Ela fez muita coisa nesses anos que nós a acompanhamos. Na descida do morro lado esquerdo do Taboão para a beira do córrego Pirajuçara quase nunca andou de salto alto e fino. Seus pés são pranchas de deslizar em águas que transbordam. Mas, seus veículos de deslocamento em espaço inóspitos são sua voz, braços e mãos. Inteligência aguda e seca. Com tais armas, ela entra e sai bem de qualquer sinuca. E quando não podemos apalpá-la nas magrezas, basta ler na tela suas pálpebras alquebradas e costelas sob a pele fina e preta. Ela é muita treta. E escureceu por dentro na medida em que foi tisnada e denegrida na rua e na beira do córrego que deságua na USP.
Afoíndia digna arriba toda nossa larga família cantando e semeia versos, sustentando vergas. Não é de carregar cruzes que lhes são impostas, mas tem lá seus sacrifícios suspensos e diminutos pecados. Agora na tela da tv e smartphones, não mais sem fala. Tá tudo lá: olhos, boca, tetas, testa proeminente e lisa, nariz, cabelo, imagens de couro corpóreo. E textos cheios de buraquinhos. Irmandade Netflix. Embora sejam as mesmas narrativas de sempre, nós precisamos vender nosso trabalho para os homens brancos dos bancos e das empresas para entreter. Nesse ponto não cabe ilusão, nem tolices de empreendedorismo sem recurso financeiro. Nosso trabalho é nossa criatividade e nossa inteligência limpa. Tem por esse fato novo, algum deslocamento ascendente no sentido da autonomia. Ou de subir para alcançar o poder da escolha. Saber dizer sim, saber porque dizer não. Não é representatividade porque é pouco. Porém, deve haver algum propósito nessa nova etapa, onde a mídia branca já não pode mais nos enredar nas suas teias de estereótipos e estigmas eternos. Tomara seja um bom agouro.
No roteiro não há que novidade.. Nós nem queremos saber disso. Tempo há que tento puxar na memória em que momento a estética de Glauber foi substituída pela de Padilha. Talvez tenha havido uma passagem em Hector Babenco. Mas realmente tenho dúvida. Glauber e Babenco ainda nos deixavam entrever alguma dialética, algum afeto, alguma crítica as elites e antes que fossemos configurados definitivamente como os inimigos naturais. Gente perigosa, maus e violentos por Padilhas e Afins. Nós os “Inimigos de porta adentro”. Cujas vidas quase nada valem quando estamos fora do nosso distrito de trabalho, sem salvo conduto.
Naruna Costa é atriz de teatro, televisão e cinema. Composição musical, cantorias e estripulias dramatúrgicas.
Mas há uma coisa bacana no triângulo dos 3 irmãos. Há uma estranheza na adequação do corpo, da postura do Seu Jorge...na paisagem social do filme... São Paulo ...anos 1990....acho realmente louvável essa tentativa de contar uma história de gente pobre e preta...pode ser pura implicância...de homem velho e rabugento que acha que os brancos nos roubam até nossas narrativas..... Mas vamos falar de você e sua interpretação fora da sua caixa preta e segura. Você mais contida... Com a voz assentada na primeira pessoa do singular....com registro médio. Muito charmosa naquela roupa. Até nas cenas em que dirigiu e estacionou em cima da guia.... Uma fotografia que favoreceu o escurecimento leve do seu tom de pele. Segura, altiva e cheia de nuances.
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