de flores vermelhas, em movimento, em direção ao menino.(24 compasos, 29 segundos)

Cena 11 Externa. Começo de noite. Câmara subjetiva do velho. 
1-A câmara caminha e estaciona em frente à porta. Som de algazarra de crianças. A princesinha do congo aparece em fusão, diante da porta. Tem nas mãos uma flor com a qual brinca. Olha diretamente para a câmara. Subitamente sai pela lateral. (10 compassos, 13 segundos)
2-Esquina de uma rua. Carros parados na faixa.
3-Uma menina vestida de branco, com uma cesta cheia de flores, oferece uma flor ao motorista. Este recusa.
4-Ela vai até um segundo motorista oferecendo a flor. Este também recusa.
5- menino atravessa o farol chegando até um carro onde está a menina, de costas. Ele toca seu ombro. Ela vai se virar para o menino. Corte.
6- O menino pega a mão da menina, deposita nela as pétalas vermelhas de rosa. Menino sai correndo.
7-A menina vira em direção ao carro (à câmara). Revela seu rosto. É a mesma menina da congada.
8-A menina retoma seu caminho vendendo flores no farol, saindo do campo. Ao fundo, a cidade à noite, com luzes sem foco.


FIM 
Proposta de Míriam Selma e Munir AhmedCréditos:

Música e Argumento. Salloma Sallomao Arranjo- Salloma e Filipe Rossi. Roteiro e Direção- Munir Ahamed e Miriam Selma Projeto gráfico, edição e animações : Cassimano Figurino- Débora Marçal (Preta Rainha) e Salloma Cenário- Luis Poeira, Salloma e Antonio Braga Luz- Washington Jean Cameras- Nanau Cassimano, herbe Prado, Munir Ahamed, Dança- Luciane Ramos e Flávia Mazal Menino- Octavio de Paula Banda- Deodara (To, Jéssica, Elias), Filipe Rossi, Carlos Caçapava, Guilherme Prado, Salloma. Produção- Aruanda Mundi Studio Mocambo Digital. Coloboração- Cris Rodrigues, Anna Raquel, Flavia Jovino, Luiza Rodrigues, Ray Elivelton, Ingrid Rocha, Emile Fanti, Augusto Lopes, Gabriel Rodrigues, Miguelitos e Marta de Paula. Apoio -- Grupo Clario e As Próprias Custas Limitada.

