Democracia como vertigem das classes populares no Brasil.

Vertigem. Democracia como vertigem. O vertigem democrática da alta classe média branca. Adoro café amanhecido. Gente, essa documentarista é maravilhosa. Tô assistindo e não tenho nenhuma emoção. Sinto que me distanciei disso tudo. Eu não sou nem um pouco parecido com essa moça cineasta e nem partilhei dessa mesma perspectiva quase ingênua e tão crédula na república, na democracia e na esquerda oficial brasileira.

Mas, nem tudo nela é credulidade ou ausência de crítica e em mim também nada é assim distância analítica. É muito difícil entender o tempo imediatamente vivido. Então ela traz toda família para contar a história de sua decepção. Gilberto Carvalho é o único que efetivamente faz uma avaliação honesta sobre os descaminhos tomados pelo grupo de dirigentes do Partido dos Trabalhadores ao chegar ao poder no Palácio do Planalto. É importante observar o quão complexo é nosso sistema político, econômico, midiático e judiciário articulados em torno de interesses de classe/raça, de tal forma que uma pessoa comum e praticamente incapaz de conceber.

Uma faxineira terceirizada no dia da faxina geral da nação no palácio do planalto fala que, na sua concepção, não existe democracia só pelo fato de haver votação. Lula diz que a gente vai aprendendo qual é o valor da democracia. Uma nota ridícula num grande jornal havia nos dado conta que muitos nãos antes, Lurian foi hospedada em Paris na mansão dos Odebrecht. Agora esse passado, que não passa, já nem parece tão passado distante.

Isso não pode ser visto como prova de tudo que a lava jato mostrou no PPT. No filme os empresários queridos delatores nos mostram qual é o protagonismo social que realmente tem importado.

Assim como não é possível localizar no governo de Luiza Erundina o início de um modus operandi, na crise que ela enfrentou logo no início, não pela oposição, uma crise de governança porque os vereadores de seu partido e dos partidos de sua base reivindicavam o fatiamento da administração. Mas essa era cultura política pré existente na cidade, no estado e no país fundamentada na rapinagem, na troca, no sitio, na chácara na fazenda do tenente, do sargento, do advogado, do médico, do pastor, do padrinho. Essa menina da foto abaixo, na imagem original se encontra diante de um portão onde há um cartaz de candidatura de Arselino Tato. A atual família instalada no palácio do Planalto não é uma exceção. De acordo com a cultura das elites políticas brasileiras assim que é. Por nosso lado também a cultura política das classe subalternas continua fundamentadas no paternalismo, no conformismo e na busca de salvadores da pátria.

O Partido dos Trabalhadores que vingou levou consigo essa lição básica, se curvar aos interesses do grande e oferecer migalhas no curto.

Construído por ex-exilados, ativistas das CEBs, Intelectuais acadêmicos, líderes sindicais o PT inovou ao incorporar nas suas bases um contingente disforme de donas de casa, trabalhadores com ensino básico, ex militantes clandestinos, capoeiristas, artistas, deserdados sociais. Mas quando o partido realmente ficou bases em todos território era João Santana do grupo Bendegó a caixa de ressonância e não a base.

Então, a pirâmide se estruturou criando um vácuo entre o que havia sido o conteúdo efetivamente popular do nascedouro da agremiação e a elite dirigente em sua viagem em direção a Paris. Caminho que ao longo do tempo acomodou a cultura política pré existente e rumou para os braços de outra agremiação muito antiga e importante para país, o partido ainda criado durante o regime militar.
"Mas algo no nosso tecido social começa a mudar"Heim? Uma sociedade que se dividiu aqui? Ou "uma sociedade profundamente dividida de si mesma", como dizia minha professora historiadora formada na USP com pós nos EUA, filha de fazendeiros do café de Minas Gerais. 

PMDB e tipo uma máquina auto-reparadora. No segundo governo Dilma era aquilo, Temer bonecão se fingindo de morto, mas articulado em todos os níveis possíveis para drenagem de dinheiro do estatal, profundo conhecedor da coisa, respública, e  afinado com Cunha outro mestre mago do senhor Jesus Corporation. Quando o petismo (uma forma partidária de pensar e governar) se tornou refém de Moro, Cunha, Aécio, Levandowisk e Gilmar Mendes, achacadores em primeiro grau, há muito que o socialismo democrático brasileiro tinha morrido, sem ter sido implantado.

O filme nos ajuda a humanizar todos os personagens e as famílias que alcançam o poder e aquelas que nunca o abandonam. Petra Costa com grande honestidade constrói uma narrativa dos últimos tempos da sociedade brasileira que nos trouxe até esse Despenhadeiro procurando trazer sua família pra gente conhecer e admirar. É um Estado de Fazenda. A vertigem da democracia é branca porque nada pode ver das condições de hierarquia racial, que em pouco mudou a partir da política partidária. E vertiginosa porque a participação dos excluídos foi pensada a partir do patriarcalismo e das práticas e culturas paternalistas. Vertigem porque a diretora muito próxima do poder confundiu a ascensão da empreiteira do avô, com luta de esquerda da mãe/Dilma. Dignificou as mães e não foi capaz de expor seu privilégio branco de narrar a partir de dentro sob o olhar do petismo esfarrapado, mas arrogante, branco e autoritário.