Aruanda Mundi- Arte, Cultura, Educação         Como escolher um repertório? Como definir um tema? Como estabelecer um mote geral pra um Cd? Como chegar a um conceito pra trabalhar as canções, de forma a manter alguma coerência entre poética, arranjos, timbres, tecidos e ambientes sonoros-musicais. Como aliar isso tudo às imagens e materias da "bolacha", encarte, capa e contra-capa, etc? Como levar tudo isso em conta e ainda ter espaço para uma criação livre?
Como fazer e comunicar música, sem nenhuma estrutura empresarial por detrás?    E a arte de fato é um exercício de liberdade individual e coletiva?
A música me ajuda a entender um pouco o mundo e a mim.
Desde 1998 as máquinas e programas de computadores, têm sido ferramentas criativa e artesanalmente utilizadas, para criar e comunicar cultura musical. Isso é, muito mais que fazer música. Mocambo Digital- Construindo o ambiente de gravação. Salloma e Benedito Rosa, parceiro e amigo muito querido, assessor técnico para assunto de eletricidade e outras questões.
Vou contar. Quer ler? Então vem.....
Por caminhos insondáveis NZambi nos trouxe as artes digitais, para alimentar sonhos sonoros que há muito estavam adormecidos, apenas alguns entenderam isso, menos ainda tiveram acesso as tais maquinas sonoras. No Mocambo Digital e à sombra da velha araucária celebramos os dias idos e os que estão por vir. Por vaidade ou política pequena, nos desencontramos muitos neste dias recentemente passados, mas havemos de chorar em demasia por isso, não temos tempo. Somos convocados a tecer os fios melodicos e as tramas rítmicas do kronos futuro. O mundo está rodando sempre. Eita mundão de NZambi.
A gente vai tão longe para buscar alguma coisa, sem saber o que. A gente mexe com tanto segredo tolo, fuça nas coisas do mundo, procura, procura e nada. Um belo dia, num tropicão qualquer, aquela coisa procurada, sempre teve ali. Uma velha imagem de São Bendito. Milagrosamente os mistérios se desmancham em compressão assustada, num desvelamento arrebatador. Um amigo meu cético, roqueiro e ateu foi curado de um danada de uma dor de cabeça insuportável. Médico nenhum, remédios todos, o corpo laboratório do consumo insano. Quando nada mais cria, apenas um olhar daquele que alimentou, guardou e zelou pelos algozes.  Sanctus Panis, Benedictus Aethiopicus. Escravo sublime? Gilroy é muito mais cristão  e freudiano que eu. Mas me confessa se essa imagem  mística do perdão, é ou não  maravilinda?  Agora que eu sinto, compreendo.       
Mesmo tendo perdido parte significativa da virilidade macha, é verdade que adoro rasgar a cidade, correndo os perigos próprios aos semi-cidadãos, Exus e priapos de pistolas quentes em punho, sem gozo, somente pólvora e chumbo. " Eu que sempre fui de paz, também tenho que apertar as mãos de homens sujos de sangue.  Eles deidades e nós somos apenas homens com medo da morte. A trilha pra isso somente pode ser e é  Hendrix, Brown, Racionais, Tim Maia, Cassia Eller, Criolo, EMICIDA, Jorge Ben Jor, Belchior ( Coração selvagem). É foda, é crime e medo demais, é tudo pesado e sem remoroso. Quem como eu vê essa cidade amanhecer, não pode entender como ela pode ser tão dividida de si e de mim. Ela é tão voraz.
Lembro-me sempre da "Bebel que cidade comeu". Meu Deus é um padre Loyola, romancista e escritor. Minha irmã se fez Bebel Nepomuceno. Negra de fibra, pôs a filha negra no mundo e chamou-lhe guerrilheira, Aminata. Ela também entra nos meus sonhos e atravessa  para os sonhos da Ana Raquel, ela pede socorro do alto do apartamento, ela está só e em perigo e, nós também.
Foi meu pai, e hoje sou eu quem faz essa cidade e ela me estranha, quase nunca ela é minha, me expulsa e mata um pouco lentamente, me asfixiando. Vivo nos arrebaldes, "aqui periferia", Peri aqui preferiria morrer e morreria na beira do Pinheiros (no entrocamento do antigo Quilombo da Traição), morreria Peri-Peri asfixiado? Aqui ninguém é herói. Crioulo cantando diz: "Aqui ninguém vai pro céu".   Outras vezes quero fugir pro campo, não uma casa de campo na cantareira ( Zé Rodrix, Renato e Elis talvez,). Mas eu um lobo gará, banguela e domestico, revirando os lixos nos terrenos baldios. Queria querer algum tempo para me aperceber de uma planta a crescer e ver as crianças brincando sem medo de bala de chumbo, não de goma. As vezes é isso eu quero e consigo, mesmo ingênuo, busco algo que se aproxime dos sons da infância. Memória?
Outras feitas, tô nessa, só penso nos pios de saracura, cantigas de grilo, coaxos de brejo e mansidão. Barulhos raros de carro e de caminhões cheios de lavradores ou de cana queimada. A maquina tosca FeNeMe vai manquitola na estrada de terra no rumo da Usina Açucareira. São quase todos pretos, os que não são hão de ficar no fim da tarde de tanta fuligem. Serão iguais?
Música minha, dos outros, roubadas de rabecas, mpuitas, violas de bambu. Música minha, dos outros em  mim, tissungos roubados do ladrão letrado do Aires da Mata. É sobre eles  que montamos samplers, rifs chupados, células e timbres recolados no CUBASE e  no LOGIC AUDIO.
Na maioria das vezes só me contento com timbres de tambores médios, com batuques de pandeiros ralos, sons de tampinhas e gungas feitas de latas de tomate. Outras horas, eu fico buscando a delicadeza dos ritmos bem lentos e do sossego aparente dos remansos sertanejos, cantados em terças justas, aumentadas alegrias. São notas longas e graves, sons do universo, tempo longo da morte.
 Vou confessar: Sou matuto camuflado em reza urbana. Nasci na beira da Serra da Canastra, perto das nascentes dos Rio Grande e São francisco, antiga comarca de Piunhi. Onde muitos pretos foram santificados em troncos, que inda hoje gemem e nem sempre é bom lembrar. Por vezes olhar a vida do cume de uma serra, por mais baixo que se seja, planta na gente um sentido de imensidão e de desafio, que nos arremessa mundo afora. Primeiro São Sebastião do Paraíso (  santo todo ambíguo, seminu e delicadamente crivado de flecha, ) na entrada da cidade. Depois Poços de Caldas, Monte Santo, Itaú, Santa Rita de Cassia, Alpinópolis, Piunhi, Pratápolis, Ribeirão, Batatais, Brodoswki, Salvador, Lumiar, etc. Com quantas usinas  se faz uma cidade. Quantos corpos pra moer cana, quanta garapa e sangue, desperdício de gentes. 
 Aquele nariz das Gerais, descambou pro triângulo, caminho de tropa. Um velha senhora de face dura, narina adunca. As matas e a geografia das Gerais foram cortadas por picadas, comboios e caminhos frescos, somente mais tarde veio o trem de ferro, todo soberano e subiu os morros. Tudo que era maxambomba virou trem. Os canjeiranos lá, foram desalojados, mortos e domados com cruz de ferro. Os poucos que ficaram, foram confinados em um bairro que leva seu nome. Aleluia meu Bom Jesus dos Passos. Passos de dança do Moçambique, das Quimbandas mineiras, nos ritos secretos dos Congados. Tudo isso é reversão, não fosse isso, era lamento do Milton e meu. 
 Nunca esperei pelo glamour das páginas de Guimarães e Drumont. Apenas algumas letras dos Mello e Souza esbarram em resquícios de ouro, escravaria e fazenda nas bandas de lá.  Quilombagem nem notícia. O ouro não vem do céu, mas basta seguir a estrela que cai, se uma noite ela cair. Ninguém meu nunquinha achou nadica, tudo já havia sido "arrancado do chão pela  mãos de outros crioulos" eita lamba.
Antes da conversão a Rosa Cruz, meu irmão Jansem firmou pontos de pretos velhos na juventude e Abrão riscou no chão velha escritas dos Ngangas. Ele depois foi ao Radio Clube de Passos se defender. Enquanto aquele morreu bem moço, riscou o "5 salomão" no chão do quarto e traçou meu destino de moleque andarilho, de amante de olhos faiscados de toda cor e poemas e quadras rascunhadas em papel de pão com urgência. Abrão chamava minha mulher Ana, de Úrsula. Somente depois de ler o romance homônimo de Maria Firmina dos Reis, compreendi e agradeci sutil gentileza.
 Abrão. Foi ele quem se casou com princesinha do Congo. Gasparina era  filha mais bela do temido Dito Baianinho, congadeiro e capoeira dos bons. Baianinho? Dizem que tinha sido jagunço de um certo coronel, longe dali, no Recôncavo. Não dá para saber. Quem viu aquele homem negro de porte médio a dançar, seria incapaz de lhe imaginar tal atividade, de lhe imputar tal juízo. Dançarinos também matam. Os assassinos é que não podem cantar, a voz do canto neles seca.  Não se engane não seu moço, as roças das Gerais eram ainda há pouco, terra de gente braba mesmo. Gente grande e covarde. Depois da abolição muito fazendeiro seguiu jagunçando preto e mandando enterrar  no quintal do casarão. Até a república lá foi imposta à bala. Mas onde ela não foi? Somente os brabo e forte, os divinos e abençoados sobrevivem pra contar e ver o tempo se desdobrar em causo, lenda e desventura. E o esquecimento? Os nobres e ricos ainda hoje pagam pra viver e mandar os filhos pra Coimbra? Não mais, agora se formam ali, Ber Zonte, Valadares, Ouro Preto. Ouro Preto? Tá me mangando? Acha que eu sou besta. De carga  e canga, já fui. Hoje ponho tudo isso na música.
Eu não queria mais ser só um menino, quando numa certa tarde de sábado,  me atraiu o xeque-xe-xeque das Ngungas.  Dos chocalhos de canela de pretos de saia. Quem me mostrou na quartinha, nos fundos da casa, os tambores sagrados, foi o próprio Feliciano. Era ele um Tximbanda que sobreviveu ao massacre cristiano. Foi lá onde eu vi e toquei as Ngomas que nunca saiam. Benditos tambores, senhores maleditos, queimadores de ngoma e gente. Proverbio em cantiga de Congo é troça e revanche. Eu paro aqui, depois continuo.    
Aos poucos vamos embora. Depois é que compreendemos que estamos em algum ponto perdido de uma trama temporal. Por mais   inventivos que sejamos, estamos suportados em tradições musicais, onde toda cultura musical do século XX se concentra. Esta, por sua vez tem linhas de desenvolvimento ( também involução) muitas vezes conflitantes. Embora a difusão desigual de música tenha imposto padrões similares em todos as aldeias do globo, o sistema mundial de produção e comercialização de música não conseguiu  homogeneizar os saberes e fazeres musicais, de maneira tão universal quanto se pensa.     Bendita mídia sonora, disco de grafite, carvão, vinil, plástico com película matizável. Lente de infra vermelho.
Há esse fato inconteste do século XX, que é o que chamamos vulgarmente de Indústria Cultural e que colocou sobre  a música todo peso da transformações  tecnológicas do ocidente capitalista.  Afinal, qual foi o real impacto do mundo do espetáculo, dos sistemas de fonogravação e veiculação musical do rádio, do cinema, da TV e da internet sobre as culturas musicais dos diversos povos  e culturas do planeta?       


FANDANGO
Salloma- AM-00032


Para um dia triste, um dia de sol (bis)
A vida não tem ensaio
Não bula no meu balaio
Não dou fita pra lacaio
Nem toque em meus pacová
Eu sou calunga,
 eu sou candimba,
 eu sou do tango
Eu vou na rima e
 vou tecendo
esse calango.
Eu sou malimba
Eu sou madimba
Eu sou do huambo
Eu vou na rima
Eu vou tecendo esse fandango

Para um dia triste, um dia de sol .....

 Meu pano tecido de Nzambi.
Meu plano é coisa desse mundo.
Meu sonho é liberdade extrema.
Meu tema é desejo profundo.

Minha mãe zombava da miséria.
Meu pai nunca compreendia.
Corria a acendia a vela.
A dela acesa noite e dia.

Para um dia triste, um dia de sol  (bis)

Tango lo mango combatente eu também caio
Meu coração segue na proa do navio
Meu galeão leva desterro e alegria.
Manter aceso esse pavio,
É teu espanto.


Pernada e rabo de arraia
Fandango e caixa de folia
Libambo e toque de magia
Cambota, eu abraço meu mano.






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